Obesidade: o ‘empate’ além da Copa do Mundo entre Brasil e Suíça

Philippe Coutinho e Zuber definiram o placar do 1 x 1 na Copa da Rússia; megaempresas de junk food atacam a saúde de ambos os países   

Brasil e Suíça têm pontos surpreendentemente comuns além de um gol para cada lado no empate de domingo (18), por 1 x 1, pela fase de grupos da Copa do Mundo da Rússia. Em termos de problemas alimentares, o país da feijoada tem convergências com o do chocolate mais famoso do globo.

Quando o papo é quem põe grana no jogo e os patrocínios esportivos bilionários por megaempresas que fazem mal à saúde de milhões de pessoas, sejam brasileiros ou suíços, as coincidências são razoáveis. A começar do próprio torneio, as camisas amarela e a vermelha estão sob a égide de marcas como a Coca-Cola e o McDonald’s. As duas companhias de junk food são patrocinadoras da competição há tempos.

A megacorporação de refrigerantes é parceira oficial da Copa da Fifa desde 1978,  mas começou a marcar presença no Mundial em 1950, com anúncios estampados nos estádios da primeira edição disputada no Brasil.

Já o McDonald’s, maior rede de lanchonetes de comida-porcaria do mundo – no Brasil, são 935 unidades das 35 mil espalhadas pelo planeta – financia e lucra com o megaevento desde 1994, pontapé inicial dado na edição sediada pelos Estados Unidos. Patrocinadora do evento esportivo no minimo até 2022, a dona do palhaço Ronald faz as vezes de “restaurante oficial” da Copa, tendo direito a ações promocionais, como selecionar as 22 crianças que entram em campo junto com os jogadores a cada partida.

Eventos como a Copa historicamente engordam os lucros de muitos bolsos: dos mais corruptos diretores da Fifa, como os ex-presidentes da organização João Havelange e Joseph  Blatter, curiosamente, um brasileiro e um suíço, aos da indústria de alimentos ultraprocessados e de junk food que financiam a cccorrupção faz muito tempo. As empresas que bancam a Copa da Fifa gastarão em torno de 1,5 bilhão de dólares só para a realização do torneio na Rússia do homofóbico governo de Vladmir Putin.

Locais e globais     

Em território brasileiro, onde o refrigerante ocupa o sexto lugar na lista dos 20 alimentos mais consumidos por adolescentes, à frente de hortaliças e frutas, jogadores que vestem a camisa da CBF são garotos-propaganda do Guaraná Antártica, da Ambev, companhia de bebidas fundada pelo bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann.

O Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes, divulgado em 2016 pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta 17,1% dos adolescentes brasileiros de 12 a 17 anos com sobrepeso, enquanto 8,4% estão identificados como obesos, com meninos em maior porcentagem: 10,8%. Entre as meninas, o índice de obesidade é de 7,6%.

O estudo mostrou, também, que 56,6% dos adolescentes fazem refeições sempre ou quase sempre em frente à televisão, número maior entre alunos de escolas públicas, fator significativamente associado ao menor consumo de frutas e verduras e ao maior consumo de salgadinhos, doces e bebidas de elevado teor de açúcar.

Apesar desse cenário preocupante, as empresas de comida-porcaria comemoram estatísticas de venda como se fossem gols. Dentro da estimativa de que 3,5 bilhões de pessoas no mundo assistam a pelo menos um dos 64 jogos da Copa da Rússia, o momento é de alegria para o mercado de bebidas no Brasil.

Em 2014, no Mundial disputado por aqui, só o volume vendido pela Ambev subiu 1,4 bilhão de litros em comparação com o torneio de 2010, na África do Sul. Para este ano, a companhia planejou a maior campanha da história em todos os 73 países onde está presente.

“É um momento de consumo que só existe em ano de Copa”, diz Pedro Adamy, diretor de marketing de um dos setores da Ambev.

Por falar em bebidas, entre as marcas identificadas pelos brasileiros como financiadoras da  Copa, a Coca-Cola é a mais citada, com 41% das lembranças, de acordo com dados do Ibope Conecta.

Sempre no ataque 

As corporações atacam as estrelas da seleção sem titubear. Neymar, fã confesso do McDonald’s, que colocou o próprio filho, de seis anos de idade, para fazer propaganda da rede de sanduíches, é a grande aposta das empresas de alimentos ultraprocessados. Ele fechou uma série de contratos publicitários milionários antes da competição, com destaque, óbvio, para a rede de lanches.

