Frederico Azevedo, da Aprosoja do Mato Grosso do Sul, está à frente da Comissão de “Direito à Propriedade e Minorias” do Instituto Pensar Agro; deputado federal Lucio Mosquini (MDB-RO) lidera a articulação política
Nos documentos oficiais da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o grupo que trata de questão fundiária é chamado de Comissão de Direito à Propriedade. Internamente, no Instituto Pensar Agro (IPA), no entanto, a comissão tem um nome mais específico: Direito à Propriedade e Minorias.
O IPA é composto por associações ligadas aos vários setores do agronegócio e atua em simbiose com a FPA. Esta reportagem faz parte do especial Agro é lobby, feita pelo O Joio e o Trigo com base em um organograma obtido com exclusividade que mostra as prioridades do agronegócio no Congresso, Executivo e Judiciário em 2021 e os operadores políticos e empresariais de cada um deles.
O nome privado da comissão torna mais evidente quem são os alvos da atuação dos ruralistas: os povos indígenas e tradicionais, como os quilombolas. Uma das principais atividades do grupo é dificultar a demarcação de terras para estes povos.
Os dois lados opostos estiveram frente a frente na segunda semana de setembro, em Brasília. Os indígenas estavam acampados pelo menos desde o mês anterior na sua luta contra o marco temporal, que pode dificultar ainda mais a demarcação de terras e está sob análise do Supremo Tribunal Federal. Setores do agronegócio, apoiados por caminhoneiros ligados a eles, tomaram a Esplanada dos Ministérios na noite do dia 6 de setembro para participar, na manhã seguinte, dos atos antidemocráticos e em defesa do presidente Jair Bolsonaro, um grande defensor da tese do marco temporal e contrário a novas demarcações de terras.
Um dos principais alvos do grupo era justamente o STF, que foi atacado e sofreu tentativas de invasão. A questão do marco temporal foi um dos temas citados nos discursos. Não por acaso, a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja) e seu presidente, Antonio Galvan, são investigados pelo Supremo como supostos financiadores dos atos. A entidade também participou como amicus curiae do julgamento na Corte, com posição contrária aos direitos dos indígenas.
Não é a única atuação da entidade dos sojeiros no tema. O coordenador institucional da Comissão de Direito à Propriedade e Minorias é Frederico Azevedo, representante da Aprosoja do Mato Grosso do Sul. Seu suplente é Júlio Busato, da ABPA. A parte política é comandada pelo deputado federal Lucio Mosquini (MDB-RO) e o técnico responsável é o advogado Rudy Ferraz.
Azevedo é um advogado com especialização em agronegócio. Segundo sua página no Linkedin, ele trabalhou durante três anos e sete meses como gerente de Política e Logística e Relações Institucionais da Aprosoja do Mato Grosso, a mais poderosa das regionais da entidade. Ele comandou durante pouco mais de um ano a Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav) antes de ser diretor-executivo durante dois anos da Aprosoja do Mato Grosso do Sul, da qual aparece como representante. Em dezembro do ano passado, ele se tornou superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) no Mato Grosso.
Produtor de soja, milho e algodão
Seu suplente é Júlio Busato da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abapa). O agrônomo gaúcho é dono da Fazenda Busato/Grupo Busato, e produz algodão, soja e milho nos municípios de São Desidério, Serra do Ramalho e Jaborandi, no Oeste da Bahia, região de grande expansão do agronegócio nas últimas décadas.
Entre 2004 e 2017, as terras na região do Matopiba, da qual o Oeste da Bahia faz parte, tiveram uma valorização de 390%, mais de três vezes a inflação no mesmo período. Busato foi presidente da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), do Programa de Desenvolvimento do Agronegócio (Prodeagro) e do Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão (Fundeagro).
O representante político na comissão é o deputado federal Lucio Mosquini (MDB-RO). O parlamentar se declara produtor rural e é dono de mais de 300 hectares de terras em Theobroma, município do estado de Rondônia, avaliado em R$ 2,6 milhões, segundo sua declaração à Justiça Eleitoral em 2018. A fazenda é dedicada à pecuária, com 651 cabeças de gado, segundo a mesma declaração. Mosquini é coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Regularização Fundiária Rural. O técnico que atua junto com eles na Comissão do IPA é o advogado Rudy Ferraz, chefe da assessoria jurídica da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária).
Entre as missões do grupo no Executivo estão reuniões com o Secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, “para alinhamento de metas e pautas sobre regularização fundiária”. Ex-presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan ficou conhecido desde os anos 1980 por suas posições contrárias aos direitos de outros grupos de acesso à terra, muitas vezes com a defesa do uso da violência para tal.
No documento, também mencionam a necessidade de se reunir com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ela própria antiga presidente da FPA, para discutir a “mudança do decreto de demarcação de terras quilombolas”. A Agricultura passou a ser responsável pela demarcação de terras quilombolas durante o governo Jair Bolsonaro. O texto não explicita qual seria a mudança proposta.
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Faça partePrioridades no Congresso
Os interesses ficam mais claros quando são apontadas as prioridades do grupo no Congresso. Na Câmara, seus integrantes citam a aprovação do PL-2633/20, conhecido como PL da Grilagem, e o PL-490, que dificulta o reconhecimento de terras indígenas ao sujeitar a sua demarcação à aprovação do Congresso e ao criar um marco temporal que só garante o direito dos indígenas a terras onde eles estavam quando foi promulgada a Constituição de 1988.
