Lideranças e organizações também pedem o fortalecimento da Funai e da Sesai, que devem permanecer em suas pastas atuais
A revogação de medidas adotadas pelo governo Jair Bolsonaro, a retomada da demarcação de terras e uma pasta com dotação orçamentária robusta precisam ser prioridade para o Ministério dos Povos Originários recém-anunciado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), defendem lideranças indígenas e indigenistas.
Nomes como Joênia Wapichana, Davi Kopenawa e a deputada federal eleita Sonia Guajajara (Psol-SP) foram indicados para o grupo de trabalho voltado ao tema na equipe de transição do governo, que reúne 15 pessoas, sendo 13 delas indígenas. A expectativa é de que uma liderança indígena assuma a pasta.
O coordenador-executivo da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinaman Tuxá, afirma que as prioridades do novo ministério devem ser a retomada das demarcações de terra, que foram totalmente paralisadas durante o governo de Jair Bolsonaro, o fortalecimento e a recomposição orçamentária dos órgãos indigenistas (ou que têm a pauta indígena entre suas atribuições) – Funai, Sesai, Ibama e ICMBio –, e a retomada do trabalho de fiscalização e monitoramento das terras indígenas.
Ele também defende um “revogaço” de medidas tomadas durante a gestão Bolsonaro e a exoneração de servidores colocados na Funai no último governo. “A começar pelo presidente do órgão [o delegado licenciado da Polícia Federal Marcelo Xavier]”, diz.
A promessa de um “revogaço” foi feita por Lula em abril deste ano, no Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília, que reuniu cerca de 5 mil representantes de 200 povos indígenas do país. Foi ali que surgiu, pela primeira vez, a proposta de criação de um Ministério dos Povos Originários.
O coordenador-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Antônio Eduardo Oliveira é mais um a defender o “revogaço”. Ele cita, entre as normas que devem ser extintas, a Instrução Normativa (IN) 09/2021, da Funai, que permite a regularização de propriedades privadas em territórios indígenas não homologados, e a IN Conjunta Nº1 Funai/Ibama, que permite o licenciamento ambiental acelerado de projetos de lavoura em terra indígena – abrindo caminho para projetos como o “Agro Xavante”, da Terra Indígena Sangradouro (MT), retratado na série de reportagens “Os Parceiros do Rio das Mortes”, do Joio.
Para ele, a criação de um ministério dos povos originários ajuda a dar visibilidade à questão indígena e possibilita a retomada de diálogo com essas populações tradicionais. “Também ajuda que algumas questões prioritárias represadas, como a demarcação dos territórios, voltem à pauta e a ser efetivadas pelo governo”, diz.
A deputada federal Juliana Cardoso (PT-SP), que integra o grupo de trabalho dos Povos Originários da equipe de transição, afirma que as discussões estão concentradas no fortalecimento da Funai e na garantia de políticas públicas aos povos indígenas.
“O trabalho do grupo de transição priorizará direitos dos indígenas à terra, o acesso à saúde e demais políticas públicas que precisam ser retomadas”, disse, em nota, ao Joio. “Além do fortalecimento da Funai com o necessário e urgente respaldo às atuações dos órgãos representativos dos povos originários.”
Funai e Sesai
Hoje, a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável por executar a política indigenista e proteger as terras indígenas, e a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), a quem cabe fornecer serviços de saúde pública aos povos originários, estão sob o guarda-chuva dos ministérios da Justiça e da Saúde, respectivamente.
“Ainda não sabemos a dotação orçamentária do Ministério e as suas atribuições”, afirma o coordenador da Apib, “Mas antecipamos que queremos que a Funai e Sesai permaneçam no Ministério da Justiça e Saúde”.
Beto Marubo, líder indígena do Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram assassinados, também defende que Funai e Sesai devam permanecer nos atuais ministérios. Para ele, a pasta dos povos originários deveria concentrar políticas públicas voltadas para os povos indígenas que estão pulverizadas em vários ministérios. “Tem questões sociais, programas de inclusão de renda, o acompanhamento da educação indígena. Como a educação é muito ruim e deficitária, há um êxodo. Há regiões onde há aldeias vazias, por exemplo”, relata. “Funai e Sesai devem permanecer onde estão. E a nova pasta deve assumir as demais políticas públicas de atenção aos povos indígenas”, defende.
Orçamento
A criação e a capacidade de atuação do Ministério também dependerá da existência de orçamento para a pasta. “Tem muitas coisas que podem ser executadas por esse ministério, mas ele precisa ter orçamento, senão vai ser apenas uma estrutura para justificar o que foi prometido em campanha presidencial”, aponta o indígena.
Marubo, que é liderança da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), lamenta que a organização não tenha sido chamada para integrar o grupo técnico de transição que vai discutir o ministério. Ele preocupa-se que as questões relacionadas aos grupos de isolados também sejam tratadas como prioridade no novo governo. “Reivindicamos nossa participação no grupo de transição. Eu e a viúva do Bruno [Pereira] nos encontramos com o Lula durante a campanha eleitoral e falamos da importância de serem incluídas nas conversações e planejamento as questões dos índios isolados”.
Agronegócio
O coordenador executivo do Cimi, Antonio Eduardo Oliveira, alerta para o que classifica como “armadilhas” geradas pela política de alianças da campanha de Lula, que abarcou parte do agronegócio.
“São setores que vão opinar pela continuidade dessa política [instituída pelo governo Bolsonaro], então vamos precisar ter mais diálogo com nossas bases”, afirma.
Um dos novos aliados do presidente eleito que poderia ser encaixado na categoria é o deputado federal cassado Neri Geller (PP-MT), que foi um dos facilitadores do projeto Agro Xavante em Brasília e agora compõe a equipe de transição de Lula.
Geller foi um dos poucos nomes fortes do agronegócio que apoiou Lula durante as eleições deste ano e é considerado importante para reduzir a rejeição do setor ao petista.
Em nota enviada ao Joio, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a Coiab, afirmou que a atribuição do novo Ministério dos Povos Originários seria a de “articular a implementação das políticas públicas na área ambiental, clima e economia indígena”.
A organização lembrou também da reativação Fundo Amazônia, que teve seus recursos bloqueados durante o governo Bolsonaro e que, com a vitória de Lula, deve voltar a funcionar, e a desintrusão de terras indígenas invadidas durante os últimos quatro anos.
Além dessas medidas, a Coiab advoga por ações defendidas por outras fontes ouvidas na reportagem, como a revogação de medidas consideradas anti-indígenas do governo Bolsonaro, a reestruturação da Funai e da Sesai e a “retirada das PECs (propostas de emenda à constituição) e PLs (projetos de lei) que retiram o direitos dos povos indígenas”