Deslocamento para MG deixa rombo nas receitas do município e 300 trabalhadores sem emprego
A Yoki anunciou que fechará sua unidade produtiva na cidade gaúcha de Nova Prata. Instalada em 1998, a fábrica emprega 300 operários e produz pipoca, lentilha e ervilhas.
No mês de maio a produção que antes cabia à unidade de Nova Prata será deslocada para Pouso Alegre (MG), onde já existe uma fábrica da empresa – recém-expandida para cumprir com a nova demanda produtiva.
Dona da Yoki desde 2012, a General Mills afirma, em comunicado, que a reestruturação se deu para que a empresa pudesse “ampliar a capacidade produtiva, otimizar a cadeia operacional e oferecer o melhor nível de serviços a todos os seus clientes no Brasil”.
Quem perde?
A retirada da Yoki deixa muitos órfãos. A começar pelos 300 trabalhadores e suas famílias, passando pelos produtores parceiros e acabando no município, onde a fábrica responde por cerca de 10% de geração de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Anderson Bolzan, secretário de desenvolvimento e finanças de Nova Prata, diz que a saída da Yoki deve deixar um rombo de cerca de R$ 1,5 mi em repasses do ICMS a partir de 2022. “De onde vamos tirar esse milhão e meio para atender os contratos, para pagar a folha salarial, para prestar os serviços previstos para 2022?”, pergunta ele.
Para o secretário, as alíquotas de ICMS do Rio Grande do Sul explicam o encerramento de atividades na fábrica: “O Estado já perdeu grandes empresas, inclusive automobilísticas, por ter altos impostos. Minas Gerais hoje é muito mais competitivo tributariamente”.
A Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul foi consultada pelo Joio sobre as alíquotas de ICMS no Estado, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta reportagem.
Bolzan reclama que a Yoki tenha tomado sua decisão sem que houvesse negociação com o município e diz que o prefeito Alcione Grazziotin (MDB) procura empresários que possam assumir as instalações. “Empresas desse porte são feitas para gerar lucro. Até o momento em que estão gerando lucro em determinado lugar, lá ficarão. A partir daí viram as costas e vão embora”, argumenta.
Em resposta ao Joio, a empresa afirmou que “avaliou diversos pontos para a tomada de decisão [de sair de Nova Prata]” e que está “ciente da importância da fábrica na economia local”.
Presidente do sindicato local de trabalhadores na indústria da alimentação e secretário da Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac-CUT), José Modelski acompanhou o caso e participou das negociações trabalhistas que seguiram ao anúncio da saída da empresa.
O sindicalista concorda que a carga tributária no Rio Grande do Sul é comparativamente alta, mas não acredita que esse fator explique sozinho a saída da empresa. “Não acho que a questão do ICMS pese tanto”, diz ele. “Na verdade é a reestruturação que as empresas grandes fazem. Vão para uma fábrica com equipamento mais moderno, menos mão de obra e conseguem fazer com 100 trabalhadores o que antes se fazia com 300”.
Nas negociações o sindicato conseguiu garantir um plano de Programa de Demissão Voluntária (PDV) que prevê o pagamento de três salários de indenização, manutenção do vale-alimentação e do plano médico familiar por seis meses após a demissão (1 ano em caso de doenças graves) e ainda outra indenização, que varia de acordo com o tempo do trabalhador na empresa – para cada ano trabalhado, um salário de indenização a mais, com teto de quatro salários.
Modelski vê poucas chances de que outra empresa assuma integralmente as instalações da Yoki: “As indústrias constroem suas áreas com planejamento para o que vão fazer. Não é fácil encaixar uma planta em outra já existente”, diz.
William Cattanio trabalha nos silos de armazenamento que integram a planta da Yoki. Ele recebe caminhões com a matéria-prima que será processada na fábrica, confere as caçambas, ajuda a descarregar os veículos e retira amostras do produto que será armazenado.
“Todo mundo ficou abalado, sem chão”, conta ele, lembrando o momento do anúncio do fechamento da fábrica. “Simplesmente chegaram para nós numa sexta-feira e disseram que a fábrica iria fechar. Você chega às 7h da manhã para trabalhar e ouve uma coisa dessas.”
