Foto: Ricardo Stuckert/PR

A fome está recuando no Brasil, mas e o que vem depois?

Passados 20 meses de governo Lula, as políticas de segurança alimentar e nutricional ainda precisam ganhar peso, apesar de pesquisas apontarem o recuo da fome; junto a elas, faltam ser cumpridas as promessas de apoio à reforma agrária e de mudança no modelo de produção

Em seu primeiro ato oficial de campanha, em agosto de 2022, o então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o problema da fome era resultado da ausência de políticas públicas. “O Brasil é o primeiro produtor de proteína animal do mundo. Portanto, não justifica uma mulher ficar na fila do açougue para pegar um osso ou uma carcaça de frango. Não justifica uma criança ir dormir sem ter um copo de leite ou acordar e não ter um pão com manteiga para comer. Eu vou voltar para que a gente recupere esse país, recupere o emprego e faça as pessoas serem respeitadas”, disse Lula.

“Não é por falta de dinheiro, é por falta de vergonha das pessoas que governam”, completou o hoje presidente. Estava pactuado, então, como em sua primeira corrida à presidência da República, em 2002, o combate à fome como carro-chefe da campanha, aliado ao acesso a emprego e renda.

Segundo o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024), a fome diminuiu no Brasil no triênio 2021-2023, já considerando o primeiro ano de governo. O país saiu de um patamar de 32,8% da população em insegurança alimentar moderada ou grave entre 2020 e 2022 para 18,4% em 2023. Isso representa uma redução quase pela metade, tirando 30,6 milhões de brasileiros do quadro de fome.

Pesquisadores e representantes da sociedade civil ouvidos pelo Joio apontam o acesso à renda, a recuperação do salário mínimo e a diminuição da taxa de desemprego como fatores-chave para a redução dos índices de fome no Brasil. A exemplo do que havia se dado durante os dois primeiros mandatos de Lula, o governo fixou uma regra de valorização do salário mínimo pela qual o reajuste se dá com a soma da inflação e do crescimento do PIB. Para 2025, o governo prevê um aumento de R$ 97, acima da inflação, chegando a R$ 1.509. 

Esses fatores, todos, também haviam sido centrais nos oito primeiros anos de Lula na Presidência, e tiveram sequência durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff. 

A recomposição do programa Bolsa Família e as reaberturas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), dissolvidos no governo Bolsonaro, são outros exemplos de ações do Executivo para tirar o país do Mapa da Fome da ONU. Mas falta imprimir vontade política na cooperação entre setores públicos, ministérios, estados e municípios, e dedicar fatias mais expressivas do orçamento federal para tirar as propostas do papel.Uma das alternativas em andamento para engajar prefeituras é vincular o repasse de alguns programas federais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), à inscrição no Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Apenas 20% dos municípios já aderiram ao sistema, que pode ser uma importante ferramenta para o diagnóstico da fome no país.

O que é o SISAN?

• O Sistema Nacional de Segurança Alimentar Nutricional (SISAN) foi criado em 2006 e regulamenta políticas, programas e ações de combate à fome e de garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada.

• Estados e municípios devem aderir voluntariamente ao SISAN para acessar programas e recursos do governo federal, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Cozinhas Solidárias.

• Todos os estados brasileiros já aderiram ao SISAN, mas apenas 20% dos municípios estão inscritos no sistema. A adesão municipal deve ser feita por meio da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) estadual.

• O governo federal desenvolveu a plataforma online AdeSAN para facilitar o processo de adesão dos municípios ao SISAN. É possível encaminhar as documentações necessárias e fazer análises e pareceres técnicos na plataforma. A expectativa é trazer mais rapidez aos processos encabeçados pelas Caisans e Conseas estaduais.

É importante ressaltar que a realidade do país era diferente no primeiro governo Lula. O retrato da fome, inclusive, era outro, com uma expressiva concentração no campo. De acordo com a Pnad Contínua 2023, a proporção de domicílios em insegurança alimentar em áreas rurais foi de 12,7%, contra 8,9% nas áreas urbanas. Em 2004, 27,6% dos domicílios rurais apresentavam insegurança alimentar moderada ou grave, frente a 17,9% daqueles em áreas urbanas. 

De 2004 a 2023, houve uma redução de 14,9% na fome no campo, contra 9% nas cidades. Uma interpretação possível é de que a fome está se urbanizando, escancarada em pessoas em situação de rua, o que reitera sua relação com outros problemas sociais, como moradia, acesso à renda, emprego e educação. 

Para ilustração dessas diferenças, em 2003, era possível comprar uma cesta básica com uma nota de R$ 50, a mais alta disponível na época – motivo pelo qual esse foi o valor escolhido pelo governo para o Bolsa Família. Diante de um salário mínimo de R$ 240, a cesta básica representava 20% do rendimento do trabalhador. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o custo da cesta básica em São Paulo chegou a R$ 786 em agosto deste ano, a mais cara do país, equivalente a 55% do valor do salário mínimo. 

