Nos últimos anos apareceram no mercado uma nova onda de suplementos que prometem a cura para tudo quanto é coisa com o simples uso de balinhas, comprimidos e cápsulas.Uns prometem uma pele perfeita, unhas e cabelos fortes. Outros, dizem melhorar o sono, e até mesmo vendem cafeína para turbinar o home office.
Se distanciando daquela velha imagem dos potinhos de canto de farmácia, essas marcas se vendem como “moderninhas”.
De embalagens clean, bem instagramáveis, às balinhas com sabores artificiais para melhorar a aceitabilidade entre o público.
A ideia é tornar a suplementação uma prática banal.
A Vitamine-se é uma dessas marcas novas no mercado e usa de uma inteligência artificial para recomendar o melhor combo para os clientes. Uma clara tentativa de passar por cima do profissional de saúde.
1O nutricionismo também aparece como pilar fundamental da construção de imagem dessas marcas, que vendem a otimização do tempo e a manutenção de um corpo que precisa dar conta de tudo, como uma máquina.
Por que não consumir duas cápsulas de luteína que equivalem a 50 gemas de ovos, não é mesmo?
Uma comparação que não faz sentido, explica Vanessa Pereira Montera, nutricionista e doutora em saúde coletiva pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). “O impacto do alimento é diferente, porque no ovo não tem só luteína. Tem a luteína, mas tem outros carotenoides. Eu tenho proteína, eu tenho vitamina D. Então eu estou considerando toda essa interação”, alerta.
A fiscalização desse mercado cabe às vigilâncias sanitárias municipais e estaduais e à Anvisa. Mas se essas estruturas públicas já eram pequenas para lidar com o mundo físico, imagine com o mundo virtual. Cabe à Anvisa, também, a regulação desse mercado como um todo.
Em 2018, a Agência
aprovou o Marco Regulatório dos Suplementos Alimentares, o primeiro no Brasil para esses produtos.
O Joio se debruçou sobre as seis Consultas Públicas abertas pela Agência em 2017 para entender como o setor atuou para defender seus interesses.
Ana Paula Bortoletto, pesquisadora do Nupens e da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis, ambos da USP, explicou que o ritmo das discussões foi pautado pela demanda das indústrias.“A estrutura regulatória no Brasil não apoia a participação da sociedade civil, o que eu acho que deveria acontecer”, diz.
Um dos pontos levantados nas Consultas Públicas foi a convergência das normas brasileiras com modelos internacionais.
Para a indústria, o Brasil deve virar um mercadão como os Estados Unidos e a Europa. Na falta de atuação da sociedade civil, as indústrias ganharam os pontos que disputaram:
– aumento dos limites máximos de aromatizantes e edulcorantes, para que os suplementos sejam mais atrativos e palatáveis;
– aumento do prazo para adequação à norma, que era de 24 meses e passou a ser de 60 – cinco anos para se adaptar;
– afrouxamento das alegações – afirmações de que o produto “fortalece unha e cabelos”, por exemplo.
Uma das associações que participou ativamente no processo regulatório dos suplementos alimentares foi Associação Brasileira de Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri), presidida por Marcelo Bella, que também é CEO de uma marca de suplementos, a Black Skull.
A Abenutri merece uma atenção especial, porque o alinhamento da associação com o bolsonarismo é algo impossível de ser ignorado. Em 2021, a marca de suplementos do Marcelo promoveu a motociata “Acelera para Cristo”.
Graças à atuação da Abenutri, Abiad e de outras associações e corporações do setor lá na década passada, mas também recentemente, a Gummy e a Vitamine-se podem nadar de braçadas nesse mercado que se torna cada vez mais próximo do país do hot dog.