Foto: Isabelle Rieger/O Joio e O Trigo

Governo Lula retoma ajuda a agricultores que querem deixar o plantio de tabaco

Queda no número de fumantes e avanço dos cigarros eletrônicos pressionam produção de tabaco no longo prazo, mas pequenos produtores têm dificuldade para encontrar lavouras rentáveis que substituam o fumo

O governo Lula oficializou a criação da Política Nacional de Alternativas em Áreas Cultivadas com Tabaco (PNACT), iniciativa que retoma esforços para ajudar pequenos agricultores a plantarem outros cultivos. Com um atraso de quase dois anos desde o anúncio da nova iniciativa, o ministro Paulo Teixeira, titular da pasta do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), assinou a portaria que lança o PNACT nesta sexta-feira (28/11). O documento e diretrizes técnicas para lançar a política estavam prontas desde o fim de 2024.

A política será implantada por meio de um projeto-piloto que deve atender 300 agricultores de três regiões fumicultoras do Sul do país. A Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), vinculada ao MDA, está elaborando um edital para selecionar as entidades que irão dar apoio às famílias atendidas pela iniciativa. O objetivo da PNACT é “garantir a transição produtiva sustentável de agricultores familiares, empreendedores rurais e trabalhadores da cadeia produtiva do tabaco, diante da redução progressiva da demanda global por produtos derivados da folha de tabaco”, segundo uma nota técnica da pasta revisada pela reportagem. 

“Tal redução decorre não apenas da eficácia das políticas de controle do tabagismo, mas também da emergência de novos mercados concorrentes, como os dispositivos eletrônicos para fumar”, diz o documento, em referência aos vapes. Poucas centenas de fumicultores já são capazes de abastecer a demanda de nicotina de milhares de cigarros eletrônicos, o que pode ajudar a impulsionar uma redução no mercado da folha, como já mostrou o Joio

Entre 2005 e 2023, pelo menos 98 mil agricultores deixaram o cultivo de fumo nas regiões Sul e Nordeste, as principais áreas fumicultoras do país, sem que haja clareza do que houve com essas famílias, segundo números da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). 

No entanto, faltam dados oficiais sobre a produção da folha para além daqueles fornecidos pelo setor. Os censos agropecuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só trazem números da quantidade de fazendas que plantam fumo, as toneladas produzidas e a área colhida para 1995, 2006 e 2017.

Hoje, restam mais de 138 mil famílias no plantio, a maioria de pequenos produtores do Sul do país, de acordo com a Afubra. No mesmo período, em 18 anos, a produção global da folha foi de 6,7 milhões de toneladas anuais para 6 milhões, uma queda de cerca de 10%, segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês). 

O número global de fumantes também está em queda. Eram 1,379 bilhão em 2000. Hoje, são 1,196 bilhão e a tendência no médio prazo é de queda gradual, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Apoio no acesso a mercados

A previsão é que os beneficiários da PNACT sejam agricultores inscritos no Cadastro do Agricultor Familiar (CAF) ou beneficiários da reforma agrária que desejam sair do plantio do fumo. A ideia é dar a eles preferência nas compras feitas por entes públicos, via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que adquirem grãos, frutas e legumes de pequenos produtores para distribuí-los em escolas públicas, hospitais e restaurantes populares, por exemplo. 

Em uma versão inicial do projeto-piloto da Anater revisada pelo Joio, os municípios atendidos seriam divididos em três lotes: Canguçu, São Lourenço do Sul e Morro Redondo no Rio Grande do Sul (que somam 8,8 mil fumicultores, segundo dados da Afubra); Chapadão do Lageado e Ituporanga em Santa Catarina (1,8 mil produtores); e São João do Triunfo, Rio Azul e Imbituva no Paraná (5,4 mil produtores). Serão investidos R$ 1,05 milhão com 100 agricultores apoiados por lote.

A PNACT também deve facilitar o acesso ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que oferta crédito rural a juros baixos, segundo as minutas revisadas pela reportagem. Desde 2016, o Banco Central veda o uso de verbas do Pronaf para a fumicultura. Por isso, o plano é impulsionar o uso do empréstimo para o investimento em culturas alternativas ao tabaco, além de dar apoio a práticas agroecológicas e à redução do uso de agrotóxicos.

Junto à política, o governo também prevê lançar um Plano Nacional de Alternativas em Áreas Cultivadas com Tabaco (PLANACT), com a previsão de estudos e diagnósticos a respeito das regiões produtoras de fumo e de mecanismos de avaliação para acompanhar se a política vai trazer resultados, um tipo de avaliação que fez falta nas últimas edições do programa. 

Ainda hoje, o fumo é a cultura predileta de muitos plantadores porque rende bem em pequenas áreas e tem a compra garantida pela indústria do tabaco, ainda que o preço pago seja definido pelas empresas, o que gera conflitos, e a mão de obra intensa extenue muitos dos agricultores no longo prazo. 

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Projeto chega com atraso

A PNACT atende a uma promessa do governo brasileiro feita em 2005 ao ratificar a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), um acordo coordenado pela Organização Mundial da Saúde em que 183 países se comprometeram a combater o tabagismo. O tratado prevê o apoio a agricultores que podem perder a renda frente à queda no consumo de tabaco no longo prazo. A cada dois anos são realizadas COPs, as conferências das partes, em que avanços no tratado são negociados entre os países signatários.

Em meio à última conferência, a COP11, realizada neste novembro em Genebra, na Suíça, entre os dias 17 e 22, o MDA disse que iria lançar a PNACT nos “próximos meses”. Na prática, a política sai com um atraso de quase um ano.

Inicialmente, a retomada da política havia sido anunciada pelo MDA em fevereiro de 2024, durante a COP10, realizada no Panamá. Meses depois, em novembro daquele ano, as regras para a PNACT foram aprovadas por uma comissão do governo brasileiro e encaminhadas à pasta em dezembro, mas a iniciativa ficou engavetada desde então. Só no início de outubro de 2025, onze meses depois, o MDA retomou as discussões para relançar a política, às vésperas da COP11.

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