Passadas duas décadas, em que inflação, crise econômica, desmonte de programas sociais e uma invasão de ultraprocessados transformaram a alimentação brasileira, é preciso repensar os mecanismos para criar políticas alimentares perenes. “Temos três desafios em curso. O primeiro é a elaboração de uma política nacional de abastecimento alimentar, uma antiga demanda do Consea e que finalmente começa a sair do papel. Mas é demorada porque envolve uma construção intersetorial, o que é sempre difícil”, avalia Renato Maluf, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), membro da Rede Penssan e ex-presidente do Consea. 

“O segundo desafio, que está começando a ser enfrentado, é a elaboração do terceiro Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, interrompida com a eleição do governo anterior, em 2018. E o terceiro é incorporar a alimentação nas discussões climáticas, uma questão fundamental.”  

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Fome, um problema sistêmico

Em 2003, quando Lula assumiu seu primeiro mandato, não havia um programa de combate à fome no país e o cadastro para mapear famílias em insegurança alimentar era ineficiente. “Um programa sistemático, mesmo, só passou a ter no governo Lula. Os anteriores eram basicamente de distribuição de alimentos, a cesta básica. Mas eram obsoletos já para a época, porque o custo de transportar e distribuir alimentos era bastante alto”, explica José Graziano da Silva, ex-ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, no primeiro governo Lula, e um dos fundadores do Instituto Fome Zero (IFZ).

Graziano coordenou o desenvolvimento do programa Fome Zero, um dos pontos centrais da campanha de 2002, e foi chamado ao cargo de ministro para implementá-lo. “Eu costumava dizer que cesta básica só fazia bem para quem ganhava. Para todo o resto, em termos de impacto na economia local, era altamente prejudicial.”

O Fome Zero estabeleceu-se como um programa bem-sucedido de transferência de renda que retirou o Brasil do Mapa da Fome. A partir desses aprendizados, no mandato atual, o governo Lula lançou o programa Brasil Sem Fome. São três eixos temáticos: acesso à renda, redução da pobreza e promoção da cidadania; alimentação adequada e saudável, da produção ao consumo; e mobilização para o combate à fome.

No primeiro, entram políticas de acesso à renda e ao emprego, além do Programa Nacional de Alimentação no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) – ainda em fase de propostas. O segundo compreende programas como PAA e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Plano Safra da Agricultura Familiar e a Política Nacional de Abastecimento. Já no terceiro, está a integração dos estados e municípios no combate à fome, especialmente por meio da adesão ao Sisan. 

José Graziano avalia que o governo está sendo capaz de trazer inovações, mas que ainda é preciso criar uma “porta de entrada” nos serviços públicos para quem tem fome. A Triagem de Risco de Insegurança Alimentar (Tria), que faz parte do Brasil sem Fome e está sendo implementada pelo governo por meio do SUS, é uma das ações propostas. 

Cátia Grisa, pesquisadora na área de desenvolvimento rural e estruturas produtivas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reforça que sanar a deficiência de equipamentos públicos dedicados a apoiar a população em situação de insegurança alimentar é fundamental. Isso poderia ser feito com base no que já acontece com a saúde, que tem as Unidades Básicas, e com o SUAS, que opera na prevenção de riscos sociais e pessoais e no combate à violação de direitos.

“Falta esse tipo de equipamento para a área de segurança alimentar. Se uma pessoa quer reivindicar o direito à alimentação, desde o acesso até melhorar a qualidade de sua alimentação, ou discutir ações de educação alimentar, em que porta ela bate no município? Não existe essa estrutura”, avalia Cátia. 

Além da assistência emergencial, ter espaços públicos dedicados à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é também uma forma de educar a população sobre seus direitos. De modo geral, as pessoas sabem que o direito à saúde é universal, tanto que a população recorre às UBS quando precisa de atendimento. No entanto, há pouco foco no Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) enquanto uma garantia constitucional no Brasil, estampada na falta das “portas” nas quais bater para exigir esse direito.

“A alimentação é uma responsabilidade dos três entes federativos mas, ao mesmo tempo, pode não ser responsabilidade de ninguém. Recai muito sobre o governo federal porque se tem expectativas de que ele responda a isso. E os municípios, principalmente os pequenos, têm muita fragilidade financeira, de recursos humanos, de tudo”, continua a pesquisadora. “Temos que propor processos não só voluntários, mas incitativos ou, até mesmo, obrigatórios. O MDS vem pensando uma pactuação financeira entre os entes federativos, como a gente tem no SUAS e no SUS e ainda não tem no Sisan.”        

