Os ‘combos’ tributários do McDonald’s

Corporação do hambúrguer é alvo de investigações em diversos países por evasão bilionária em impostos    

As relações entre órgãos europeus de fiscalização de tributos e a rede de fast-food McDonald´s vão mal. Em 2015, autoridades da União Europeia acusaram a transnacional de junk food de instalar e utilizar a sede localizada no pequeno território de Luxemburgo – um dos paraísos fiscais da Europa – com o objetivo de driblar a cobrança de impostos. A denúncia chegava fundamentada em manobras de evasão fiscal ocorridas de 2009 a 2013 e arrancou da megaempresa a promessa de que transferiria o escritório central ao Reino Unido, onde, em tese, estaria submetida a regras mais rígidas. Promessa é dívida. Literalmente, nesse caso. Ainda assim, não foi cumprida.

Isso, apesar de a McD Europe Franchising, criada pelo McDonald´s em Luxemburgo, mostrar números muito estranhos. Com receita acumulada de 3,7 bilhões de euros nos quatro anos investigados, a empresa tinha apenas 13 funcionários e pagou somente 16 milhões de euros em impostos na Europa naquele período.

A criação desse braço da operação financeira partiu de uma mudança na política fiscal de Luxemburgo, em 2009, que permitiu uma redução significativa do imposto cobrado em cima da propriedade intelectual. Entendendo que o franchising se enquadrava na categoria, a corporação instalou uma “empresa de propriedade intelectual” no país, para onde mudou o domicílio fiscal europeu. Além disso, abriu uma sucursal na Suíça, deslocando a sede de Londres para Genebra.

Três anos depois, o que se vê é uma nova reestruturação societária da corporação na Europa e a manutenção da sede fiscal no grão-ducado de Luxemburgo. Dessa vez, a jogada foi articulada pela empresa Mc Europe Holding, que absorveu a sociedade McD Investments, uma espécie de companhia-mãe de várias empresas da cadeia de fast food estadunidense no velho continente.

Não bastassem as mexidas no tabuleiro em solo europeu, a matriz da MC Europe Holding está registrada no segundo menor estado dos Estados Unidos, Delaware, onde a legislação tributária é tão frouxa que chega a ser comparada com as dos paraísos fiscais mais conhecidos do mundo.

Wilmington, a capital de Delaware, está longe de ser uma metrópole. No entanto, não são os apenas 73 mil moradores que mais a distinguem de outros municípios estadunidenses. O diferencial maior é a quantidade de sociedades financeiras cujo capital é constituído de ações de diversas empresas – as holdings – presentes por lá. No total, quase 60% das 500 maiores companhias dos Estados Unidos têm sede na cidade. Elas são atraídas por vantagens tributárias, a exemplo da isenção de impostos sobre ganhos obtidos fora das fronteiras do estado.

O combo

São muitos os nós que entrelaçam a complexa trama envolvendo o dinheiro que você paga nos combos com sanduíches bem menores do que mostram as propagandas, refrigerantes em copos gigantes lotados de gelo e batatas fritas que murcham depois de frias. O McDonald’s usa e abusa do modelo de franquias, que somam 80% dos estabelecimentos da cadeia. A maior parte de receita da companhia, portanto, sai do pagamento de royalties em vez das operações comerciais diretas das lojas. Com isso, a rede consegue transferir os recursos a filiais extraterritoriais (offshores) em paraísos fiscais.

Gráfico do The Guardian mostra o caminho do dinheiro do McDonald’s para fugir de impostos

O relatório “Desvios Dourados: como o McDonald’s evita pagar sua quota tributária”, publicado em maio de 2015, denunciou que a rede possuía 42 filiais e sucursais em paraísos fiscais do planeta, sendo que 31 não apareciam no informe anual da megaempresa no ano de 2014. Em vários desses locais, a marca representada pelos arcos dourados e o palhaço Ronald guardava generosas reservas financeiras. Só em Luxemburgo, a corporação tinha 1,9 bilhão de dólares.

Batizado em inglês como “Golden Dodges”, o documento foi produzido por uma coalizão internacional de sindicatos e apontou, também, que a rede de restaurantes fast-food deixou de recolher mundialmente pelo menos 1,8 bilhão de dólares em tributos de 2009 a 2013.

Como resultado da reestruturação de negócios para reduzir as obrigações fiscais nos EUA e ao redor do mundo, o McDonald’s tem enfrentado crescente fiscalização regulatória sobre as operações em diversos países.

Austrália
A receita federal australiana investigou, em 2013, McDonald’s e franqueados sobre as tratativas tributárias da venda de franquias no país.

Brasil

Em 2005, a Procuradoria Geral da República do Brasil processou a filial brasileira do McDonald’s sob a alegação de conluio com funcionários da administração fiscal para reduzir indevidamente a tributação. A transnacional havia sido autorizada a deduzir integralmente um royalty de 5% das vendas para efeitos tributários, quando a dedução permitida era de apenas 1%. O potencial de sonegação foi de R$ 78,6 milhões em impostos em 2000 e 2001 por meio deste acordo.

O Ministério Público Federal em São Paulo, no ano retrasado, iniciou uma investigação civil contra a Arcos Dorados, maior franquia do McDonald’s no mundo e maior operadora dos restaurantes da cadeia na América Latina e Caribe, por supostas violações da lei de franquias, provisões antitruste e evasão fiscal.

Outras multinacionais de produtos ultraprocessados com sede no Brasil já foram objeto de investigação da reportagem de O Joio e o Trigo na questão de manobras tributárias. 

Estados Unidos

A receita federal dos EUA realizou uma análise nas declarações do imposto de renda do McDonald’s em 2007 e 2008, e emitiu notificações de ajustes propostos referentes a créditos fiscais estrangeiros de aproximadamente U$ 400 milhões reivindicados pela empresa, que foram posteriormente protestados junto ao Gabinete de Recursos da Receita Federal do país.

Nos registros corporativos do terceiro trimestre de 2014, o McDonald’s relatou despesas fiscais adicionais de 260 milhões de dólares, como resultado de decisões desfavoráveis resultantes de auditoria fiscal. No relatório anual, a transnacional revelou que a receita federal dos EUA contestou a tributação aplicada pelo McDonald’s aos preços de transferência de operações internas e propôs uma série de ajustes após avaliação das declarações de imposto de renda de 2009 e 2010.

França

Autoridades francesas investigaram o McDonald’s por sonegar impostos em 2,2 bilhões de euros desde 2009, como parte dos desvios em royalties de operações francesas para a estrutura Luxemburgo/Suíça.

União Europeia

Em 2015, foram abertas as investigações pela Comissão Europeia do regime tributário do McDonald’s em Luxemburgo, solicitando esclarecimentos sobre os negócios da empresa no país. A apuração do caso prossegue.

Venezuela

O governo venezuelano ordenou, no ano de 2006, que determinados restaurantes do McDonald’s no país fossem temporariamente fechados como penalidade pela não observância de regras fiscais.

As autoridades fiscais venezuelanas novamente fecharam 118 das 132 lanchonetes do McDonald’s no país em 2009, por irregularidades nas contas da cadeia, incluindo ‘inconsistências’ nos registros de compra e venda, bem como em impostos não recolhidos.

Imagem em destaque: documentário Super Size Me

Infográfico: The Guardian

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