O Joio e O Trigo

Onde o vento faz a curva, feijão manda lembrança

Com impulso de corporações, energias renováveis ameaçam territórios no Nordeste e inviabilizam a vida de famílias agricultoras

“Irmão desconhece irmão
E aí dinheiro na mão é vendaval
Dinheiro na mão é solução
E solidão”

“Você vai esperar eu morrer para me tirar daqui?” A pergunta de Edite Maria da Silva calou fundo no companheiro. Seu Simão Salgado da Silva estava acostumado a receber visitas de estudantes de escolas e de universidades, de pesquisadores e de militantes. Dezenas de pessoas vinham ver de perto uma propriedade que era um modelo de agroecologia. Hoje, o turismo é outro: o sítio Pau Ferro se tornou um exemplo dos danos deixados pelos parques de energia eólica.

No final de 2021, diante do pedido de Edite, o casal deixou o sítio, localizado no interior de Pernambuco. “Ela [Edite] entrou numa depressão, uma ansiedade, um problema sério. Ela não dormia”, relata. “Também tinha que estar com ela correndo para os hospitais, para médico, para farmácia. Aí eu não tive escolha”, diz seu Simão, com olhos marejados. 

Seu Simão é um agricultor que saiu de suas terras por causa do Parque Eólico Ventos de São Clemente, empreendimento da Echoenergia localizado em Caetés (PE). A nossa reportagem percorreu mais de mil quilômetros entre Paraíba e Pernambuco para entender por que o semiárido nordestino está vivendo uma nova ameaça fundiária em nome desse desenvolvimento dito verde. 

Os ventos viraram um produto: são transformados em números, especulação e motivo para desapropriação de territórios. A Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), uma instituição que reúne empresas do setor, especula sobre a possibilidade de comoditização, ou seja, de que esse recurso natural seja negociado nos mesmos moldes de soja, milho e minérios. Estamos na era em que os ventos produzem “safra”.

A crise climática coloca os ventos e o sol como saídas para reduzir a geração de energia elétrica poluente, principalmente as fósseis provenientes de carvão mineral e gás natural. Isso porque a produção de energia tem um peso enorme na equação que envolve seres humanos e o meio ambiente. Então, se você pensa que as energias eólica e solar são limpas, bom, esse pensamento não está errado. A princípio. 

“Ainda é senso comum que a produção das energias solar e eólica é uma energia limpa. Então, isso acaba se tornando um foco importante, uma política de governo para o enfrentamento das questões das mudanças climáticas, que é o início desse nosso problema”, conclui Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA, uma associação civil que atua para o fortalecimento da agricultura familiar no semiárido paraibano, no Rio de Janeiro e no Paraná.

Desde 2018, Adriana vem se debruçando sobre os impactos das energias renováveis no semiárido e, durante a nossa conversa, ela frisou que esse projeto é controverso quando olhado de perto “porque estamos falando na ocupação de territórios camponeses, produtores de alimentos agroecológicos, que serão substituídos para geração de energia”. 

Vanúbia Martins, assessora da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba, a CPT, lembra que “as empresas chegam dizendo que aqui não tem nada. E vocês estão vendo, tem famílias. Essas famílias produzem alimento vegetal no período das chuvas e no período de estiagem elas são criadoras [de animais]”.

No processo de arrendamento da terra para a construção dos parques, os produtores perdem sua condição de segurado especial na Previdência Social. Pela lei, eles deixam de ser considerados trabalhadores rurais e passam a viver como pessoas urbanas.

Então, quando ele for requerer algum benefício previdenciário que tem que apresentar essa condição, ele não vai ter acesso aos benefícios previdenciários e também vai ter dificuldade de acesso às políticas públicas de apoio à agricultura familiar”, explica Claudionor Vital, advogado e sócio da ONG Centro de Ação Cultural e consultor do projeto desenvolvido pela ActionAid e pela CPT Paraíba, que tem como objetivo esclarecer os impactos das energias renováveis nos territórios. 