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) tem a intenção de construir bases de dados junto aos municípios para identificar as pessoas em insegurança alimentar e auxiliar as prefeituras no combate à fome em seu território. Na avaliação de Cátia Grisa, o equipamento de entrada poderia ser implementado junto aos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) – uma discussão que já estaria sendo feita pelo MDS e pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan).

Graziano, ex-ministro de Lula, considera que um dos desafios é criar uma porta de entrada no serviço público para quem tem fome. Foto: Ricardo Stuckert/Arquivo Presidência da República

“O Programa Nacional de Alimentação no SUAS já foi desenhado, mas ainda não conseguimos implementar”, afirma Valéria Burity, secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do MDS. “A dificuldade é que, quando o governo assumiu, tinha uma questão orçamentária que tivemos que recompor. Estamos aprimorando a proposta dele, que é muito encabeçado pela Secretaria de Assistência Social, mas faz parte do Programa Brasil Sem Fome.” 

A estratégia Alimenta Cidades, lançada em maio, pretende atacar o problema da urbanização da fome, agravado pelo aumento da população em situação de rua e impresso nos desertos e pântanos alimentares nas periferias. Desertos alimentares são locais em que o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados é escasso ou inexistente. Já nos pântanos, predomina a venda de ultraprocessados, como no caso de lanchonetes e lojas de conveniência. Ambos os cenários obrigam os moradores a se locomover para outras regiões em busca de alimentos saudáveis.

A implementação da Alimenta Cidades será feita em parceria com o Instituto Comida do Amanhã, que mantém o Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares (LUPPA), em 60 cidades prioritárias. Estão incluídas as capitais brasileiras, todos os municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste com 300 mil habitantes ou mais e municípios das regiões Sul e Sudeste com população acima de 300 mil habitantes e que estejam entre as cidades com a maior quantidade de população em situação de rua. Há ainda outros recortes que precisam ser considerados no combate à fome nas cidades, como gênero e raça. Segundo o I Inquérito sobre a Situação Alimentar no Município de São Paulo, os domicílios chefiados por mulheres passam 1,8 vezes mais fome do que aqueles em que o homem é a pessoa de referência. Entre os domicílios em que os moradores enfrentam a fome diariamente, 66,3% tinham como referência uma pessoa negra (preta e parda) e 32,3% uma pessoa branca. A situação é ainda mais complicada quando os indicadores se cruzam: domicílios chefiados por mulheres negras passam 2,1 vezes mais fome do que os chefiados por homens brancos.

Quais são os níveis de insegurança alimentar?*

Insegurança alimentar grave: quando há uma quebra no acesso à comida e um comprometimento na quantidade e qualidade dos alimentos ingeridos pelas pessoas, inclusive crianças. 

Insegurança alimentar moderada: é caracterizada por uma mudança nos tipos de alimentos consumidos, passando dos in natura ou processados para os ultraprocessados, por exemplo, além da restrição na quantidade de alimentos entre os adultos. 

• Insegurança alimentar leve:
ocorre um comprometimento da qualidade da alimentação para que seja mantida a quantidade de alimentos considerada como adequada.

Vale lembrar: tomar apenas a insegurança alimentar grave como sinônimo de fome é um erro, porque na insegurança alimentar moderada há a supressão de uma das três refeições básicas do dia e a substituição de alimentos, como proteína animal, por ultraprocessados, como a salsicha, causando empobrecimento nutricional da dieta e possível desnutrição.

*Definições baseadas nos conceitos da Escala Brasileira de Medida Domiciliar de Insegurança Alimentar (Ebia). O Sistema Nacional de Segurança Alimentar Nutricional (SISAN) foi criado em 2006 e regulamenta políticas, programas e ações de combate à fome e de garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada.


Agricultura familiar à espera de políticas

Se voltarmos o olhar para movimentos populares como os de trabalhadores rurais e da agricultura familiar, encontraremos mais demandas ligadas ao combate à fome e à produção de alimentos que não foram endereçadas pelo governo. Como esses movimentos tiveram participação ativa para que Lula subisse mais uma vez a rampa do Palácio do Planalto e sofreram consequências severas do desmonte institucional do governo anterior, há uma expectativa ainda maior pelos ventos da mudança.

“O orçamento pequeno para o PAA não deu conta de atender as demandas no primeiro ano do governo. Isso deixa os agricultores e as agricultoras inseguros em relação à produção. O grande ponto do PAA é que os agricultores se sentem estimulados à produção, já que têm um mercado, de certa forma, garantido”, diz Cidinha Moura, representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) no Consea. Em 2023, o orçamento federal destinou cerca de R$ 900 milhões para o PAA.

