Em fórum global da Organização Mundial da Saúde, país tenta unir antitabagismo à agenda ambiental ao defender a proibição de filtros, que deixam o ato de fumar mais perigoso e contaminam o meio ambiente

O Brasil planeja propor à COP do Tabaco que países avaliem proibir filtros de cigarros, combatam táticas de “greenwashing” (o “marketing verde” em que empresas poluidoras tentam parecer sustentáveis) e invistam em estudos que mensurem os danos ambientais de bitucas e cigarros eletrônicos, com o objetivo de garantir reparações da indústria aos cofres públicos. As informações estão em uma minuta da delegação brasileira obtida pelo Joio.
Semelhante à convenção sobre as Mudanças do Clima, que tem reunido autoridades globais em Belém na COP30, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) é coordenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O fórum está na sua décima-primeira edição (COP11) e ocorre em Genebra, na Suíça, de 17 a 22 de novembro. A principal diferença entre ambas é que, ao contrário da COP do Clima, que permite a participação e o patrocínio de empresas poluidoras, a do Tabaco barra a indústria do fumo e organizações aliadas.
A minuta da proposta brasileira pede que os países signatários da CQCT cogitem a “proibição de componentes de produtos de tabaco e nicotina que aumentem os danos ambientais, levando em consideração os impactos à saúde pública, incluindo filtros e outros acessórios”. Se levada à plenário, ela será discutida e poderá se tornar uma decisão, que servirá de “guia” para os países signatários da CQCT, que devem adaptá-las às suas realidades locais.
O tratado global reúne 183 países-membros no combate ao tabagismo, o vício causado por produtos de tabaco, que mata mais de 7 milhões de pessoas anualmente. Só no Brasil, são 174 mil mortes ao ano causadas por doenças ligadas ao fumo, estimam epidemiologistas.
Na minuta obtida pela reportagem, o país também sugere a criação de um grupo de trabalho para avaliar “medidas fiscais, taxas e outras iniciativas” para que custos ambientais decorrentes do fumo sejam pagos pela indústria do tabaco. Outras propostas são analisar “caminhos legais e institucionais para classificar resíduos de produtos de tabaco como perigosos” e criar um protocolo de descarte para “prevenir e gerenciar os resíduos produzidos por produtos de tabaco e nicotina e dispositivos eletrônicos”.
Se a proposta for aprovada, um plano deverá ser apresentado para discussão na COP12, em 2027. O debate irá se basear no artigo 18 da CQCT, que obriga os países-parte a protegerem a saúde humana e o meio ambiente dos impactos da fabricação e do cultivo do tabaco.
Ao redor do mundo, por volta de 4,5 trilhões de bitucas de cigarros – que são feitas de plástico – são descartadas no meio ambiente ao ano. Esses filtros geram 845 mil toneladas de resíduos, que contaminam o solo, rios e oceanos com nicotina, metais pesados e componentes carcinógenos presentes no tabaco. Segundo estimativas, filtros e embalagens de produtos de fumo causam 26 bilhões de dólares (quase R$ 138 bilhões) em prejuízos anuais globais por custos com limpeza e danos à biodiversidade, principalmente a aquática.
Além disso, há consenso entre especialistas que filtros deixam os cigarros mais perigosos, já que passam uma sensação errônea de segurança (como se substâncias nocivas estivessem sendo “filtradas”) e deixam o produto mais atraente. Na verdade, por causa desses filtros, fumantes não só inalam a fumaça mais profundamente como também têm microplásticos “vazados” para o pulmão. Por isso, muitos cientistas acreditam que filtros são os culpados pelo avanço nas últimas décadas de casos de adenocarcinoma, um tipo muito agressivo de câncer que ataca fumantes.
Mesmo sem autorização para participar da COP11, uma comitiva de mais de 30 pessoas – parlamentares estaduais e federais e representantes de entidades do setor fumageiro do Brasil – viajou a Genebra para pressionar a delegação brasileira a abandonar medidas do tipo. No discurso, o setor tenta driblar o debate sobre saúde pública e afirma que banir filtros impulsionará o contrabando de cigarros.
A proposta brasileira poderá ser aprovada, adaptada ao longo das discussões no plenário ou rejeitada ao longo dos debates. Além do Brasil, outros países também planejam levar à plenária propostas semelhantes. Como na COP do Tabaco as decisões só são aprovadas por consenso, a tendência é que os países negociem um meio-termo entre as versões apresentadas.