A aprovação pelo Congresso para novos territórios indígenas e quilombolas também está na PEC 215/2000, cuja aprovação é defendida pelo grupo.
A comissão defende no Senado o desarquivamento do PLS 432/2013, que trata da expropriação das propriedades rurais e urbanas com flagrante de exploração de trabalho escravo. O objetivo deles é dificultar a caracterização como trabalho escravo do descumprimento da legislação trabalhista. Também querem o desarquivamento do PLS-590/2015, que facilita a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros residentes no Brasil ou empresas estrangeiras instaladas no país e a aprovação do PL 2963/2019, com o mesmo tema, que a comissão chama de “terra para mais alimentos e mais empregos”. O grupo também faz o “monitoramento das ações do judiciário sobre questões indígenas”.
“Direitos do produtor“
A questão indígena também é tema do Conselho de Comunicação, coordenado pelo jornalista Ibiapaba Netto, da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), com Glauber Silveira, da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), como suplente. O parlamentar na coordenação política é o deputado federal Zé Silva (SD/MG). Eles colocam como meta “tentar deixar claro para a sociedade que os produtores também têm seus direitos”, convencer parlamentares novos e reeleitos sobre isso e trabalhar a “imagem junto ao governo”, especificamente no Ministério da Agricultura.
A coordenação é responsável pela “visita aos novos parlamentares membros para apresentação da frente e do modus operandi, criando assim, vínculo e compromisso com a divulgação da proposta da Frente Parlamentar” e a “realização de evento mensal para levantamento das prioridades e estratégia para desenvolvimento dos temas, bem como uniformizar o discurso e entendimento para votação dos projetos”.
Expansão da soja
O comando de dois produtores de grãos na comissão que atua contra a demarcação de terras indígenas e quilombolas não é por acaso. A expansão territorial da soja é uma das principais pressões contra os direitos de acesso à terra de povos originários e tradicionais.
O problema não é recente. Comunidades indígenas e quilombolas apontam diversos tipos de pressão relacionados à produção de soja em seus territórios, inclusive os que já estão demarcados. O cerco causa impactos ambientais, com a contaminação do solo e da água pelo uso de agrotóxicos.
Muitas vezes há denúncias de que a pulverização aérea também atinge as aldeias, o que causa danos à saúde da comunidade. O cerco também atinge a segurança alimentar das comunidades, provocando a secagem de rios, a escassez de peixes e a redução de locais de caça e coleta.
A preocupação não é só com problemas no entorno do território. Há denúncias de invasão de territórios para o plantio de grãos, inclusive com registros de sobreposição de terras demarcadas com fazendas destinadas à produção de grãos. O temor é que a pressão se torne ainda maior com obras anunciadas como a Ferrogrão. Além da ferrovia, a obra inclui a construção de pontes, asfaltamento de estradas de acesso e a construção de terminais. Um levantamento citado pelo Instituto Socioambiental (ISA) aponta que as obras no Mato Grosso e no Pará podem afetar 16 territórios indígenas.
Pressão por arrendamentos
Além da invasão de terras, a pressão vem de dentro dos territórios, com a pressão por arrendamentos feita pelo governo Bolsonaro e pela FPA. Os dois defendem a produção dentro das áreas indígenas. O Executivo é autor do PL 191/2020, que abre a possibilidade de exploração da mineração, agricultura e pecuária dentro de terras indígenas. Quando foi apresentada, a proposta teve o apoio da frente. Lucio Mosquini (MDB-RO), que já era coordenador da comissão de direito de propriedade, queria que a tramitação da proposta em regime de urgência. “Se dermos condições ao índio para produzir, vamos dobrar o PIB do nosso país”, chegou a dizer.
Uma das formas que tem acontecido é por meio de arrendamentos, que muitas vezes causam conflitos internos nas comunidades indígenas. O Ministério Público Federal tem agido para conter os arrendamentos ilegais, inclusive exigindo de empresas que adquirem o produto para a exportação façam rastreamento da cadeia para conter a ocupação irregular das terras. Apesar de atualmente ser proibido, a prática se tornou praxe em muitas regiões. O caso mais emblemático é do Mato Grosso, onde, apesar da ilegalidade, os paresis produzem em parceria com ruralistas há mais de 15 anos. Além deles, os manoki e nambikwara também estão envolvidos na monocultura da soja no estado.
A reportagem enviou as seguintes perguntas à Aprosoja:
-Por que a Aprosoja escolheu ter representante neste tema?
-A preocupação dos produtores de soja com a demarcação de terras para indígenas e quilombolas é maior do que de -outros setores do agronegócio? Existe alguma explicação pra isso?
-Em quais regiões este conflito é mais evidente?
-Como a Aprosoja tem trabalhado a questão dos arrendamentos dentro de terras indígenas?
-Por que a Aprosoja decidiu participar diretamente do julgamento do marco temporal no Supremo?
-Como a Aprosoja tem se articulado no Congresso e no Executivo em relação ao marco temporal?
-Existe alguma diferença ou especificidade na atuação da Aprosoja neste tema em relação ao Instituto Pensar Agro e as demais entidades do agronegócio?
-Como foi a participação dos produtores de soja e dos representantes do setor nos atos de Sete de Setembro?
Por meio de sua assessoria, a entidade informou que não vai comentar o assunto.