Foto: Ricardo Stuckert/PR

Governo lança o primeiro plano de abastecimento alimentar do país 

Lançamento no Dia Mundial da Alimentação agregou também a nova edição do Plano Nacional de Agroecologia, em um aceno de Lula à produção familiar e sem agrotóxicos 

Antigas demandas da sociedade civil e de setores do governo, o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Alimento no Prato) e a terceira edição do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) foram lançados nesta quarta-feira (16). O lançamento vem atrelado à celebração do Dia Mundial da Alimentação, num aceno do governo federal de que políticas de combate à fome e de fortalecimento da soberania alimentar seguem como prioridades do Executivo.

“A nossa ideia é tirar todas as pessoas da situação de fome. A gente é capaz de produzir muito mais alimento do que a gente consome, mas muito se perde. Podemos dizer que existe seca ou excesso de chuva. Mas a única coisa que justifica a fome é a irresponsabilidade de quem governa”, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em uma alusão ao desmonte de programas durante a presidência de Jair Bolsonaro, Lula disse que, para que uma política pública dê certo, é preciso que haja uma “combinação perfeita” entre o governo, os movimentos da sociedade civil (como os que auxiliaram na elaboração de ambos os planos lançados) e as pessoas que serão beneficiadas. “Historicamente, a gente semeia, aduba, joga água e, quando a gente sai, chega alguém que destrói tudo com a maior desfaçatez.”

O presidente Lula aproveitou, ainda, para sinalizar o compromisso dos ministérios com a implementação dos planos. “Vocês precisam fazer isso funcionar e eu estarei no pé de vocês. Agora, é a nossa obrigação fazer as coisas darem certo”, disse.

“São 29 iniciativas e 92 ações estratégicas para criar um sistema de abastecimento estruturado, que garanta o direito à alimentação e a soberania alimentar desde a produção até chegar no prato. Por isso, entre as iniciativas também está a produção de alimentos saudáveis, observando principalmente os alimentos da cesta básica”, destacou Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

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Acesso a alimentos saudáveis 

Em dezembro de 2023, o presidente Lula assinou um decreto que instituiu a Política Nacional de Abastecimento Alimentar (PNAAB) e determinou a elaboração do primeiro Plano Nacional de Abastecimento Alimentar do país. Entre idas e vindas nas rodadas de discussão, o plano compreende 29 iniciativas de fortalecimento de programas existentes e ações novas.

Dividido em seis eixos, o Plano Alimento no Prato foi desenhado pelo MDA e o MDS, junto ao Consea, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e a outros órgãos e organizações da sociedade civil ligadas à temática.

O plano partiu de conceitos-base, como o direito humano à alimentação adequada, e agendas internacionais, como os  objetivos do desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, para desenhar as propostas de políticas públicas. As diretrizes buscaram aproveitar iniciativas já estabelecidas e consolidadas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

“Compreende-se que o abastecimento alimentar conecta a produção e disponibilidade de alimentos com o acesso e permite influenciar diretamente na dieta da população e nos sistemas alimentares, sendo fundamental a promoção de hábitos alimentares saudáveis, práticas sustentáveis e a sustentação da produção local e regional”, diz o plano.

O diagnóstico divulgado pelos ministérios aponta para a necessidade de mudar a dinâmica da produção de alimentos, que, desde 1988, gira em torno de cinco cultivos (soja, milho, cana-de-açúcar, arroz e feijão). Juntos, eles ocupam ao menos 70% do total de áreas cultivadas do Brasil. No entanto, arroz e feijão têm uma fração pequena dessas terras, ocupando 1,4 e 2,4 milhões de hectares, respectivamente, de acordo com dados de 2023 do IBGE. As plantações de milho se espalham por 22,3 milhões de hectares do país, enquanto a soja representa 44,4 milhões de hectares cultivados.  

Estão previstas ações para diversificar a oferta de alimentos da sociobiodiversidade para combater a monotonia alimentar, associando esses alimentos a equipamentos como restaurantes populares e cozinhas solidárias. O plano não detalhou como seria essa diversificação, inclusive pensando em contextos locais e regionais.

No eixo “Distribuição e Comercialização de Alimentos Saudáveis”, composto de programas e ações novos, chama a atenção a proposta de criação da Rede Varejo Saudável, que pretende requalificar estabelecimentos como mercearias, quitandas, açougues e peixarias para ofertarem alimentos saudáveis em áreas de desertos e pântanos alimentares. Esses varejistas serão credenciados pela Conab e abastecidos por agricultores familiares do entorno ou pelas Centrais de Abastecimento (Ceasas). 

