Mudança ocorre meses depois de antecessora no cargo ir contra interesses do agronegócio e indústria do fumo
Conhecido por suas conexões com políticos do Centrão, Alex Machado Campos é o novo responsável pela diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que trata diretamente dos agrotóxicos e do fumo. A definição aconteceu em uma reunião interna realizada em 26 de julho, e a decisão foi divulgada no dia seguinte no Diário Oficial da União.
Campos, que já comandava a diretoria que cuida de portos, aeroportos e fronteiras, acumula as novas funções meses após decisões que desagradaram o agronegócio e a indústria do tabaco.
Sua antecessora no cargo, Cristiane Jourdan, relatou dois processos-chave para esses setores econômicos: a reavaliação do Carbendazim, um dos 20 agrotóxicos mais utilizados no país e o mais detectado em alimentos, e a definição sobre o futuro do cigarro eletrônico.
No caso do Carbendazim – já proibido nos Estados Unidos e na Europa por riscos à saúde humana –, Jourdan defendeu em fevereiro a suspensão imediata da venda e do uso no Brasil, posição inicialmente apresentada pela área técnica da Anvisa. Na época, Alex Campos foi um dos dois diretores a pedir vistas, o que prolongou o processo. Ele defendia, por exemplo, que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) fosse consultado antes que uma decisão fosse tomada pela Anvisa.
A demora fez com que o Ministério Público Federal (MPF) acionasse a Justiça, que em junho fixou um prazo de 60 dias para que a reavaliação do agrotóxico fosse concluída pela agência. Diante disso, em 21 de junho, a Anvisa tomou uma decisão emergencial: a importação, produção, distribuição e comercialização do produto ficariam proibidas até a reavaliação definitiva – marcada para acontecer na próxima segunda-feira, 8 de agosto.
Mas mesmo a suspensão cautelar causou alvoroço no agronegócio. Quase imediatamente mais de 30 entidades do setor começaram a se articular para derrubar a decisão da Anvisa. Segundo nota do jornal O Estado de S. Paulo, publicada na terça-feira (02), a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) planeja apresentar um decreto legislativo contra a medida na Câmara dos Deputados. O instrumento, normalmente usado para derrubar decisões do Executivo, começou a ser adotado também contra agências reguladoras durante a era Arthur Lira, presidente da Casa. A FPA afirma que há quase três milhões de litros de agrotóxicos formulados com Carbendazim no país.
Uma semana depois da decisão temporária da Anvisa, o chamado PL do Veneno quase foi votado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado. Um pedido de vistas adiou a votação. O projeto de lei, de autoria do ruralista Blairo Maggi, centraliza no Ministério da Agricultura toda a responsabilidade pela fiscalização e análise dos agrotóxicos.
No dia 4 de julho, quando ainda não tinha assumido a diretoria responsável pelos agrotóxicos, Alex Campos recebeu o Grupo Amaggi, da família de Blairo Maggi, para tratar do Carbendazim. No site da Anvisa, o único outro registro de reunião sobre o assunto em 2022 é anterior à decisão emergencial de suspender o veneno: em 25 de março, o diretor Rômison Mota recebeu representantes da FT-Carbendazim, força-tarefa formada por empresas para atuar pela manutenção do agrotóxico no Brasil.
No caso dos dispositivos eletrônicos de fumar, a indústria questiona a recente decisão da diretoria colegiada da Anvisa, que aprovou em 6 de julho o relatório da área técnica que defende a manutenção da proibição desses produtos, instituída pela agência em 2009. Campos votou junto com os colegas pela aprovação do relatório.
Apesar disso, ele foi o diretor da Anvisa que mais teve interlocução com a indústria do tabaco em 2022. A BAT Brasil foi recebida duas vezes, em 8 de abril e 10 de março. E a Philip Morris Brasil foi recebida em 11 de abril.
Ainda não se sabe, entretanto, por quanto tempo Campos permanecerá no cargo, já que a posição deveria ter sido ocupada por outro diretor. Ao mesmo tempo, Cristiane Jourdan contesta o caso na Justiça, com o objetivo de reverter a mudança de comando.
Vínculos com o Centrão
Alex Campos originalmente é técnico legislativo da Câmara dos Deputados, onde entrou por concurso em 2011 – mas, antes disso, ele já circulava nos corredores da Casa como assessor parlamentar de políticos como ACM Neto (na época no DEM, hoje no União Brasil) e André de Paula (PSD-PE).
Com a vitória de Jair Bolsonaro, ele foi alçado ao Executivo federal como chefe de gabinete de outro político importante do antigo DEM, hoje União Brasil: Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde entre janeiro de 2019 e abril de 2020. Como notou uma matéria do JOTA, mesmo a ruidosa ruptura política entre Bolsonaro e Mandetta não impediu que o presidente indicasse Alex Campos para a Anvisa – o que aconteceu quase simultaneamente à crise, também em abril de 2020.
Campos assumiu a Quinta Diretoria, a dos portos e aeroportos, em novembro daquele ano. Quando nomeado, ele foi para a Anvisa numa modalidade de cessão em que a Câmara dos Deputados paga a maior parte do seu salário, de aproximadamente R$ 27 mil.