Agricultora familiar, Maria Alzira, na porta da casa de taipa localizada dentro do Parque Eólico Ventos de São Clemente, em Caetés (PE). Foto: Nathália Iwasawa

“As empresas chegam dizendo que aqui não tem nada. E vocês estão vendo, tem famílias. Essas famílias produzem alimento vegetal no período das chuvas e no período de estiagem elas são criadoras [de animais]”. Vanúbia Martins, assessora da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba

Lá em Santa Luzia, um município da Paraíba onde a nossa reportagem esteve, existem três parques eólicos que entraram em operação em 2017. Mas em março deste ano foi inaugurado o primeiro parque híbrido do país – eólica e solar –, o que faz dele o maior complexo de energia renovável da Neoenergia em toda a América Latina. A Neoenergia integra uma holding espanhola chamada Iberdrola que, além da Paraíba, já fincou aerogeradores na Bahia, no Rio Grande do Norte e no Piauí.

Considerando somente a demanda residencial, estima-se que o complexo híbrido possa atender um estado como Sergipe. Os aerogeradores desse empreendimento em Santa Luzia têm 150 metros de altura e pás de 64 metros de comprimento – equivalente a um prédio de 50 andares. 

Esses parques são monumentais. A Neoenergia arrendou 8.700 hectares de terra para a construção do complexo híbrido, que ocupa uma extensão territorial de 50 quilômetros. A usina solar de 233.280 módulos fotovoltaicos está em uma área arrendada de 462 hectares. O mar de placas solares ocupa uma superfície que equivale a 38 campos de futebol.

*As comparações são ilustrativas, não exatas. A área de um campo de futebol é variável, assim como a altura de um prédio.

Agora, imagine viver dentro dessa infraestrutura. As famílias que tiveram seus territórios especulados e invadidos pelos parques convivem com oruído dos aerogeradores noite e dia, ininterruptamente. Lá em Santa Luzia, eles até ganharam um nome: avião que nunca pousa.


Impactos reais 

“Ela grita, ela late que nem cachorro. Ela estrala. Ela dá um estrondo como se fosse um trovão. E tudo isso foi o que impactou na vida da gente aqui”, diz seu Simão. 

No início das obras, seu Simão relatou as explosões que dinamitaram pedras e lajeiros para dar início às fundações. Muitas árvores centenárias foram derrubadas durante o processo, mais um impacto ignorado sobre a construção dos parques. 

“Eles destruíram o umbuzeiro centenário, pau ferro centenário, braúna centenária, imburana centenária, uma série de plantas nativas da região eles destruíram”, lamenta o agricultor. 

Segundo a última edição do Relatório Anual de Desmatamento do MapBiomas, publicado em junho de 2023, os empreendimentos de energia renovável desmataram mais de 4 mil hectares de Caatinga só em 2022. 

Teve animal que abortou com as explosões, teve animal que quebrou pescoço, quebrou perna, porque quando dava aqueles grandes estrondos os animais se espantavam e partia por cima de pau e pedra. Teve muitos acidentes. Teve mulher que abortou também com as explosões porque achava que era um estrondo que estava acabando o mundo, como diz o ditado popular. Mas, além disso, veio também um grande maquinário pesado para abrir as estradas e a poeira foi insuportável”, diz seu Simão.

Simão Salgado da Silva e José Salgado da Silva, seu filho, no Sítio Pau Ferro, propriedade localizada dentro do Parque Eólico Ventos de São Clemente. Foto: Nathália Iwasawa

A propriedade de 33 hectares do seu Simão era uma referência agroecológica para a região. No pedaço de terra que ele divide com o filho José Salgado da Silva, recebia visitas para fazer atividades de intercâmbio e formação. 