Cattanio explica que a perspectiva de fechamento em maio cria uma corrida para abocanhar a oferta de empregos na cidade: “É bastante gente querendo sair para arrumar outro serviço. Uns já estão conseguindo”. Modelski confirma: “Alguns querem sair imediatamente para aproveitar qualquer oportunidade que surja”.
Um funcionário do setor de logística, que não quis se identificar, ainda não sabe se vai aderir ao PDV ou esperar uma demissão formal. Segundo ele, o clima na fábrica é de desânimo. “Do jeito que está hoje o país, e aqui por ser uma cidade pequena, conseguir trabalho vai ser difícil, ainda mais para as pessoas de idade”, comenta o trabalhador.
“As pessoas vão tentar se readequar ao mercado local”, diz o secretário de finanças do município, Anderson Bolzan. “Talvez surjam empreendedores, que vão ter que dar um jeito de pagar suas contas por conta própria, mas o impacto social é enorme. São 300 famílias que perdem uma receita mensal.”
Os trabalhadores da Yoki compõem 3,4% da força de trabalho de Nova Prata, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Com média salarial de R$ 1.500, integram a faixa de 23% dos trabalhadores da cidade que ganham entre 1,5 e 2 salários mínimos mensais.
Sojadependência
“O fornecedor não vai sentir a ausência da Yoki no mercado daqui, porque tem alternativas”, argumenta um produtor local que preferiu não se identificar. Ele acredita que com a saída da empresa a maior parte dos fornecedores da Yoki deve migrar para o plantio de soja ou de milho convencional. O problema seria, na sua visão, a ausência de alternativas para o escoamento de outras culturas, gerando uma “sojadependência” na região.
“A hora que a soja não for mais atrativa, o que a gente vai fazer?”, pergunta. “Com a saída da Yoki, é mais uma agroindústria da região que se encerra, e menos uma alternativa para nossa monocultura de soja”.
“A gente olha pro horizonte e vê esse mundo de soja plantada. Os outros sistemas produtivos estão sendo destruídos em função de uma cultura só”, diz o agricultor. “A hora que a soja não for mais atrativa, o que faremos com todas essas áreas cultivadas?”
Nas cidades gaúchas de Carazinho, Lagoa Vermelha e Colorado – principais municípios fornecedores da Yoki – a soja ocupou 85%, 79% e 65% da área agricultável colhida em 2019, respectivamente.
De 1974 a 2019 a quantidade de toneladas de soja produzidas nesses três municípios cresceu em média 10% ao ano. No Rio Grande do Sul como um todo a produção cresceu a uma média de 12% anuais. Os dados são da Produção Agrícola Municipal (PAM), do IBGE.
“Antes era bom negócio, agora só querem explorar”, diz antigo fornecedor
Um ex-fornecedor da Yoki que também não quis se identificar diz que parou de entregar milho de pipoca na empresa em 2014, dois anos depois que ela foi comprada pela General Mills. “Com a Yoki [antes da aquisição], era bom negócio, mas agora pagam muito pouco, só querem explorar.”
Consultado pela reportagem, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Prata, Irceu Borsatto, confirmou que a Yoki já não dispõe de fornecedores no município-sede da empresa, em função dos baixos preços de aquisição praticados.
“O pagamento da empresa não chega a cobrir os custos de produção”, diz ele. “Agora os produtores de Nova Prata trabalham com milho, soja ou sistemas integrados”.
Até 2012, a Yoki pagava pela saca de milho de pipoca até 2,3 vezes o preço de mercado divulgado pela Emater (Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural). Era uma tática para consolidar produtores na região e garantir a oferta de produtos que seriam processados na fábrica. Com a mudança na direção da empresa, essa política foi revertida.
“A partir do momento em que tinha um número de produtores fiéis, que sabiam produzir a pipoca, a empresa passou a diminuir o valor pago pela matéria prima”, aponta o produtor mencionado inicialmente pela reportagem.
Ele acredita que a alta nos preços da soja e as mudanças na política de pagamento da empresa geraram escassez de matéria prima e influenciaram a decisão da companhia de deixar a cidade.
“Em função da soja muitos produtores ficaram tentados a deixar de fornecer para a Yoki, então a empresa passou a receber menos matéria prima e deixou de ter viabilidade econômica.”