Além de investigar transformações, conflitos e avanços nos sistemas alimentares, O Joio e O Trigo começou a vasculhar, em 2020, os meandros da indústria do tabaco, com algumas reportagens já publicadas. A partir de hoje, o tema estará de vez na nossa agenda de investigação.
Em parceria com a organização não governamental ACT, damos a largada com um trabalho infográfico que ajuda a entender os efeitos nocivos do oligopólio de transnacionais do setor, que está associado a milhões de mortes anualmente no planeta e se organiza para incidir nas políticas públicas mundo afora.
Nosso novo conteúdo está fundado no Índice Global de Interferência da Indústria do Tabaco, pesquisa mundial realizada pelo Global Center for Good Governance in Tobacco Control (GGTC), que mostra como os governos nacionais se blindam (ou não) às investidas dessas companhias, entre estratégias de marketing (ou “atividades de responsabilidade social corporativa”), lobbies e falta de transparência. Alerta: na pandemia, a indústria fortaleceu o lobby, atacando intensamente as políticas públicas de diversos países, especialmente os mais vulneráveis.
Abrangente, o índice avalia países e governos dos cinco continentes. Para se ter uma ideia do nosso quintal, o Brasil piorou no ranking: passou da 5ª posição, entre 33 países analisados em 2019, para a 14ª, em meio aos 57 países elencados no estudo no ano passado.
A infografia do Joio, assinada pelas designers Clara Borges e Denise Matsumoto, mostra em gráficos e ilustrações os resultados dessa importante pesquisa feita nos âmbitos global, da América Latina e do Brasil, colocando o nosso material investigativo em uma nova linguagem. Desafiadora para nós e – esperamos – muito informativa para vocês.
Global
A indústria do tabaco, que é formada por um oligopólio de empresas transnacionais, especialmente as nascidas nos Estados Unidos, Inglaterra, Japão e China, responde por ao menos 8 milhões de mortes anualmente no planeta. Ainda assim, raríssimas vezes, esse oligopólio é responsabilizado pelas doenças que causa. Algo que também vale para o impacto corrosivo na saúde pública mundial.
Índice Global de Interferência da Indústria: ranking
O Índice Global de Interferência da Indústria do Tabaco é fundamentado em informações sobre a interferência da indústria e nas respostas dos países e governos para reduzi-la. A primeira versão global foi lançada em 2019, com base em dados do ano anterior, e contou com a participação de 33 países dos cinco continentes. Em 2020, o índice cresceu e se baseou nas experiências de 57 países.
“Conforme mais países adotam medidas abrangentes de controle do tabaco, a indústria trabalha para prejudicar esses esforços, com o objetivo de conseguir mais consumidores e promover novos produtos. Ela [a indústria] chegou ao ponto de se aproveitar da pandemia de covid-19, quando os países mais precisam de recurso”,
diz Kelly Henning, diretora dos Programas de Saúde Pública da Bloomberg Philanthropies.
Vamos ao ranking de interferência da indústria do tabaco. Quanto menor a pontuação, melhor a posição do país:
Principais aspectos globais
- A indústria do tabaco aumentou as atividades ditas de “responsabilidade social corporativa” (na prática, puro marketing, na grande maioria das vezes), durante a pandemia;
- A indústria do tabaco tentou interferir no desenvolvimento de políticas públicas macro;
- A indústria do tabaco intensificou o lobby para fortalecer a influência;
- A indústria pressionou para a liberação/promoção de produtos de tabaco “alternativos” (especialmente, os dispositivos eletrônicos para fumar);
- Interações desnecessárias com a indústria comprometeram governos;
- A falta de transparência continua um problema;
- Vários países seguem a oferecer incentivos à indústria;
- A maior parte dos países não soube enfrentar situações de conflito de interesse;
- Os países ainda veem a indústria do tabaco como essencial à economia
Recomendações
É possível que os governos detenham o risco planetário representado pela interferência da indústria do tabaco. Quanto mais rápido agirem para implementar as recomendações da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT) – um dos mais importantes tratados internacionais de saúde da História – maior a proteção para políticas antitabaco. O Artigo 5.3 da CQCT determina que os Estados protejam as políticas de saúde pública dos interesses comerciais da indústria. Mas quais ações devem ser realizadas, de acordo com o índice?
América Latina: tabaco, desigualdade e pandemia
A América Latina não é só a região mais desigual do planeta, mas, também, a mais afetada pela pandemia de covid-19. A indústria, além de vender um produto que mata anualmente quase um milhão de pessoas nas Américas, tem explorado a vulnerabilidade dos países. Isso, por meio de atividades de “responsabilidade social empresarial”, com o objetivo de se posicionar “positivamente”, além de promover e comercializar novos produtos de tabaco, escondendo efeitos danosos à saúde e atraindo as populações mais jovens com dispositivos eletrônicos. A pandemia torna ainda mais relevante agir contra isso, inclusive levando em conta que o cigarro é potencial causador de comorbidades que agravam a covid-19.
Os resultados da pesquisa na América Latina, bem como as recomendações para enfraquecer a interferência da indústria, você encontra aqui.
Brasil despenca no ranking
A pontuação da nova versão do Índice para a interferência da indústria do tabaco no Brasil, 48, é significativamente maior (e pior) do que a do ano anterior, que havia sido de 34. Com isso, passamos da 5ª posição do ranking de 33 países em 2019 para a 14ª posição entre os 57 países analisados em 2020.
Confira os principais aspectos que levaram a queda do Brasil no ranking, bem como o aumento bilionário no país em gastos com saúde pública e seguridade social associados à indústria do tabaco aqui.