“Eu estou recebendo agora apenas reportagens que vêm de outros estados, de outros municípios, para fazer a entrevista comigo, para eu relatar justamente os fatos, como eles estão acontecendo. Não é mais para mostrar o que a gente tinha antes aqui. Eu perdi a identidade de agricultor familiar e de agricultor agroecológico. Isso acabou”, desabafa o senhor de 74 anos, que hoje paga aluguel para morar na cidade.

A Casa dos Ventos chegou em Caetés em 2014 prometendo mundos e fundos para as famílias. Na época, segundo seu Simão, ninguém nem sequer sabia o que era energia eólica. 

A empresa é uma antiga investidora no mercado de energia renovável do Brasil. Fundada em 2007, ela participou do desenvolvimento de um em cada três parques eólicos em construção ou operação no Brasil, segundo o site da própria empresa. Quando ingressou no setor, a energia eólica representava cerca de 0,2% da matriz elétrica brasileira.

“Eu perdi a identidade de agricultor familiar e de agricultor agroecológico. Isso acabou.” Simão Salgado, agricultor familiar

Com uma sede em Fortaleza e outra na famosa Faria Lima, em São Paulo, a Casa dos Ventos tem parceria com multinacionais de diversos ramos como a Anglo American, um conglomerado britânico da mineração, Braskem, a maior produtora de biopolímeros do mundo, e Tivit, multinacional da tecnologia e informação.

O dono da corporação, Mário Araripe, é um dos 25 bilionários brasileiros e o homem mais rico do Ceará, de acordo com o ranking da revista Forbes. Araripe, antes de chegar no ramo das energias renováveis, já entendia de gestão de grandes negócios. Ele é o fundador da Troller, montadora brasileira de jipes, que foi vendida à Ford em 2007 em um negócio estimado em R$ 600 milhões.

O abismo que separa esses dois homens é enorme. Se de um lado, Araripe vive na crista da onda das energias renováveis, seu Simão passou a viver uma situação em que precisa comprar – com esforço – a alimentação básica, que antes era produzida no próprio sítio. “A gente tinha o ovo pra comer, para vender, para dar à pessoa que precisava. Hoje nós estamos comprando ovo de granja, nós temos galinha e estamos comprando ovo de granja, porque teve um impacto muito grande na produção de ovos [no sítio]”, diz. 

A ameaça 

A nossa reportagem percorreu cidades que compõem o Pólo da Borborema, na Paraíba, uma coalizão de 13 sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e associações da agricultura familiar – uma referência para o Brasil inteiro na articulação sindical e agroecológica. Ele nasceu em 1996, a partir de três sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, e foi se constituindo para fortalecer uma agricultura familiar de base agroecológica no território.

Para conhecer o ciclo do milho agroecológico produzido no Pólo da Borborema, em contraposição ao percurso linear do milho commodity do agronegócio, baixe o material ilustrado publicado na seção Mesa Cheia no site de O Joio e O Trigo.  

Em 2018, durante uma visita de campo no município de Esperança, a equipe da AS-PTA encontrou um anemômetro – um aparelho usado para medir a incidência de ventos – instalado em uma das comunidades. Isso acendeu o alerta no território, e fez o Pólo da Borborema se organizar ainda mais para buscar informações e entender o que estava em jogo e por que o território, exímio produtor de alimentos, estava ameaçado. 

A sombra projetada no solo também é um incômodo grande para as pessoas e para os animais.

Entre 2010 e 2021 os aerogeradores movimentaram R$ 42,3 bilhões, segundo a ABEEólica. O Brasil já tem quase mil parques eólicos e uma geração de energia elétrica proveniente dos ventos que corresponde a 26GW de capacidade instalada. A termo de comparação, a Usina de Itaipu, uma das maiores hidrelétricas do mundo, tem 14GW de capacidade. 

Na última década, a oferta das fontes eólica e solar registrou crescimento no país, de 92% e 15,5%, respectivamente, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os dados reforçam uma uma percepção que as comunidades sentem na pele. 

