Imagem da conferência anterior, a COP 10, que aconteceu em 2024 no Panamá. Foto: WHO / FCTC

COP do tabaco: mundo discute combate à epidemia de nicotina sob pressão da indústria do cigarro

Brasil irá conectar agenda ambiental ao antitabagismo e reforçar oposição a cigarros eletrônicos em discussões de tratado internacional negociado pela Organização Mundial da Saúde, que terá conferência na Suíça dos dias 17 a 22 de novembro

Enquanto boa parte dos olhos brasileiros estão voltados a Belém, onde o mundo discute como combater as mudanças climáticas na COP30 sob intenso lobby de gigantes do agronegócio e de petroleiras, outra COP igualmente importante, porém mais discreta, ocorre na Suíça entre os dias 17 e 22 de novembro.

É a 11ª Conferência de Controle do Tabaco (COP11), que vai reunir 183 países para negociar os próximos passos da implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), um tratado global coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e ratificado pelo Brasil em 2005. O evento terá cobertura in loco do Joio.

O objetivo do fórum é definir as melhores formas de se combater a epidemia de tabagismo, a principal causa de morte evitável do planeta. Essas decisões se tornam recomendações de boas práticas para os países-membros, que devem se comprometer a adotá-las em seus contextos nacionais. Foi da CQCT que saíram ações implementadas no Brasil a partir de 2011, como a proibição dos fumódromos, a ampliação das advertências de saúde em maços de fumo e a criação de preços mínimos para cigarros.

Como uma das nações que mais avançaram em políticas antitabagismo desde a implementação da CQCT, o Brasil costuma ser uma das principais vozes dessas negociações, principalmente entre os países em desenvolvimento. 

Só que os brasileiros carregam a contradição de, ao mesmo tempo, também serem o principal exportador de tabaco do mundo e sede de algumas das maiores fábricas de cigarros das gigantes do setor, como BAT (ex-Souza Cruz), Japan Tobacco (JTI) e Philip Morris, em municípios como Santa Cruz do Sul (RS) e Uberlândia (MG). Esse poder econômico abre brechas para um lobby antissaúde intenso, que pulsa do interior do país até os corredores de Brasília. 

Ao todo, são pelo menos 138 mil pequenos agricultores que tiram seu sustento do fumo em lavouras do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, o que gera um faturamento de quase R$ 14 bilhões em exportações da folha ao ano, já que quase 90% da produção nacional é vendida para o exterior. 

Por outro lado, o tabaco mata mais de 156 mil brasileiros ao ano e gera pelo menos R$ 67 bilhões em gastos diretos ao SUS. Além disso, na média, para cada R$ 1 de lucro da indústria, o país gasta R$ 5 para tratar doenças ligadas ao tabagismo. São pelo menos 7 milhões de mortes causadas pelo tabaco ao ano, segundo a OMS. A estimativa é que, se políticas de controle do fumo não forem aceleradas, a soma poderá alcançar 1 bilhão de vítimas até o fim deste século.

Ao contrário da COP do Clima, que não restringe a participação de indústrias que agridem o meio ambiente no evento, a COP do Tabaco tem rígidas políticas contra o lobby do fumo. No tratado, a OMS prevê que os países são obrigados a proteger suas políticas de saúde da interferência da indústria tabagista, que por décadas negou que cigarros causam câncer, que o fumo passivo mata e que a nicotina vicia. Um negacionismo que ainda persiste entre muitos representantes do setor. Por isso, membros de delegações, ativistas e até mesmo jornalistas com quaisquer ligações com a indústria são impedidos de participar das conferências.

Isso não significa, no entanto, que a indústria não tente interferir. Como o Brasil é um grande produtor de tabaco, a maior parte da pressão vem de associações da indústria, políticos e entidades de agricultores que tentam frear o avanço dessas políticas de saúde, a maioria sediada no Rio Grande do Sul. 

