Aprovação de MP no Senado impõe derrota a Bolsonaro e determina reabertura do Consea

Quase seis meses depois de ser extinto por uma simples canetada, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) deve reabrir as portas, após o Senado votar na noite de terça-feira (28) a Medida Provisória 870, que reorganiza as estruturas do governo federal. A MP já havia passado pela Câmara dos Deputados na semana passada. A aprovação do relatório votado pelos parlamentares impõe uma derrota ao presidente Jair Bolsonaro.

No primeiro dia de governo, em 1º de janeiro, Bolsonaro assinou a medida provisória, que, além de alterar a estrutura dos ministérios e demais autarquias do Poder Executivo, extinguiu o Consea, alterando trechos da Lei 11.346, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan). O texto da regra previa que as atribuições do conselho seriam transferidas para o Ministério da Cidadania, algo que, entretanto, não aconteceu na prática.

Não só o responsável pela pasta, o ministro Osmar Terra, exonerou os principais funcionários dedicados aos temas de segurança alimentar e nutricional, como colocou um servidor sem experiência para cuidar desta agenda. José Roberto Carlos Cavalcante, chefe da Secretaria de Inclusão Produtiva e Desenvolvimento, veio do Ministério do Turismo, onde era coordenador-geral de convênios, e não tem formação na área.

Em mais de uma ocasião, o Joio pediu que o Ministério da Cidadania detalhasse como seriam levadas à frente as políticas de combate à fome, à desnutrição e à miséria, mas não obteve resposta. Também o Ministério Público Federal (MPF) enviou um ofício questionando o que seria feito com as atribuições do Consea e deu 48 horas corridas para a resposta. Mais de 15 dias depois, o Ministério da Cidadania respondeu ao MPF dizendo que a questão deveria ser tratada com a Presidência da República.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Deborah Duprat, requisitou ainda à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que ajuizasse no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade contra a extinção do Consea. O pedido está sob análise da equipe técnica, e pelo portal da transparência do MPF é possível acompanhar o andamento.

O tiro saiu pela culatra. Mal completada a metade do primeiro ano, e Jair Bolsonaro acumula mais uma derrota, com a recriação do Consea. A MP 870 foi ponto central de uma disputa dele com o Poder Legislativo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e seus aliados articularam atento aos detalhes o andamento da votação da medida provisória para desgastar o Executivo. Parlamentares se sensibilizaram com a articulação da sociedade civil, que reivindicou intensamente a reabertura do conselho.

Após mobilização, 66 dentre 541 emendas pedindo a recriação do Consea foram apresentadas à comissão mista responsável por apreciar a MP 870 — foi o tema que mais iniciativas motivou. Depois de fazer mistério sobre como encaminharia a questão, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), relator da medida provisória e líder do governo no Senado, acatou sugestão do deputado federal João Daniel (PT/SE).

A emenda nº 6, apresentada pelo parlamentar, prevê a recriação do conselho com uma modificação: transfere-o da Presidência da República para o Ministério da Cidadania. Os demais pontos do texto original da Losan foram mantidos. O Consea servia como órgão colegiado consultor do presidente de plantão. Ele faz o controle social e dá espaço para a participação da sociedade civil nas políticas de alimentação adequada e saudável.

O conselho, conforme a Losan, integra o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e é formado em dois terços por membros de entidades civis e em um terço por integrantes do governo. Além disso, é presidido por um representante da sociedade civil, indicado pelos outros conselheiros e chancelado pela Presidência da República.

Se não tivesse sido extinto, o Consea estaria organizando, a essa altura do campeonato, os preparativos da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, um encontro destinado a elaborar o 3º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Trata-se do principal documento que dita as ações que o Estado brasileiro deve tomar para combater a fome e a desnutrição. A última edição do plano estabelecia as metas para o período 2015-2019, demandando a formulação de novas diretrizes.

Para quem acompanha o desenrolar dessa história, contudo, a atenção permanece. É difícil, apesar da vitória, dizer como se dará o processo de recriação do Consea. Agora, o conselho estará ligado à mesma estrutura que, decorrido um semestre, pouco fez. Há duas hipóteses, a ver, sobre o destino do colegiado: ou 1. pode voltar a existir exatamente como antes ou 2. há alguma chance de que reabra as portas completamente descaracterizado.

Foto do destaque: Roque de Sá/Agência Senado

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