De quem é a culpa da fome?

A fome voltou.

Mas se engana quem pensa que esse é mais um resultado da pandemia.  Tão triste quanto constatar que a insegurança alimentar cresce é perceber que pouco se discute as razões de o Brasil ter mergulhado nessa situação

Mais da metade da população brasileira sofre com algum grau de insegurança alimentar e pelo menos 15% convive com a falta diária e constante de ter o que comer.

Os números são do levantamento mais recente sobre o tema, o relatório “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação de segurança alimentar no Brasil”.

“Quem tem fome tem pressa”, dizia o sociólogo Betinho. Mas, apesar dos números, há um tempo a fome não é tratada com um problema urgente no Brasil, apesar de ser.

Pra quem não acompanha muito os indicadores de segurança alimentar e nutricional, pode até parecer que a falta de comida no prato está ligada aos desdobramentos da pandemia. E é claro que o tripé vírus-negacionismo-desemprego tem a sua parcela de culpa.

"A fome é produto de um momento agudo, que é expressão de uma situação crônica no país"

Elisabetta Recine,

ex-presidenta do  Conselho  Nacional de Segurança Alimentar  e Nutricional (Consea)

E nenhuma situação crônica nasce do dia pra noite. Em 2018 publicamos investigações em O Joio e O Trigo alertando que qualquer candidatura eleita naquele ano deveria ter as políticas de segurança alimentar e nutricional como prioridade na agenda de governo.

Fome e pobreza andam juntas.

Na época, quase 25% da população, cerca de 50 milhões de pessoas, vivia em situação de pobreza, e cerca de metade disso, 12,5% do total de brasileiros, na extrema pobreza.

Isso significa que um quarto das pessoas no país sobreviviam com R$ 387,07 mensais, quando pobres, e com R$ 133,72 por mês (valores da época), quando extremamente pobres.

Naquele momento, as autoridades do país, então governado pelo presidente Michel Temer, creditavam o problema ao desemprego e esperavam que duas das principais iniciativas do governo solucionassem a questão: a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95, que limitava por 20 anos os investimentos sociais do governo federal.

Prometia-se que a primeira ajudaria na geração de postos de trabalho, e a segunda atrairia investimentos, aquecendo a economia. Os números mostram. E, se você viveu no Brasil durante esse tempo, também sabe dizer. Nem uma coisa nem outra aconteceram.

E Jair Bolsonaro deu sequência ao projeto Ponte para o Futuro de Temer. Desde então, uma série de políticas públicas fundamentais na garantia da alimentação e nutrição adequadas foram destruídas.

Aqui vai uma pequena lista:

Enquanto o governo destruía programas sociais, o prato da família brasileira ia ficando menos diverso e mais caro...

alimentos com maior redução de consumo durante a pandemia

Carne

44%

frutas

queijos

hortaliças & legumes

40,8%

40,4%

36,8%

Relatório "efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no brasil", 2021

Ao abordar os relatos dramáticos daqueles que estão sofrendo com a fome, é fundamental entender o que se fez ou deixou de ser feito para que isso aconteça.

Investigar o que acontece no Brasil para virarmos a página da fome no país é um compromisso nosso.