Em 1954, os Estados Unidos lançaram o programa “Alimentos para a paz”, no qual o governo comprava o excedente dos produtores norte-americanos e doava a outros países. Uma forma de controlar os preços do mercado interno e ainda expandir a influência do país, no contexto da Guerra Fria. Foram os acordos de cooperação internacional que surgiram a partir daí que impulsionaram a criação da CME no Brasil.
A participação de organismos internacionais no envio de alimentos para a merenda foi caindo gradativamente – até cessar, com o fim do programa “Alimentos para a paz”, no início dos anos 70. Com isso, o Brasil começou a enfrentar dificuldades para ofertar a merenda e o agro nacional começou a fazer lobby para ocupar o vácuo deixado pelos EUA e abocanhar a verba da merenda.
Apesar dos esforços do agro, quem deitou e rolou na verba da merenda foi outro setor: o dos ultraprocessados. No final da década, só 12 empresas forneciam alimentos para a merenda de todos os estudantes do país. Constam na lista a Coca-Cola, PepsiCo e a Nutricia – pioneira das fórmulas infantis que atualmente faz parte do grupo Danone.
Até então, era o governo federal que centralizava toda a execução da alimentação escolar – da elaboração do cardápio à compra e distribuição dos alimentos. Um prato cheio para a cartelização. No final dos anos 80 surgem as primeiras experiências de descentralização da compra de alimentos para a merenda.
A CPI da Fome e o Tribunal de Contas da União (TCU) encontraram uma série de irregularidades na gestão da merenda. Dentre elas, desvio de verba; uso eleitoral do programa e a formação de cartéis da indústria, que superfaturavam em até 90% o valor dos produtos. Ao mesmo tempo, crescia a mobilização popular em torno do combate à fome.
A pressão popular impulsionou a criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O princípio da descentralização no âmbito do Pnae voltou a se fortalecer e foi oficializado no ano seguinte, com a Lei nº 8.913. A adesão dos municípios foi imediata e crescente.
O maior marco da alimentação escolar nesse período é a publicação da Lei nº 11.947, em 2009, que fez uma ampla reformulação do programa. O atendimento foi ampliado; o valor médio das refeições foi reajustado e passou a ser obrigatório destinar 30% dos recursos repassados pelo governo federal a estados e municípios na compra direta da agricultura familiar. Até hoje é essa a lei que regulamenta o Pnae.
Em função das mudanças na legislação, esse é um importante período de adaptação. Aos poucos, o percentual de compra da agricultura familiar, a nível nacional, foi aumentando. Nos municípios, porém, as realidades ainda são muito diversas. Pelo menos metade dos municípios brasileiros não atinge os 30%.
Esse ainda é um dos principais desafios para a execução ideal do programa. Somam-se a ele a terceirização, os cortes orçamentários e a falta de reajustes do valor per capita – o último aconteceu em 2017 e desde então o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação repassa só 32 centavos por dia letivo, para cada estudante do ensino fundamental, médio e EJA.
Quando as infecções por coronavírus começaram a se alastrar e as escolas foram fechadas, a gestão do Pnae ficou caótica. Com isso, estudantes ficaram sem merenda, justamente quando mais precisavam, e famílias agricultoras que fornecem para o programa e têm essa atividade como principal fonte de renda ficaram completamente desamparadas. Um baita retrocesso.