Em audiência da Comissão de Direitos Humanos do Senado, ex-funcionários da gigante do fast food contaram histórias de abusos vividos enquanto trabalhavam na rede
A ex-trabalhadora do McDonald’s Adriana Ribeiro, de 22 anos, se emocionou ao contar sua história hoje, no Congresso Nacional. “Ele dizia que eu era muito gostosa, me mandava não passar batom porque ficaria de pênis ereto”, disse, em referência ao gerente da loja do “Méqui” em que trabalhou, em Curitiba (PR), entre 2019 e 2021.
A declaração foi dada nesta segunda-feira (8), durante uma audiência pública realizada no Senado sobre os impactos da reforma trabalhista no cotidiano dos trabalhadores de fast food. “Cheguei a conversar com o consultor [cargo superior ao do gerente, que supervisiona várias unidades]”, diz ela. “Mandei e-mail, contei tudo que tinha acontecido comigo dentro da loja, nada resolveu.”
Também presente na audiência articulada pela Campanha “Sem Direitos Não É Legal!” e convocada pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Humberto Costa (PT-PE), a trabalhadora Jéssica Thayná (20) relatou que recebia fotos íntimas não solicitadas do gerente e era assediada nas dependências do restaurante: “Ele me mandava fotos do pênis dele e dava em cima de mim dentro da loja.”
Na carteira, as jornadas de Jéssica e Adriana eram de 6 horas diárias, mas ambas relataram ao Joio que eram obrigadas a cumprir 12 horas, o que é proibido por lei.
Mesmo com a jornada excedendo o limite legal, as trabalhadoras dizem que recebiam sempre menos do que um salário mínimo. Adriana relata ter recebido a quantia máxima de R$ 900 durante os 20 meses em que trabalhou no McDonald’s. Em uma ocasião, o salário depositado pela empresa foi de R$ 200, segundo ela. Outros funcionários haviam afirmado receber remuneração semelhante, como mostrou reportagem publicada pelo Joio em abril.
Já Jean Henrique Simão (23), que trabalhou durante dois anos e dez meses em um McDonald’s de Votuporanga, no interior paulista, relatou na audiência que a gerência do restaurante servia comida vencida para os funcionários: “Alface, cebola, pão”, diz. “Ao invés de jogarem fora, davam de refeição dos funcionários.”
Ele também relatou que o gerente da unidade em que trabalhava começou a espalhar para outros funcionários que era usuário de drogas: “Aquilo me incomodou demais.”
Hítalo Araujo, outro funcionário do McDonald’s, dessa vez de Brasília, contou que teve um “surto” por excesso de trabalho em meio ao expediente e se escondeu chorando no estoque, chamando atenção dos outros funcionários da loja: “Quando o gerente chegou ele disse, ‘ô, não dá pra você voltar pro trabalho, não?’”.
A brasiliense Hildayane Saraiva, que trabalhou em unidades do McDonald’s no Eixo Monumental e no aeroporto da capital, contou aos presentes que tinha o sonho de se tornar “anfitriã” – espécie de recepcionista – da loja em que trabalhava. Em nome do sonho, diz a ex-funcionária, ficava na loja depois de bater ponto, fazendo horas extras não remuneradas. Mas um dia, conta ela, o gerente jogou um balde de água fria nas suas pretensões: “Você é gorda demais para ser anfitriã.”
Hildayane então foi colocada para trocar as lixeiras e limpar o chão do salão, o que gerou consequências de saúde: “Eu desenvolvi protusão discal na lombar”, relatou na audiência. E os problemas de saúde não pararam por aí, segundo ela: “Também tive pedras no rim, porque não importa se você levava garrafinha, eles não te deixavam beber água durante o trabalho.”
A advogada Mary Joyce Carlson, que representa o sindicato americano SEIU – financiador da campanha “Sem Direitos Não É Legal!” – criticou o McDonald’s por não lidar adequadamente com as denúncias globais de assédio sexual sistêmico que atingem a rede: “Temos casos de toques sem consentimento, comunicação agressiva e até estupros”, comentou Carlson. “As denúncias foram ignoradas pelo Mcdonald’s e os trabalhadores, ridicularizados.”
Carlson lembrou que a empresa tem 40 mil lojas no mundo todo e quase dois milhões de funcionários: “Não me diga que uma empresa desse tamanho não tem condições de criar um ambiente de trabalho saudável.”
O presidente da Arcos Dourados no Brasil, Rogério Barreira, foi convocado à audiência, mas não compareceu. Em compensação, a vice-presidente de relações governamentais da companhia, Marlene Fernandez, encaminhou uma carta ao senador Paulo Paim ressaltando que a empresa “tem elevado grau de responsabilidade social e forte compromisso com o bem-estar dos trabalhadores”, além de um “rígido código de conduta”.
Na missiva, a executiva também afirmou que a Arcos Dourados realiza treinamentos constantes com os colaboradores e que tem um canal de reclamações onde cada denúncia é investigada rigorosamente. Para justificar a ausência, Fernandez sugeriu que o melhor seria convocar a entidade de representação do setor, o Instituto Foodservice Brasil.
O senador Paulo Paim informou que encaminhará as denúncias dos ex-funcionários ao Ministério Público do Trabalho para que sejam apuradas.
* As passagens e a estadia do Joio em Brasília foram custeados pela campanha “Sem Direitos Não É Legal!”, que denuncia casos de assédio moral, sexual e discriminação contra funcionários do McDonald’s.