Representante do órgão federal avalia em audiência pública haver espaço também para aumento de impostos, mas adverte que medida será inócua sem o fim dos benefícios na Zona Franca de Manaus
O coordenador-geral de Tributação da Receita Federal, Fernando Mombelli, afirmou ontem, 31 de outubro, durante audiência pública na Câmara dos Deputados haver uma distorção nos créditos tributários oferecidos aos produtores de refrigerantes que compram concentrados (xarope) da Zona Franca de Manaus. A equipe de O Joio e O Trigo acompanhou o debate.
Foi a declaração mais enfática de um representante do órgão nas audiências públicas realizadas nos últimos anos. O encontro convocado pela Comissão de Seguridade Social e Família teve como objetivo discutir a possibilidade de uma taxação especial sobre bebidas açucaradas.
Para Mombelli, um eventual aumento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será inócuo se forem mantidos os benefícios relacionados à Zona Franca. Como mostrou a reportagem de estreia de O Joio e O Trigo, a renúncia fiscal e os créditos tributários nessa operação passam de R$ 7 bilhões por ano.
Isso ocorre porque as empresas que operam na Zona Franca têm isenção de IPI e PIS-Cofins, e contam com abatimento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. Na outra ponta, quem compra um insumo industrial tem direito a receber créditos equivalentes à tributação incidente na etapa anterior.
Assim, quem compra um concentrado de refrigerante a R$ 100, com uma alíquota de 20%, recebe de volta um crédito de R$ 20. As empresas que compram o produto na Zona Franca de Manaus cobram esse crédito, mesmo com a isenção de impostos existente no setor.
“Uma vez saído da Zona Franca de Manaus, esse produto gera um crédito que supera o próprio débito das empresas que dela se utilizam”, afirmou Mombelli. “Temos uma distorção que, mantida, você pode aumentar muito IPI que vai ser absorvido pelo crédito que estamos ressarcindo no sentido da tributação do setor.”
Ou seja, quanto maior o imposto pago, maior é o crédito a que têm direito essas empresas. É um caso raro em que o setor privado prefere uma alíquota alta. Pudera: é uma alíquota alta que, na prática, não é paga, já que a Zona Franca responde por quase todo o concentrado produzido no país.
Como mostramos, essa situação estimula a emissão de notas fiscais mais altas de modo a majorar o crédito. Documentos a que tivemos acesso mostram uma diferença de até cinco vezes entre o produto que a Coca-Cola manda para o mercado interno e o que exporta para outros países da América Latina, operação que não dá direito a esse ressarcimento. Tanto a empresa como a Associação Brasileira de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir) não quiseram responder a essa questão, preferindo um esclarecimento genérico.
A Receita tenta, desde a década de 1990, alterar a situação. Sempre que há oportunidade, entra com ação judicial para fazer com que as empresas tenham de devolver o crédito. Na última semana, o órgão deu um novo passo na tentativa de barrar o esquema. Foi emitida uma interpretação de que as empresas têm produzido na Zona Franca um kit de concentrado e não o concentrado em si. Isso abriria espaço a evitar que o setor privado possa cobrar o ressarcimento. “Não foi uma medida da Receita Federal em relação à possibilidade ou não de vedação dos créditos. Houve uma orientação técnica sobre o tipo de extrato”, disse Mombelli.
Em relação à situação geral do setor, Mombelli afirmou que há espaço para aumentar os impostos, hoje considerados baixos. A alíquota de IPI dos refrigerantes, 4%, é mais baixa que a de cervejas, 6%, vinhos, 10%, e das demais bebidas alcoólicas. Trata-se de um cálculo que leva em conta a necessidade do produto e o eventual dano à saúde. Nesse sentido, o coordenador-geral de Tributação afirmou que um eventual aumento tributário das bebidas açucaradas seria incorreto se não fosse acompanhado pela elevação das demais alíquotas.