Não saber o que os filhos irão comer no dia seguinte, pular refeições, ir dormir de estômago vazio, beber água para enganar a fome. Cortar carne, frango, verduras, legumes e frutas do cardápio. Até arroz e feijão. Ter como única saída comer pé de galinha. Ser obrigado a cozinhar com lenha por causa do preço do botijão de gás. Essa é a realidade que milhões de brasileiros vivem hoje.
A situação é gravíssima. Mas o presidente do Brasil e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), não se importa. “Passar fome no Brasil é uma grande mentira, é um discurso populista”, disse, em 2019. Ou melhor, além de não se importar, o presidente é o responsável pela situação de insegurança alimentar em que vivem milhões de brasileiros. Foi o governo de Jair Bolsonaro que aprofundou a situação de fome no Brasil, que havia voltado ao país em 2018, no governo Temer.
O Joio entende que não reeleger Bolsonaro é o único caminho possível para podermos pensar no futuro. Diante da emergência climática e de um presidente que ataca e humilha a própria população, e diante dos sinais de que a extinção da humanidade é uma trilha cada vez mais sólida, não cabe ter qualquer dúvida quanto à ideia de que um outro presidente é a condição mínima necessária para que se possa sonhar com um futuro. Se haverá ou não futuro, isso depende de muitos outros fatores que escapam à capacidade de resolução do sistema político engendrado pelo capitalismo.
O Brasil, que tinha saído do Mapa da Fome das Nações Unidas em 2014, durante o primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff, sofreu um grande retrocesso nos últimos anos, a começar pelo golpe que a tirou da Presidência, em 2016, e se agravou com o início do governo de Jair Bolsonaro, eleito em 2018.
O desmonte de políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a extinção do Bolsa Família e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o desemprego e o preço dos alimentos levaram ao aumento da fome, agravada no contexto da pandemia.
A fome, assim como o preço dos alimentos, será discutida durante a campanha para a Presidência da República e estará entre os temas da cobertura eleitoral do Joio, que se inicia nesta semana. Iremos analisar os programas dos presidenciáveis e fazer reportagens relacionadas aos ultraprocessados, inflação de alimentos, agronegócio e políticas de combate à fome.
Por isso, acreditamos ser importante nos posicionarmos. Para o Joio, esta não é uma escolha muito difícil, como sugeriu o histórico e lamentável editorial de O Estado de S. Paulo, em 2018, quando da disputa entre Fernando Haddad e Bolsonaro.
Para nós, a escolha entre os principais presidenciáveis – Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva – é uma obviedade. Longe de ser perfeito, o candidato do PT é o que temos para hoje, como se diz popularmente, ao mesmo tempo em que representa a única possibilidade de discutirmos uma agenda para o amanhã — e é isso que nos interessa, enquanto veículo jornalístico e cidadãos: parte da nossa cobertura se concentrará em explicitar uma agenda civilizatória urgente para evitarmos o colapso do planeta, algo que ainda parece distante dos planos e das possibilidades de Lula.
Entre outras lacunas, entendemos que é urgente discutir um marco legal para reduzir as enormes desigualdades entre corporações e pessoas. Para o Joio, é impossível dissociar as maiores forças políticas do século 21 dos maiores problemas sociais, econômicos e existenciais dos nossos tempos.
Temos convicção que há uma diferença imensa, incomparável, entre Lula e Bolsonaro. Os dois governos de Lula (2003 a 2010) implementaram uma série de políticas públicas que melhoraram a vida dos mais pobres, mesmo tendo adotado a chamada política do ‘ganha ganha’, ou seja, beneficiando tanto os grandes empresários, mercado financeiro e agronegócio quanto a camada empobrecida da sociedade.
Criou medidas emergenciais e de assistência social, como o Bolsa Família, política de valorização do salário mínimo, abriu postos de trabalho e criou programas para produção de alimentos, como o programa de cisternas e o PAA.
Baseados na ciência e em centenas de evidências acumuladas enquanto repórteres especializados na cobertura do setor privado, consideramos que a agenda para o futuro passa por repensar a maneira como o sistema econômico está estruturado — uma agenda na qual o presidente da República e o Congresso podem exercer um importante papel.
Para os brasileiros poderem voltar a comer, é preciso derrotar Jair Bolsonaro. E eleger Lula. E defendemos o voto em Lula no primeiro turno porque há uma necessidade urgente de fortalecer a única candidatura com viabilidade de fazer oposição ao projeto de extrema direita de Bolsonaro.
Isso não significa que acreditamos que se deva assinar um cheque em branco para Lula. Não. A nossa cobertura será crítica também a ele, a possíveis problemas de seu programa eleitoral, de sua campanha, de suas alianças e de seu passado. Iremos cumprir com a missão do jornalismo de fiscalizar os poderes, denunciar abusos, violações a direitos humanos e fundamentais.
Também sabemos que um possível governo de Lula em 2023 terá ainda mais limitações que os governos de 2003 a 2010, já que as políticas sociais feitas nos dois mandatos contaram com uma situação econômica mundial favorável. E também porque será um governo de composição mais conservadora, como a escolha de Geraldo Alckmin como vice na chapa indica.
Por isso, para nós, a limitada eleição de 2022 é mais do que nada uma oportunidade de descolonizar o imaginário. De entender que a participação política não se encerra nas urnas, e nem começa nelas. De entender que, antes de agirmos, precisamos recuperar a capacidade de imaginar outro mundo possível. Algo que nos foi tirado ao longo de décadas de tolhimento da atuação social e de construção da política como espaço proibido, sujo e repulsivo.
A equipe do Joio é composta por pessoas de diferentes posições políticas, mas é uma redação que sonha, que acredita na utopia. Quem tem fome, não consegue sonhar. Hoje, o Brasil está com fome. O Brasil de Bolsonaro é um país com fome.
Queremos ter o “direito de sonhar”, como disse Eduardo Galeano. E como disse Davi Kopenawa, é por meio dos sonhos que se faz política.
Que a gente possa começar 2023 com um horizonte de luta, cobrança e resistência.