Segundo ela, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) também não chegou como o prometido. “O Pronaf não veio como um programa agroecológico, inclusive com juros menores para a produção de alimentos saudáveis. Aliás, a gente até dizia que não deveria nem ter taxa, para estimular a produção”, comenta. Dados do governo federal apontam que o Plano Safra concedeu R$ 36,4 bilhões em crédito para agricultores familiares entre janeiro e agosto, por meio do Pronaf. No mesmo período, R$ 184,08 bilhões foram concedidos ao agronegócio.

Há eixos temáticos no Plano Nacional de Abastecimento que devem trazer a agricultura familiar e agroecológica para o centro do debate, e as expectativas são altas para o que será proposto pelo governo. O lançamento do plano está previsto para 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentação.

Para a secretária de abastecimento do MDA, Ana Terra Reis, a mudança de chave para avançar com o plano, uma demanda que surgiu em 2005, foi trazer a pauta do abastecimento para o ministério quando a pasta foi recomposta. Antes, era uma atribuição do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). 

“Estão previstos 40 programas e ações no Plano, que vão desde uma estratégia que temos chamado de ‘Abastece e Alimenta Territórios’, para identificar os potenciais da agricultura familiar e fazer um encurtamento dos circuitos de comercialização, até a criação de um observatório para regular os preços da cesta básica”, explica Ana Terra Reis.  

De outro lado, as negociações para a criação do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e a instituição do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) ainda patinam. “A gente sabe da dificuldade com o Congresso e de que ainda há um estímulo ao agronegócio. O mais recente é o não lançamento do Planapo por conta do Ministério da Agricultura não concordar que tenha um programa de redução de agrotóxicos. Já é a quarta vez que ele é abortado”, diz a representante da ANA. “Mesmo sabendo que tem pouco recurso, o fato de ter o plano já possibilita que a gente lute para que ele seja executado, pensando em ações de produção, comercialização, beneficiamento e programas de formação.”

As Comissões da Produção Orgânica (CPOrgs) estaduais relatam ter tentado avançar na relação com o Mapa e que chegaram a conseguir uma reunião inicial com a pasta para discutir o fortalecimento da produção orgânica. Pouco depois, o Mapa teria nomeado pessoas sem ligação com a pauta de orgânicos para posições estratégicas. Em carta protocolada em setembro junto ao governo federal, as CPOrgs reclamaram que “a falta de clareza no processo de tomada de decisões demonstra uma má gestão que prejudica diretamente os produtores orgânicos e as iniciativas de fortalecimento desse segmento”.

O descompasso de interesses dos setores públicos afeta também as discussões da reforma agrária, que se arrastam há décadas. “Temos continuado a fazer pressão para que o governo retome efetivamente as políticas da agricultura familiar, que é quem produz alimentos nesse país. A realização da reforma agrária foi uma demanda apresentada durante a transição e tem caminhado a passos bastante curtos”, afirma Débora Nunes, da coordenação nacional do MST e integrante do setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente do movimento. Segundo dados divulgados pelo governo, 60 mil famílias foram incluídas no Programa Nacional de Reforma Agrária desde janeiro de 2023 e 44 novos assentamentos foram criados.

Em 2023, o MST tinha cerca de 65 mil famílias acampadas, sendo que a maior parte já vive nos acampamentos há dez anos ou mais. “Demandar a terra é sobre ter a terra para produzir alimentos. Uma ação que contribui também no enfrentamento à fome. Ainda tem muita coisa que precisa avançar e que passa pela destinação e priorização do orçamento para esse setor”, completa Débora. O problema cresce porque a destinação orçamentária depende também da boa vontade do Congresso, uma conta difícil de fechar, já que a bancada ruralista tem maioria dos votos.

Combate às intempéries políticas

Há um consenso de que é crucial criar políticas públicas bem amarradas, e não apenas ações de governo que possam cair por terra na passagem de bastão após uma derrota nas urnas. “A intersetorialidade sempre vai ser um desafio, porque temos uma dimensão política e uma dimensão técnica. Estamos falando de um governo de coalizão, que envolve diferentes partidos, forças políticas e grupos sociais expressos nos ministérios e nas secretarias. E o desafio técnico é construir instrumentos que permitam essa operacionalização em conjunto, como cruzar bases de dados entre ministérios”, afirma Cátia Grisa.  

O país caminhou de volta para o contexto de fome a partir de 2017, em uma conjuntura de crise econômica e de falta de vontade política de fortalecer programas como o PAA. “É uma decisão política escolher colocar zero em uma linha do orçamento, como foi o corte no PAA. Esse desmonte em um contexto de crise foi fatal, depois agravado pela pandemia”, diz José Graziano da Silva.

“O caminho para frente é mais difícil, porque não se trata apenas de seguir a estrada batida, o caminho já trilhado. É preciso olhar para essas coisas novas, como a obesidade infantil, para dizer o mínimo”, ressalta Graziano. 

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