Carta a uma jovem mulher que ainda não nasceu

Por Vanessa Anacleto, do Movimento Infância Livre de Consumismo, especial para O Joio e O Trigo

Rio, 8 de março de 2018.

Esta carta é endereçada a uma jovem mulher que ainda não nasceu.

Você nascerá, tenho certeza, mais dia, menos dia, ano, década. Você pertencerá a uma geração que só conhecerá violência de gênero pelos livros de história e achará tudo estranho. A você, jovem mulher, dona absoluta de seu corpo, de sua carreira, de sua vida, deixo meus votos de uma vida plena e doce, como a vida deve ser.

Eu sei que você, menina, nasceu por desejo livre de sua mãe e que a gestação foi acompanhada em um pré-natal decente. Não faço ideia se seus pais viveram sempre juntos ou se você é fruto de um amor que já passou. Não importa muito, já que tenho certeza que, desde o anúncio da gravidez, sua mãe foi respeitada e acolhida, porque é assim que deve ser. Sei que se, por acaso, em algum momento, sua mãe tiver ficado em dúvida sobre deixar você nascer, ela terá sido atendida por alguém capaz de orientá-la e apoiá-la na decisão.

De todo modo, você nasceu, menina, num parto lindo, do qual sua mãe jamais esqueceu. Você nasceu no tempo certo, sem data marcada por médico. “Violência obstétrica” é um termo que caiu em desuso, ficou trancado dentro de uma caixa empoeirada no fundo de um porão esquecido, caducou, letra morta.

Sua mãe te amamentou onde precisou e pelo tempo necessário, menina, sem nenhum constrangimento. E, sem constrangimento, você foi criada. Coisa de menina é tudo o que a menina gosta de fazer. Aventura, matemática, física, robótica, tudo é coisa de menina, falaram para você. Ninguém nunca mandou se endireitar por já ser uma mocinha, você não foi adultizada, fidelizada pelo marketing na infância nem treinada para ser submissa. Ser princesa para você era só mais uma brincadeira, não a única fantasia. Seu irmão foi ensinado a dividir as tarefas de casa com você e seus pais, igualmente, sem sexismo. Opa, desculpe por mais uma palavra ultrapassada.

Você estudou e escolheu sua carreira, se vê representada em todos os espaços que percorre e, ao mesmo tempo, encontrou um amor, dois amores, três, não sei ao certo. Não passou por julgamentos pelo seu comportamento, nem por suas roupas. Você nunca teve medo de andar sozinha, nem foi importunada. E, se alguma vez aconteceu de algum homem fazer menção de abusar, você recebeu todo o apoio que imaginava precisar.

Desde o dia em que deu a louca e você resolveu se casar (porque quis, e não porque ouviu que ia ficar para tia),  tem um companheiro que está ao seu lado para dividir tudo o que pesa, com respeito, do jeito que deve ser. Você sabe que, se um dia o amor acabar, ele não vai acreditar que é seu dono e senhor. Isso é agora uma triste história do passado, que as mais velhas contam às vezes e causa arrepios. Você e o seu companheiro vivem tempos em que os papéis podem ser trocados e repartidos sem crises e dores. Quando você quiser poderá ter seus filhos. Se não quiser, poderá não ter. Ninguém vai te cobrar pelos filhos não nascidos. E, quando você envelhecer, não precisará sentir vergonha de o tempo ter passado e deixado em você as marcas da idade. Você não é escrava. Você é livre.

Meus votos são de uma vida longa e plena, a mesma felicidade que toda mulher merece ter. A cada gozo de seus direitos, meu único pedido é que pare para lembrar cada uma das mulheres, conhecidas ou não,  que durante séculos lutaram e sofreram (muitas sucumbiram) para que você tivesse direito a tudo isso que eu narrei e, por enquanto, só posso chamar de utopia.

Feliz dia da mulher agora, que dia de mulher é todo dia. Saiba que esse dia foi aberto a unha.

Vanessa Anacleto

A imagem em destaque foi gentilmente cedida por Iris Pirajá, arquiteta, ilustradora e facilitadora de oficinas de ilustração em Salvador.

 

Por Redação

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