Jailma Fernandes, agricultora e presidente do Sindicato Rural de Montadas, aponta o assédio sofrido pelas famílias. Tinha dia que a gente não sabia como se dividir, porque a gente estava em muitos espaços falando, defendendo o nosso território, dizendo ‘não’”.

Adriana Galvão reforça que, em 2020, as empresas viram uma tempestade perfeita para investir na Borborema. A pandemia, somada ao desmonte de políticas públicas de proteção da agricultura familiar e combate à fome, já formava um cenário delicado para a população. Mas, no Nordeste, havia outro fator bastante importante nessa equação.

“A Borborema se encontra no semiárido brasileiro e o semiárido é conhecido por esses períodos de chuva, mas também é entremeado por períodos de estiagem. Acontece que, de tempo em tempo, a gente tem períodos prolongados dessa estiagem. E o que a gente viveu desde 2011 até 2020, 2021, foi um grande período de estiagem. Durante todo esse período, o que choveu foi bem abaixo da média. Em alguns lugares, choveu menos da metade do que a média”, pontuou Adriana. 

Essa tempestade perfeita deu espaço ao que ela chamou de canto da sereia. As propostas de arrendamento da terra para a construção dos parques eólicos começavam a chegar como a salvação da lavoura. 

“Quando a empresa chega, ela só fala nos benefícios. Fala que a família vai receber aquele valor xis, [a empresa] conta até como se fosse uma aposentadoria para eles [agricultores], que você vai ficar por toda a vida garantido. Mas eles não explicam quais são os impactos negativos”, diz Jailma.

Jailma e Joaquim Santana, vice-presidente do sindicato Rural de Montadas e presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável. Foto: Nathália Iwasawa

É importante ressaltar que os parques eólicos não chegaram de uma hora pra outra. Esses investimentos foram catalisados em 2002 pelo Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (ProInfa), uma iniciativa do governo federal que incentiva a implementação de usinas de energia eólica, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa. 

A meta do programa era que essas fontes representassem 10% do consumo anual de energia elétrica no país, em até 20 anos. Hoje, esgotado o prazo instituído pela lei, a energia eólica, sozinha, já representa mais de 10% da oferta da matriz energética brasileira. 

“É um projeto mais antigo, mas ela tem uma curva ascendente nos últimos anos, tornando uma política de governo do governo passado, que também é uma política deste governo, na medida em que precisa dar respostas para as questões ambientais do governo passado”, lembra Adriana. 

Os parques de energia eólica começaram a ser instalados em regiões com grande potencial de ventos, mas não só por causa das condições naturais favoráveis. Esses empreendimentos chegaram primeiro onde já existia infraestrutura, ou seja, principalmente no litoral brasileiro.


As terras que as empresas usam para instalar os parques são arrendadas por contratos que duram 40, 50, 60 anos, a depender da situação. Em tese, os agricultores não perdem a terra, mas perdem a posse, o direito de uso. 

Jailma Fernandes conclui que, ao assinar o contrato, o agricultor ou agricultora compromete várias gerações da família. “Quando uma pessoa, um agricultor, assina o contrato, ele está dizendo ‘não’ a toda a sua família, porque o seu filho não vai produzir naquela terra, o seu filho não vai poder criar, sua nora, seu genro”, diz a presidenta do sindicato Rural de Montadas.

Além disso, os empreendimentos ameaçam a questão da segurança alimentar e “o nosso agricultor produzir sem veneno, porque ele não vai fazer usufruto da sua terra conforme deve quando esses parques foram instalados”, acrescenta Jailma.

Contratos legais, mas injustos 

“Poucas pessoas entendem essa relação que os camponeses têm com seu lugar, com seu modo de vida, eles preferem estar ali do que o que eles chamam de desenvolvimento”, ressalta Adriana Galvão.

Os contratos entre as empresas e as famílias contêm muitas assimetrias e são o rompimento do elo do agricultor com a terra.