Desertos alimentares são locais em que o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados é escasso ou inexistente. Já nos pântanos, predomina a venda de ultraprocessados, como no caso de lanchonetes e lojas de conveniência. Ambos os cenários obrigam os moradores a se locomover para outras regiões em busca de alimentos saudáveis.

Também está prevista a instituição de centros de abastecimento e comercialização da agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais e economia solidária. As primeiras centrais populares de abastecimento devem ser inauguradas ainda este ano.

De acordo com o plano, outra inovação são as Cantinas Comunitárias, que viriam para substituir as bodegas, hoje operadas por intermediários em áreas remotas. As cantinas serão administradas por associações e cooperativas para assegurar a venda de mantimentos a preços justos. 

Além disso, um observatório de preços deve ser criado para monitorar mensalmente o comportamento e as projeções do custo dos alimentos da cesta básica em todo o país. “A ideia é que a gente possa, todos os meses, fazer o acompanhamento do preço dos principais alimentos da cesta básica. São 30 itens, diferente do levantamento que é feito atualmente. A expectativa é que isso nos ajude a organizar e projetar as próximas safras”, explicou Ana Terra Reis, secretária de abastecimento do MDA, em entrevista ao Joio.

Entre as ações do eixo “Acesso à Alimentação Saudável”, o destaque fica com o Programa Abastece e Alimenta Territórios, que visa reduzir as distâncias entre produtores de alimentos e consumidores. 

“Ele vem no sentido de identificar os potenciais da agricultura familiar, para fazer o encurtamento dos circuitos de comercialização. Vamos identificar como podemos construir centrais de abastecimento popular, armazéns, lojas ou pequenos varejos que vinculem a estratégia produtiva de cooperativas com a distribuição e a comercialização de alimentos a preço justo”, completou Ana Terra Reis.


Agricultura familiar aliada ao abastecimento

Uma das principais estratégias do lançamento em conjunto do Plano Alimento no Prato e do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) é integrar ações de produção e distribuição de alimentos da agricultura familiar. As políticas de crédito rural aparecem nesta terceira edição do Planapo atreladas ao financiamento pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). 

A importância de trazer essa demanda para o plano fica evidente ao olhar para dados recentes do governo federal sobre crédito rural. Entre janeiro e agosto, o Plano Safra concedeu R$ 36,4 bilhões em crédito para agricultores familiares por meio do Pronaf. No mesmo período, R$ 184 bilhões foram concedidos ao agronegócio.

Disposto em sete eixos, o Planapo fala ainda em ampliar o acesso de mulheres produtoras a mercados justos e em ações de sensibilização de gestores públicos para aderirem ao PAA. Também está previsto o monitoramento da inclusão de alimentos orgânicos, agroecológicos e da sociobiodiversidade nas aquisições do PAA e do Pnae. 

Um dos pontos que vinham travando o lançamento do novo Planapo foi a resistência do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) ao Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), cuja implementação estava prevista no primeiro eixo do plano. O presidente Lula teria se comprometido a considerar as propostas da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) durante a revisão do Pronara, que tem nova expectativa de lançamento em 3 de dezembro. 

A redução do uso de agrotóxicos é parte central do Planapo, permeando diversas diretrizes. Uma delas é a determinação da agroecologia como estratégia de promoção da saúde, com ações educativas e de fomento no escopo do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Isso inclui monitorar os efeitos nocivos de agrotóxicos na saúde humana e dos ecossistemas.

Outra estratégia de conexão entre os dois planos lançados hoje tem a ver com a recomposição do PAA no início do governo Lula, que havia sido desfinanciado no governo Bolsonaro, com ações de incentivo à compra de alimentos da produção familiar. 

“Uma das ideias que estamos debatendo é a de estabelecer um sistema compartilhado de monitoramento do Planapo e do Plano Nacional de Abastecimento Alimentar”, comenta Paulo Petersen, representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) na CNAPO. “Se queremos superar a tragédia da fome e da insegurança alimentar e nutricional de forma mais abrangente e profunda, precisamos colocar novas perguntas: que alimentos são produzidos, quem produz, como, onde, como será distribuído e quem consumirá?”, completa.

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