A agenda pública de Alex Campos se destaca em relação a dos outros diretores da Anvisa pelo alto influxo de parlamentares que recebe.
Procurada, a Anvisa não se pronunciou sobre os pontos levantados pela reportagem a respeito de Alex Campos.
Atraso do novo diretor
O fato de Alex Campos estar acumulando duas diretorias da Anvisa tem explicação. Cristiane Jourdan deixou o cargo no dia 24 de julho. O novo diretor deveria assumir na sequência, no dia 25 –o que não aconteceu. Trata-se de Daniel Pereira, atual secretário-executivo do Ministério da Saúde.
Procurada, a Anvisa esclareceu que Pereira tem 30 dias após a nomeação para assumir a vaga de diretor, e que a redistribuição de áreas entre os diretores ocorre sempre que há alterações dos componentes da diretoria colegiada, seja pela saída, seja pela posse. Porém, a agência não respondeu se com a posse de Pereira ou, eventualmente de outra pessoa caso ele desista, Campos retornará para a diretoria dos portos e aeroportos, ou migrará em definitivo para a área que cuida dos agrotóxicos e do fumo.
O fato é que Daniel Pereira e Alex Machado têm interlocução própria. Eles se reuniram ao meio-dia do dia 26 de julho. Poucas horas depois, às 18h, aconteceu a reunião extraordinária que tratou da redistribuição das diretorias.
Houve outra reunião apenas entre os dois em 3 de maio deste ano, quando Campos foi ao Ministério da Saúde a pedido de Pereira, segundo consta na agenda pública do diretor da Anvisa.
É, no entanto, recorrente que eles se encontrem em reuniões com mais pessoas, como no dia 11 de julho, quando se reuniram com Thiago Meirelles – que é irmão de Daniel Pereira, e tem um cargo de articulação na Casa Civil. Ou no dia 12 de julho, quando se reuniram com o Ministério da Economia.
A indicação de Daniel Pereira para a Anvisa já deu o que falar, e parte disso tem a ver justamente com o irmão. Em julho de 2020, Daniel exercia um cargo de gestão na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), onde é servidor. Na época, seu irmão, Thiago Meirelles Fernandes Pereira, era secretário-executivo adjunto da Casa Civil, comandada pelo general Walter Braga Netto. E Daniel foi o responsável por selecionar Isabela, a filha do general – que não tinha experiência com regulação, nem com saúde–, para um posto de trabalho na ANS, com salário de R$ 13 mil. A filha do general só não foi contratada porque o caso foi denunciado pelo sindicato das agências reguladoras, ganhando a atenção da mídia nacional. Com a polêmica, ela desistiu.
Quando o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, chegou à Esplanada, nomeou Daniel Pereira como seu assessor especial. Dali em diante foi amealhando poder e chegou à segunda posição mais importante da pasta – não sem antes ser indicado pelo governo Bolsonaro duas vezes para uma vaga de direção em agência reguladora. Houve uma primeira tentativa mal-sucedida em dezembro de 2021 na ANS, e uma segunda bem-sucedida em abril deste ano, já para a Anvisa.
Procurado, o Ministério da Saúde não esclareceu por que Daniel Pereira ainda não assumiu o cargo de diretor na Anvisa.
Disputa corre na Justiça
A posse de Daniel Pereira está sendo contestada na Justiça por Cristiane Jourdan, que luta pela prorrogação do mandato que se encerrou no último dia 24.
Jourdan alega que Pereira agiu em causa própria quando foi procurado para tratar de um parecer jurídico emitido pela Procuradoria Federal da Anvisa que concluiu que o mandato dela deveria ter cinco anos, com base em uma interpretação da nova lei das agências reguladoras. A reunião entre os dois aconteceu em 9 de março – e menos de um mês depois ele foi indicado pelo governo para o cargo de Jourdan. No meio tempo, um parecer da consultoria jurídica do Ministério da Saúde contestou as conclusões da Anvisa. O caso se encerrou em junho, quando a discrepância de interpretações foi arbitrada pela Procuradoria-Geral Federal da Advocacia Geral da União (AGU) em favor da tese do ministério, ou seja, Jourdan perdeu o cargo.
No plano jurídico, ela também tem sofrido revezes. Em junho, sua defesa entrou com processo contra a União no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. E também entrou com um pedido de tutela antecipada para que a Justiça impedisse que Daniel Pereira assumisse o cargo. Esse pedido foi negado na primeira instância. Os advogados recorreram à segunda instância, mas também não tiveram resposta.
O mérito do processo, porém, ainda precisa ser julgado. Ele tramita na primeira instância, e o Ministério da Saúde já fez suas alegações. Ao Joio, Jourdan afirmou que pretende levar o processo “até o Supremo”, se for preciso. Enquanto o imbróglio não se resolve, Alex Campos segue exercendo o cargo na Anvisa, acumulando duas diretorias estratégicas para o agronegócio e a indústria do tabaco.