Para Claudionor Vital, a remuneração pelo uso da terra é um escamoteamento de uma apropriação da renda, porque as empresas pagam pela terra, mas exploram também os ventos. “Então, é o processo de mais valia que a gente vê nas relações de trabalho, sendo aplicado aqui, nesse processo de expansão das energias renováveis”, diz. 

As empresas de energia eólica oferecem uma renda mensal às famílias que concedem sua terra para instalação de aerogeradores. Quem cede a propriedade para usufruto do empreendimento, mas não recebe um aerogerador, é pago com um valor anual. São valores módicos, quase simbólicos, que variam de R$ 1.800 a R$ 3 mil por ano. 

Quando a propriedade tem um aerogerador e está gerando energia, os contratos têm estabelecido um valor de 1% a 1,5% da receita bruta do parque eólico. Esse valor é calculado proporcionalmente ao número de aerogeradores.

O prometido é uma coisa, mas a realidade é outra. “O agricultor não tem acesso ao relógio, ao contador. Só as empresas”, denuncia seu Simão. “E bateu certo no que eu disse, porque eles prometeram de R$ 3.500 a R$ 4 mil por mês, mas está gerando R$ 1500 a R$ 1700 cada [propriedade].”

A energia gerada por esses parques eólicos vai pro Sistema Interligado Nacional, que centraliza a produção e a transmissão de energia elétrica do Brasil. No território nacional, existem pouquíssimos lugares que não estão integrados nesse sistema. Na prática, o território produz um bem de alto valor agregado, mas fica com todo o ônus. A energia eólica que é produzida no Nordeste não serve à região, e acaba suprindo a demanda de grandes centros urbanos, localizados principalmente no Sudeste.

A estratégia das empresas é não contratar coletivamente os territórios, mas, sim, fazer uma abordagem com cada família, de forma individual.

O sigilo sobre o contrato é uma das cláusulas mais polêmicas. É um ponto que reforça esse desmembramento da comunidade: quando um agricultor assina o contrato, ele não pode comunicar sobre isso a ninguém, sob pena de multa.

“O único objetivo dessa causa é exatamente inibir, amarrar, amordaçar as famílias, que ficam com até com receio, com medo de ir buscar esclarecimento”, comenta Claudionor. Assim, os agricultores não procuram o sindicato, a associação, muito menos uma assistência jurídica. “Essa é uma cláusula abusiva”, conclui o advogado.

Muitos agricultores assinam sem ler, e é comum que não fiquem sequer com uma cópia do documento. Jailma, agricultora e presidenta do sindicato rural de Montadas, reitera esse ponto. “Como é que um agricultor, muitos analfabetos, vai ler 15 páginas? Com aquelas letrinhas daquele tamanho? Eles não sabem o que está ali [no documento] e não ficam com cópia nenhuma”, diz. 

O contrato também prevê que as empresas podem rescindir a qualquer tempo, sem ônus, mas as famílias podem pagar multas estratosféricas se decidirem voltar atrás.

Em resposta à nossa reportagem, a Neoenergia afirmou que as cópias dos contratos são entregues aos agricultores, e que nenhum aspecto é negligenciado pois os credores são globalmente reconhecidos como “verdes”.

A Echoenergia, por sua vez, disse que todas as demandas das famílias são atendidas prontamente e que todos os contratos foram entregues na época da construção do parque. 

Desenvolvimento verde?

Apesar de a água ser considerada, junto com o vento e o sol, um recurso renovável, a construção das barragens para o represamento traz um impacto socioambiental enorme. Um dos maiores expoentes desses impactos, a Usina de Belo Monte, que começou a operar em 2016, continua afetando as vidas das populações tradicionais da Amazônia. Mas, mesmo assim, tecnicamente falando, é considerada uma energia limpa, ou energia verde, porque não esgota os recursos nem gera gases responsáveis pelo efeito estufa durante a geração. 