“Não adianta apenas patrocinar o evento. É uma guerra para ocupar o espaço relacionado à Copa na cabeça do consumidor”, diz Roberto Gnypek, vice-presidente de marketing do McDonald’s Brasil.

Em 2002, a rede lançou sanduíches temáticos em homenagem a seleções específicas, com duvidosas referências à gastronomia dos países, prática que persiste até hoje.

“Até agora, os resultados estão acima das expectativas. Estamos preocupados que eles (os lanches) acabem dias antes do fim da Copa. Fizemos um planejamento adicional, com a área de suprimentos, para não termos desabastecimento”, afirma um orgulhoso e feliz Gnypek.

Em microbolhas (não que todos não estejamos em alguma bolha hoje em dia), os atletas canarinho parecem não pensar no quanto contribuem à epidemia de obesidade e enfermidades correlatas, como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos e até câncer, que causam, numa população de 206 milhões de habitantes, 928 mil mortes anuais por doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), o que soma significativos 73% dos óbitos ocorridos anualmente no país, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Além disso, a situação traz o risco de morte prematura, que é considerado alto: 17%.

Sem festa dos dois lados 

O gol do suíço Zuber não é o único ponto que garante um “empate” da Suíça com o Brasil. O site Swiss Info noticia que uma pesquisa realizada pela Secretaria Federal de Saúde e o Serviço Federal de Veterinária e Segurança Alimentar da Suíça, revelou que 44% dos pesquisados foram considerados com excesso de peso. O estudo, feito em 2016 e chamado de menuCh, mostra que 90% dos entrevistados comem apenas uma fruta ou legume por dia. Dois mil adultos entre 18 e 64 anos participaram das entrevistas.

Os custos com saúde na Suíça são estimados atualmente em 54,3 bilhões de dólares por ano, o equivalente a mais de 150 bilhões de reais. Alimentos considerados muito doces e gordurosos são acusados por pesquisadores do país de causar obesidade, diabetes e câncer, além de doenças cardiovasculares.

Um relatório publicado na pesquisa “Nutrição e Movimento na Suíça”, realizada pelo Observatório Nacional da Saúde, revelou que quase um em cada cinco crianças estava com sobrepeso ou obesidade. A Suíça está entre os 73 países em que o número de pessoas obesas mais do que duplicou nos últimos 35 anos.

Protesto 

Uma campanha divulgada na última semana por uma coalizão de organizações não governamentais indica como a indústria alimentar de ultraprocessados, principalmente a Coca-Cola, patrocina eventos esportivos vendendo a fantasia marqueteira de que é responsável pelo financiamento de atividades físicas, como, aliás, faz sistematicamente em cenários muito menos visíveis do que a Copa do Mundo.

Uma petição para cobrar que a Fifa retire o patrocínio dessas empresas é apoiada no Brasil pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, e conta com duas mil adesões.

Anna Glayzer, uma das lideranças da campanha, observa que o uso de jogadores de futebol mira sempre em aliviar a imagem de alimentos com índices elevados de sal, açúcar e gordura, dando a falsa impressão de que os produtos não são prejudiciais à saúde.

Ela enfatiza que o principal impacto negativo ocorre em crianças e adolescentes, normalmente já mais vulneráveis à publicidade, o que piora quando às mensagens saem da boca de ídolos do futebol.

“Quando eles (as crianças e adolescentes) veem os jogadores favoritos publicizando uma bebida altamente açucarada,  associam esse produto com o esporte, com a potência física e até com a saúde“, argumenta.

A campanha tem publicado recomendações e protestos dirigidos a líderes mundiais para reivindicar a proibição ou limitação dos patrocínios de eventos esportivos internacionais pelas companhias e marcas associadas com comida-lixo.

No caso dos mexicanos, estima-se que mais de 70% do açúcar presente na dieta saia de bebidas açucaradas e fast -food, especialmente de refrigerantes. No entanto, depois da criação de um imposto específico sobre esses produtos em 2013, houve uma queda substancial no consumo, essencialmente entre a população mais pobre, que é a parcela mais afetada pela obesidade e doenças crônicas não transmissíveis no país.

Foto em destaque: Agência Brasil   

Saia do sofá, mas não largue o refri, diz a indústria

Por Moriti Neto

É editor e repórter. De preferência, repórter.

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