Uma comitiva com pelo menos 39 “representantes” do setor de tabaco irá a Genebra pressionar a delegação brasileira, disse ao jornal Gazeta de Santa Cruz o presidente do Sinditabaco Valmor Thesing, que representa as indústrias fumageiras e de cigarros no Sul do país. Enquanto isso, a representação oficial do Brasil na COP11 tinha somente 13 pessoas confirmadas até esta terça-feira (11), segundo dados da organização da CQCT. A expectativa é que o país leve por volta de 20 representantes oficiais.

Leia a íntegra do texto da CQCT, ratificado pelo Congresso brasileiro em novembro de 2005.

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Veja os principais pontos da agenda da COP11

Confira o que está na agenda para ser debatido nesta CQCT:

Como proteger o meio ambiente da poluição do tabaco (artigo 18 da CQCT). Fumar gera grandes quantidades de lixo, das embalagens dos produtos às bitucas. Além disso, os filtros de cigarros são feitos de plásticos que soltam metais pesados no meio ambiente. Alguns estudos mencionam até mesmo a liberação de microplásticos no trato respiratório do fumante. A COP11 irá discutir opções regulatórias para combater esses impactos, que poluem a natureza e criam custos de limpeza para governos. As ideias incluem taxas ambientais para fabricantes de tabaco, tornar praias e parques ambientes livres de fumo e avançar restrições a pontos de venda. Banir filtros de cigarros também está em pauta.

Como responsabilizar judicialmente a indústria por danos à saúde (artigo 19 da CQCT). Uma das recomendações da Convenção é que os países busquem a Justiça para obrigar a indústria do tabaco a ressarcir governos por danos causados à saúde pública. Só que de ações judiciais ajuizadas por mais de 60 governos estaduais e federais de 21 países, apenas canadenses conquistaram reparações nos tribunais. Um dos pontos de discussão será como fortalecer e viabilizar o sucesso da judicialização contra multinacionais do fumo. O Brasil, por exemplo, soma 24 ações movidas pela União, estados e municípios em busca de reparações por danos aos cofres públicos causados pelo setor. Até agora, nenhuma prosperou.

Medidas futuras de controle do tabaco. Um grupo de experts analisou opções de medidas que podem ajudar a reduzir o consumo de tabaco a serem recomendadas aos países-membros. Ao todo, 16 propostas serão inicialmente analisadas. Entre elas, estão vários banimentos: proibir filtros ou aditivos e sabores em produtos de tabaco, banir incentivos a varejistas e encerrar incentivos governamentais à fumicultura, por exemplo. Também são listadas restrições de vendas por ano de nascimento (as políticas de “gerações livres de tabaco” em que nascidos, por exemplo, a partir de 2007, ficam proibidos de comprar fumo), cotas limitadas de fabricação/importação e aumentos na idade legal para a compra de produtos de tabaco. Entre as opções avaliadas, também estão políticas de preço mínimo, como a que já é implementada para cigarros no Brasil.

Como regular a divulgação dos conteúdos e emissões de produtos de tabaco (artigos 9 e 10). 20 anos após a criação da convenção, os países-membros ainda não chegaram a um consenso de como estabelecer diretrizes para a implementação de dois trechos da CQCT. Os artigos 9 e 10 estabelecem que os países devem criar regras para os ingredientes e níveis de emissões permitidos para produtos de tabaco e sua fumaça, além de obrigar fabricantes e importadores a reportar detalhes desses dados às autoridades. São conteúdos como a quantidade de nicotina, alcatrão, gases tóxicos e aditivos nesses produtos. Segundo a CQCT, essas informações também deveriam ser abertas ao público. Só que, até o momento, só foram estabelecidas diretrizes parciais. Nesta COP11, haverá uma tentativa de retomada dos trabalhos para a conclusão do documento. 