Por isso a necessidade de repensar as hidrelétricas, que correspondem pela maior fatia na matriz, com 65,2% de participação. O sol e os ventos entram na equação como uma necessária saída verde – ainda que os meios para se chegar lá sejam sujos. 

O território onde está o Pólo da Borborema tem 24 empreendimentos em fase de pesquisa. Consultamos os dados disponíveis na Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, e a região de Santa Luzia, lá no médio sertão paraibano, está sendo estudada para triplicar o número de aerogeradores em funcionamento. 

A intenção é que esse crescimento das chamadas energias renováveis ajude o Brasil a honrar o compromisso assumido na COP 26 de antecipar a neutralidade climática de 2060 para 2050. Isso quer dizer que o país precisa equilibrar as emissões e as absorções dos gases de efeito estufa.

Na COP 27, que aconteceu em novembro de 2022, o presidente Lula já mostrou que o Brasil seguirá nessa linha de ocupação do Nordeste. “Conjugar desenvolvimento e meio ambiente também é investir nas oportunidades criadas pela transição energética, com investimentos em energia eólica, solar, hidrogênio verde e bicombustíveis”, disse em seu discurso. “São áreas nas quais o Brasil tem um potencial imenso, em particular no Nordeste brasileiro, que apenas começou a ser explorado.”

O discurso global coloca a necessidade da entrega de resultados ambientais pelos sistemas financeiros e suas estruturas, que precisarão se atualizar juntamente com outros atores financeiros, o que inclui os governos. Aqui, a União pretende investir R$ 50 bilhões na produção de energia renovável neste ano.

“Só que um processo que não tem sido levado em conta é o carbono que está retido na natureza, nas plantas, no ciclo, no solo, na raiz das plantas. Com o processo de supressão da vegetação, esse carbono volta para a atmosfera. Então você vai deixar de emitir carbono no funcionamento desses parques eólicos e das usinas solares. Mas você, antes disso, já liberou o carbono que estava retido. Então isso é um fator que precisa ser levado em conta”, avalia Claudionor Vital.

Além disso, as energias ditas limpas têm alta demanda por minerais. Lítio, cobre, níquel, manganês, grafite e zinco são metais e minerais componentes-chave em turbinas eólicas, por exemplo.

Mas o desenvolvimento – aqui pensando no seu viés verde – é sempre entendido como uma necessária apropriação da natureza, e o Brasil entra como como esse grande produtor de energia limpa pro mundo. 

Nesse processo de geração de energias renováveis a gente tem visto que todo o controle do processo está sobretudo na mão do capital privado internacional. A própria Casa dos Ventos, que até há pouco tempo era 100% brasileira, vendeu em 2022 35% da participação para a gigante francesa Total, mais conhecida por sua atuação no setor de petróleo. No Brasil, a corporação também adquiriu a rede de postos de combustíveis Zema.

Em março deste ano, o parque híbrido em Santa Luzia foi inaugurado com a presença de gestores locais e também do Executivo Federal. Estiveram presentes o presidente Lula e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Na ocasião, o Pólo da Borborema, juntamente com outros movimentos populares que estão na luta para proteger os seus territórios, decidiram ir até o médio sertão entregar uma carta do movimento para o presidente. Mas o plano foi por água abaixo. 

“Como era um empreendimento fechado, privado, organizado pela empresa e a gente não teria acesso a chegar nesse local. E então fomos convidados e convidadas pelo governo federal de irmos até Brasília para que a gente pudesse conversar com o secretário geral da República, o ministro Márcio Macedo”, relatou Adriana Galvão.

Desse encontro, foi instituída uma mesa de diálogos interministerial, que pretende debater a implementação desse projeto junto com as comunidades. Cabe perguntar: e agora, Lula?

Se, por um lado, há a necessidade concreta de diversificar as fontes de energia elétrica e apostar em recursos não poluentes, por outro, existe um impasse no caminho: as vidas e os territórios de centenas de pessoas que vivem nas comunidades rurais da Caatinga. 

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