Comidas brasileiras para adoçar a vida sem precisar de leite moça e truques mirabolantes
Esse livro de receitas é uma resposta. Um manifesto. Uma construção coletiva. Uma esperança de que a cozinha, nossa alimentação, o mundo podem ser diferentes. Melhores, talvez.
Tudo começa com um episódio de podcast. Ou melhor, tudo começa quando a Nestlé se dedica a alterar receitas tradicionais brasileiras para garantir que seus produtos se tornem onipresentes. Nos anos 1940. Mas especialmente nos anos 60 e 70, surfando na onda dos movimentos que cobravam igualdade de gênero. A corporação suíça logo se apresentou como mediadora e amiga, um amparo diante das aflições que atingiam mulheres que tinham de lidar com a sobrecarga de trabalho externo e tarefas domésticas.
Foi assim que o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de leite condensado — ou melhor, de Leite Moça, que é mais do que uma lata: inscreve-se como uma espécie de extensão da identidade nacional.
Nosso podcast, Prato Cheio, passou a limpo essa história de como a Nestlé reescreveu a doçaria brasileira. As fórmulas infantis prontas para consumo haviam chegado, e o Leite Moça, até então indicado para bebês, precisava de um novo destino. A corporação lançou então uma ofensiva, com livros de receitas, oficinas, propagandas no rádio e na televisão. O resultado é o que você vê hoje em dia nas cozinhas brasileiras.
Como resposta, convidamos pessoas de todo o Brasil a compartilharem receitas sem leite condensado, creme de leite e caldo de carne. Sem Nestlé. Sem a onipresença de corporações que se fazem confundir com a nossa personalidade enquanto sociedade e indivíduos.
Reunimos algumas das receitas aqui nestas páginas. Esperamos que esse livro seja diversão. Sabores. Descobertas. Que você o compartilhe com seus amigos. Que imprima e lambuze as páginas com gorduras. Ou que suje a tela do celular enquanto se delicia com o perfume da cozinha numa tarde de sábado.
Esse livro não é um ponto de chegada: é um ponto de partida para que sigamos compartilhando receitas, fazeres, saberes que não foram apropriados. Para que possamos refletir sobre o papel da publicidade nos nossos hábitos mais arraigados, cotidianos, singelos. E nos mais complexos, refletidos, raros.
Para que possamos recuperar um horizonte no qual vivemos pelo prazer, e não pelo lucro. Pela cidadania, e não pelo consumo. Pelo respeito ao outro, e não pelo individualismo absoluto. Pela desprivatização de nossas práticas.
Divirta-se.