Como proteger políticas de saúde das narrativas enganosas sobre “redução de danos” usadas pela indústria para promover cigarros eletrônicos. Com o avanço de vapes, sachês de nicotina e outros dispositivos para fumar, a indústria do tabaco passou a vender esses produtos como “menos nocivos” do que cigarros comuns e “alternativas” que “ajudam a parar de fumar”. Alguns países abraçaram essa tática, caso do Reino Unido, por exemplo. Só que um relatório do secretariado da CQCT acusa a indústria de usar a ideia de “redução de danos” como fachada para uma tática de desmonte de políticas de saúde pública. A proposta é que os países debatam como proteger suas medidas antitabagismo do lobby de “alegações de saúde não comprovadas feitas para avançar o marketing e a comercialização de novos e emergentes produtos de tabaco e nicotina”.

E qual será a posição do Brasil?

Na conferência, o país quer apostar na conexão entre a agenda ambiental do governo Lula e o antitabagismo. O Joio apurou que a delegação brasileira deve apresentar uma proposta de decisão que pede aos países-membros que classifiquem o lixo do tabaco como perigoso, fortaleçam a colaboração entre agências ambientais e de saúde, desenvolvam estudos sobre prejuízos ambientais do fumo e “considerem a proibição” de filtros de cigarros e outros componentes que são causa de poluição ambiental, inclusive peças de vapes e dispositivos eletrônicos.

Para isso, o Brasil planeja propor a criação de um grupo de trabalho para que se estabeleça um plano de ação para regular o descarte de lixo de tabaco e cigarros eletrônicos, incluindo a avaliação de novas medidas que fortaleçam a responsabilização do setor, como usar taxas ou políticas fiscais para que empresas de tabaco sejam forçadas a pagar pelos danos que seus produtos causam à natureza e quais metodologias usar para se mensurar os impactos ambientais do tabaco. 

Além disso, a delegação nacional também deve se somar às preocupações do secretariado da CQCT, que desconfia que a indústria esteja usando “narrativas de redução de danos” como uma tática de marketing para promover novos produtos, como vapes e sachês, tema que está na COP11. A tática não vingou no Brasil, já que cigarros eletrônicos são proibidos desde 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em 2024, o órgão decidiu reforçar as restrições aos vapes e dispositivos de fumar.

Por isso, o país planeja apresentar uma segunda proposta de decisão em que irá reforçar o pedido para que os membros da CQCT rejeitem “narrativas de redução de danos” promovidas pela indústria do cigarro, tidas como uma fachada para minar regulações antitabagismo. 

Essas informações constam em uma ata de uma reunião de setembro da Comissão Intergovernamental de Controle do Tabaco (CICT) do Mercosul, em que representantes dos ministérios da saúde de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai se reuniram para debater agendas conjuntas para a COP11. A reportagem também teve acesso à minuta da proposta brasileira relativa aos danos ambientais do fumo.

A resistência do setor do tabaco, no entanto, será grande. Desde a metade do ano, entidades ligadas às empresas de cigarros Philip Morris e BAT, como a Associação Brasileira das Indústrias do Fumo (Abifumo) têm se reunido com ministérios e enviado ofícios a autoridades para tentar desidratar as propostas brasileiras. 

Em um ofício entregue pela Abifumo no fim de outubro ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e obtido pelo Joio, por exemplo, o setor pediu que a delegação nacional abandone discussões sobre o impacto ambiental de produtos de tabaco ou que, no mínimo, o representante indicado pela pasta impeça que as propostas sejam tratadas como posição oficial do Brasil. 

O documento também foi assinado pela Amprotabaco (associação de prefeitos de municípios fumicultores), a Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil), o Sinditabaco-Sul, o Sinditabaco-BA (que reúne fumageiras que produzem charutos no Nordeste) e a Câmara Setorial do Tabaco, órgão vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Segundo as entidades, medidas que responsabilizem as empresas do setor por custos ambientais ameaçam “desorganizar” e “pôr fim” à cadeia produtiva do tabaco.

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