Crise no Panamá joga para 2024 evento-chave da ONU para o controle do tabaco, dando margem para indústria reforçar lobby para influenciar posição do Brasil sobre dispositivos
Desde o começo da semana, a décima Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP 10) já dava indícios de que poderia ser postergada. Na tarde desta quinta-feira (9), veio a confirmação.
O evento presencial, que reuniria no Panamá de 20 a 25 de novembro delegações de 183 países – incluindo o Brasil – vai ficar para o início de 2024, ainda sem data definida.
Segundo o comunicado oficial do secretariado da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQCT), o governo panamenho informou que a realização do evento não é mais viável, devido a uma questão de segurança dos participantes.
O país passa por uma convulsão social desde 20 de outubro, quando o governo renovou contrato com a mineradora canadense First Quantum Minerals para explorar a maior mina de cobre das Américas.
Se o contrato antigo já era objeto de disputa judicial desde 2017, o novo não parece ser muito melhor. A First Quantum pode explorar a mina por 20 anos, renováveis por mais 20, em troca de 375 milhões de dólares em royalties pagos ao governo.
Vias rodoviárias e pontos centrais da Cidade do Panamá estão tomados por manifestantes – descontentes não só com os termos da concessão à mineradora estrangeira.
“Os manifestantes dizem que o governo não está sendo transparente e que executa medidas sem prestar contas à população”, afirma o jornalista peruano Luis Morey, que trabalha no país-sede da COP 10.
Orçamento para sediar o evento
Embora a crise política no país seja evidente, ela pode não ser o único motivo para o adiamento da COP 10.
O jornal panamenho La Prensa afirma que a realização do evento estava sendo contestada por usuários do sistema nacional de saúde daquele país. De acordo com uma reportagem publicada em agosto deste ano, havia insatisfação com o custo do evento, orçado em 5 milhões de dólares. As conferências são em parte bancadas pela ONU, em parte bancadas pelo país-sede.
Ainda segundo o La Prensa, o governo revogou no fim de outubro o contrato firmado com o Consórcio COP 10, por não concordar com os valores dos serviços cobrados pela empresa proprietária do local do evento.
O Joio entrou em contato com secretariado da Convenção-Quadro e com o Ministério da Saúde do Panamá, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
“Mais tempo para o setor se mobilizar”
Quem está vibrante com o adiamento da COP 10 são os representantes da indústria do tabaco e seus aliados. A começar pelo estado que detém a maior parte da produção de fumo no Brasil – que é o maior exportador de tabaco do mundo.
A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul publicou na quinta (9) a opinião de um de seus representantes, o deputado Marcus Vinícius (PP). “Vamos poder ampliar as discussões internas no país, teremos também mais tempo para mobilizar outros ministérios em Brasília”, afirmou o parlamentar.
Ele é relator da Subcomissão em Defesa do Setor do Tabaco e de Acompanhamento dos Trabalhos da COP 10 e um dos responsáveis pela produção de um relatório totalmente alinhado aos interesses da indústria do fumo que faz nove recomendações ao Executivo e Legislativo federais.
De fato, os defensores dos interesses da indústria do fumo terão mais tempo para pressionar os ministérios, como já fizeram com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e o Desenvolvimento Agrário (MDA).
O lobby nas duas pastas parece ter dado frutos. A secretária-executiva da Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq), Vera Luiza Costa e Silva, confirmou ao Joio que tanto o Mapa quanto o MDA enviaram ofícios à ministra da Saúde Nísia Trindade pedindo que o Brasil não se posicione contra a liberação dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), tema mais quente da COP 10.
Segundo ela, a indústria alega que o processo regulatório desses dispositivos ainda não foi concluído.
Desde 2009, os dispositivos eletrônicos são proibidos no Brasil. Em 2022, a diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) votou pela manutenção da proibição. Embora a nova norma ainda não tenha sido publicada, a anterior continua em vigor.
Delegação brasileira e sociedade civil lamentam adiamento
Se por parte da indústria do tabaco houve comemoração, a sociedade civil faz uma avaliação bem diferente do adiamento da COP 10.
Isso porque a COP 9 deixou muito a desejar, principalmente para o Brasil. Como o Joio revelou, alterações de última hora – altamente favoráveis à indústria do fumo – deixaram a delegação brasileira desfalcada.
“Antes da última COP, o histórico do Brasil era de liderança nas discussões. A gente espera que essa liderança seja retomada, que sua delegação seja preservada e que sejam mantidas a autoridade e a competência da Conicq até a realização da conferência”, afirma Mônica Andreis, diretora-geral da ACT Promoção da Saúde, ONG que atua no combate ao tabagismo no Brasil.
Além disso, o evento foi virtual por causa da pandemia. Com pauta enxuta, os assuntos mais polêmicos, como os cigarros eletrônicos, ficaram para a COP 10.
“Os países estão muito alarmados com o aumento do consumo desses dispositivos por adolescentes no mundo, e é preciso fazer uma discussão de como abordar essa questão, ouvir a experiência de países onde esses produtos são permitidos e onde são proibidos”, avalia Vera Luiza, para quem há uma grande demanda reprimida de discussões para controle do tabaco.