Quando não conseguem ajuda em instituições de caridade ou restaurantes, trabalhadores de aplicativo jantam bolacha e salgadinho
A chuva forte não afastou os entregadores de aplicativo da fila de doação de marmitas na Paróquia Senhor Bom Jesus dos Passos, no bairro de Pinheiros, na noite do último sábado (06).
Espremidos sob a marquise da igreja, eles aguardaram até as 18h30, quando as portas foram abertas e todos puderam se abrigar na nave principal do edifício. Logo em seguida a comida começou a ser distribuída.
O cardápio foi macarrão à bolonhesa, feijão, purê de batata, pudim de pão e suco de laranja. As refeições são servidas às sextas e sábados, sempre por volta desse horário.
“A prioridade do nosso trabalho era a população de rua, pessoas que moram em cortiços e ocupações”, conta Maria Melges, coordenadora da atividade. “Com a pandemia, começamos a atender também o pessoal que faz entregas.”
O entregador Lucas Pereira (21) explica que o aplicativo do iFood indica os restaurantes denominados pontos de apoio – em que os trabalhadores podem tomar água, café, higienizar as mãos, recarregar os celulares e ir ao banheiro.
Não há, porém, um auxílio para que os entregadores se alimentem. “Tem alguns restaurantes em que a gente consegue pegar marmita de graça, mas aí não tem nada a ver com o iFood. É por conta do próprio estabelecimento”, diz ele.
Para Frank Rocha (22), morador do Jardim Ângela e entregador de aplicativo há 11 meses, as marmitas ajudam a poupar o dinheiro recebido pelas entregas: “Como a remuneração não é muito boa, qualquer dinheiro que a gente tira para comprar comida pesa muito no orçamento”.
“A gente sabe o quanto é ruim ter fome”, diz Melges, coordenadora do trabalho de distribuição de alimentos. “Eles entregam a comida, mas não recebem alimentação. E com certeza todos precisam trabalhar para levar algo para casa. Se eles param para comer com o dinheiro que ganham, o que vão levar para casa?”.
Uma pesquisa da Associação Aliança Bike publicada em 2019 aponta que 57% dos entregadores ciclistas trabalhavam os sete dias da semana, enquanto 75% ficavam conectados aos seus aplicativos por até 12 horas seguidas. A média salarial da categoria era de R$ 992 naquela época.
Em 2018, um outro estudo mostrou que 20% dos motoristas de Uber da cidade de Nova York dependiam de ajuda do governo – com os chamados food stamps (espécie de vale alimentação) – para fazer as refeições.
Mateus Felipe (21), também entregador do iFood, conta que, quando não conseguem doações de alimentos em instituições de caridade ou restaurantes, ele e os colegas costumam se alimentar com bolachas e salgadinhos.
“Quando não tem marmita o jeito é ficar com fome mesmo ou comprar alguma coisa na rua”, diz. “A gente vai pela opção mais barata. Bolacha Passatempo, Traquinas, maizena. Compro várias e consigo segurar até a noite.”
O entregador Matheus dos Santos (20) também adquiriu o hábito de comer bolacha quando não consegue marmitas: “Eu peço doação no restaurante. Quando não consigo, tiro do pouco que eu tenho para tentar ter uma alimentação”, conta. “Compro bolacha de morango, de chocolate, wafer ou salgadinho.”
Ele mora sozinho no Grajaú e se sustenta com o dinheiro que ganha fazendo entregas para o iFood: “Trabalho 12 horas por dia, tiro uma folga por mês, no máximo duas. No mês de janeiro eu rodei 838 km e ganhei R$ 4.200. Por mais difícil que seja, tem muita gente numa situação pior”.