Ao longo de dois séculos, o avanço do café, da pecuária e, mais recentemente, do eucalipto transformou o Vale do Paraíba, no interior do Estado de São Paulo, e o sul de Minas Gerais.

Essa região é justamente o berço da cultura caipira, que ocupava boa parte do território brasileiro. Uma cultura marcada por bairros rurais isolados nos quais as relações se davam na base do compadrio, e não do dinheiro.

No qual floresceu uma culinária que tem no feijão, no milho, na mandioca e na carne de porco os elementos centrais. E em tudo o que é derivado disso: o fubá, o polvilho, a banha de porco.

A culinária caipira é uma das bases para a formação da cozinha brasileira. E essa culinária caipira absorveu muito da culinária dos guaranis e dos tupis.

No formato do fogão, feito no chão com pedras encaixadas, e no hábito de cozinhar de cócoras. Acima de tudo, no culto ao milho.

Foto: Acervo instituto Chão Caipira

Na virada para o século 20, a cidade de São Paulo precisava inventar um mito. Uma ode ao progresso.  O trabalho se converteu no motivo de ser, um orgulho traduzido em frases ainda vigentes, como “São Paulo é a locomotiva do Brasil”.

Foto: Wikimedia commons

E, então, a cidade aprende a odiar o caipira, que se transforma no sinônimo do atraso.

Foto: Wikimedia commons

Na década de 1920, São Paulo iniciou a construção de um novo mercado municipal, que hoje em dia é ponto turístico gourmet. Naquela época, a intenção era erguer um prédio imponente para oferecer uma alimentação “moderna”, com itens importados e caros.

Foto: Wikimedia commons

Quando o novo mercado foi inaugurado, nos anos 30, a prefeitura desativou o Mercado dos Caipiras, onde pessoas da zona rural vinham oferecer alimentos.

Foto: Arquivo CMSP

As fotos que sobraram dessa época mostram uma estrutura bem mais simples, com barracões apinhados de caixotes de madeira, ruas de pedra e objetos jogados pelo chão.

Foto: Arquivo CMSP

Também nessa época as quitandeiras, ou quituteiras, estavam desaparecendo das ruas.

Elas comercializavam algumas iguarias da culinária caipira ou da cozinha trazida pelos escravizados, que agora passavam a ser desprezadas ou consideradas sujas, anti-higiênicas.

São Paulo se constrói assim: sobre a demolição do passado.

Um personagem emblemático nessa construção da aversão ao caipira é o Jeca Tatu. Ele foi criado por Monteiro Lobato.

O Jeca é sempre representado como o chucro, o atrasado, aquele que não quer trabalhar. Monteiro Lobato ficou obcecado com a ideia de que o grande problema do Brasil eram as verminoses e a doença de Chagas.

Ele dizia que as pessoas eram preguiçosas, e eram preguiçosas por causa dessas enfermidades. Logo, resolver o problema era apenas uma questão de vontade do poder público em impor medidas sanitárias – por exemplo, proibir o pé descalço, que é uma forma de transmissão de verminoses.

Pintura de Almeida Júnior - Acervo da Pinacoteca

Uma parte do sucesso do Jeca se deve a uma campanha de publicidade bancada pelo Biotônico Fontoura.  O fabricante, que era amigo de Monteiro Lobato, comprou os direitos da história do Jeca e passou a imprimir exemplares a torto e a direito.

Essas cartilhas vinham com propagandas dos produtos e traziam a ideia de que o problema de verminose do Jeca se resolvia com o biotônico. Tinha até uma espécie de antes e depois do Jeca.

O Jeca era um sujeito que, nas palavras do Monteiro Lobato, “vivia na maior pobreza”, e “dava pena ver a miséria do casebre. Nem móveis, nem roupas, nem nada que significasse comodidade”.

Monteiro Lobato, que olhava para o caipira com a lógica de um fazendeiro febril por progresso, não consegue entender a situação: “O Jeca possuía muitos alqueires de terra, mas não sabia aproveitá-la. Plantava todos os anos uma rocinha de milho, outra de feijão, uns pés de abóbora e mais nada. Criava em redor da casa um ou outro porquinho e meia dúzia de galinhas.”

Quando o Jeca vai ao médico e resolve seu problema de verminose a preguiça do Jeca desapareceu. A fazenda passa a ser toda automatizada. Ele vai acumulando, criando fortuna, expandindo. E, entre muitas coisas, Jeca resolve plantar eucaliptos.

A cultura caipira é uma antítese da cultura do progresso que se expandiu com toda a força nas sociedades latino-americanadas do pós-guerra. Não era mais interessante que uma região que está entre as duas maiores cidades brasileiras continuasse sem pressa.

A chegada do eucalipto e pinus enterrou a cultura caipira.

Foto: Wikimedia commons