O Joio e O Trigo

Projetada para ser referência mundial, diversificação do tabaco sofre bloqueio já no Brasil 

Pequeno durante os governos petistas, programa foi abandonado por sucessores, o que resultou em enfraquecimento da agricultura familiar e da alternativa via produção de alimentos

A produção global do tabaco caiu nos últimos 20 anos, mas o Brasil teve aumento de área plantada do cultivo. Um movimento tão significativo quanto a queda de produção é onde ela aconteceu. Houve uma tendência à saída da cultura dos países mais ricos — como China, Estados Unidos, Itália, Espanha e Canadá —, com uma transferência a países mais pobres. Os dados fazem parte de uma nota técnica da organização ACT – Promoção da Saúde, redigida pelo professor Valter Palmieri Júnior, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele destaca que a diversificação, com a expansão de outros cultivos em áreas antes dedicadas apenas ao tabaco, é parte da Convenção-Quadro Para o Controle do Tabaco (CQCT), da Organização Mundial da Saúde (OMS), primeiro tratado internacional de saúde da História, da qual o Brasil é signatário.

Palmieri aponta a relação direta entre a produção de tabaco e a falta de áreas para a produção de alimentos, notadamente da agricultura familiar. “Importante ressaltar que Malauí, Zimbábue e Tanzânia [na África] quinto, sexto e sétimo, respectivamente, no ranking dos países com maior quantidade de terras para produzir tabaco, estão na lista atual da ONU dos 19 países com maior grau de insegurança alimentar do mundo”, aponta. 

A economia desses países é hoje extremamente dependente do tabaco. Apesar de a situação brasileira não ter comparação com casos dessa gravidade, Palmieri destaca que o país voltou a ser incluído no Mapa da Fome nos últimos anos e que o tabaco, além de prejudicial ao consumidor, não traz desenvolvimento humano para o agricultor. Ele defende que o governo federal crie condições para que essas áreas e famílias passem a se dedicar à produção de alimentos, como resposta ao aumento da fome, nos últimos anos. Seria, também, uma forma de acomodar a produção nacional de tabaco em um patamar mais baixo.

O pesquisador destaca as dificuldades de formação e renda dos pequenos produtores no Brasil. A maioria dos agricultores não concluiu o ensino fundamental e têm rendimentos abaixo de outras atividades dentro dos mesmos municípios. Geralmente, o plantio de fumo é pouco mecanizado e depende da mão-de-obra de famílias inteiras que têm na atividade a principal forma de sobrevivência. 

Além de abandonar o fumo ser um desafio para o consumidor, do lado oposto da cadeia, o agricultor que planta tabaco também sente os danos que o cultivo provoca na saúde, o que advém — também — da relação desigual com as corporações do fumo e o consequente endividamento crescente e injusto.

Mesmo assim, plantadores das folhas de tabaco têm dificuldades para abandonar a atividade. Hábitos culturais que acompanham as famílias há gerações — como a reunião familiar em torno do cultivo e o passar de conhecimentos da produção de geração em geração —, e a dificuldade de acesso a outros mercados consumidores e a técnicas de produção de outros plantios são algumas das barreiras à diversificação, que possibilitaria o aumento de áreas para novas opções. 

Pesquisas revelam que os agricultores expõem o desejo de sair da atividade, que consideram causa de graves problemas de saúde. Em um levantamento feito em 2016 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, 76% das famílias produtoras de tabaco revelaram a vontade de diversificar ou interromper o cultivo de fumo. 69% reclamaram de dores nas costas e 48% sofreram com vômitos durante a colheita. Há relatos de problemas de saúde mais graves relacionados ao trabalho. 

Outra pesquisa de campo, feita pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), apontou que 65% das famílias produtoras tinham desejo de deixar a dependência econômica do produto. A produção nacional é concentrada na Região Sul, notadamente no Rio Grande do Sul.

Brasil: protagonismo fora do palco  

Em 18 anos de Convenção-Quadro, alguns países já apresentaram nos relatórios de progresso global uma evolução na diversificação no cultivo. Em 2021, a China destacou a substituição do tabaco por cogumelos, flores, rabanetes e arroz orgânico. A Colômbia citou como alternativas o milho, açúcar mascavo e limão. No Equador, foi usado o cacau e, na Malásia, kenaf, uma planta do gênero hibiscus. 

Três anos antes, o relatório destacou, como culturas alternativas, batatas (Serra Leoa e Tunísia); açafrão (Afeganistão); milho, feijão, tangerina e abacate (Colômbia); abacaxi, cana-de-açúcar e café (Costa Rica); grãos de cacau e café (Equador); e kenaf (Malásia). 

Alguns países também apresentaram resultados de uso das áreas para pecuária, com peixes e animais de pequeno porte. Na contramão, o Brasil não apresentou resultados em nenhum dos relatórios. O país teve apenas duas chamadas para assistência técnica à diversificação: em 2011 e 2013, durante o governo petista de Dilma Rousseff. A terceira edição, prevista para 2017, já no governo Michel Temer (MDB), foi suspensa sob o argumento de “falta de recursos”.

A mudança de governo enfraqueceu um trabalho que já se desenvolvia com dificuldades, como analisa o professor-pesquisador mexicano Dagoberto de Dios Hernández, da Universidad Autónoma de Nayarit, que fez o mestrado no Brasil. “Nos primeiros governos Lula, o Ministério do Desenvolvimento Agrário teve um papel de desenvolver políticas de referência global para a agricultura familiar, com a criação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a reestruturação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e de universalização do acesso à água tratada e a energia elétrica”, afirma. Outros países em desenvolvimento passaram a replicar políticas brasileiras. No caso do tabaco, segundo ele, apesar do Brasil ter sido importante na estruturação do projeto internacional, o protagonismo não foi mantido.

Portanto, as dificuldades que se agravaram nos governos Temer e Bolsonaro já se apresentavam nas gestões petistas. Uma das causas apontadas por Dios Hernández é o duplo comando de políticas públicas. Enquanto o Ministério do Desenvolvimento Agrário desenvolvia políticas de agricultura familiar e o Ministério da Saúde trabalhava em favor da saúde pública e coletiva, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento era uma área de domínio dos interesses do agronegócio. 

Ao mesmo tempo em que outros ministérios desenvolviam políticas de controle do fumo, o Ministério da Agricultura passou a abrigar uma Câmara Temática para atender aos interesses da indústria do tabaco. “Depois do governo de Dilma Rousseff, houve um corte de recursos e um estreitamento das políticas públicas, que não contemplava a assistência à agricultura familiar, por exemplo”, explica.

Para complicar ainda mais, os programas de incentivo à diversificação, que já eram pequenos durante os governos do PT, foram frontalmente atacados por Temer e Bolsonaro. Assim, um projeto estruturado pelos órgãos de saúde brasileiros e que foi criado para ser referência internacional, cujas diretrizes foram adotadas pela OMS, não conseguiu atingir os resultados esperados dentro do país de origem.

O Brasil desenvolvia políticas de controle da produção e consumo de tabaco desde 2005, como a política diferenciada de impostos e a divulgação dos malefícios aos consumidores e as restrições à propaganda do produto. Com o implemento de ações para reduzir o número de fumantes, o objetivo é criar condições para que os trabalhadores envolvidos na cadeia produtiva tenham oportunidades de qualificação em outras áreas, para manter ou expandir a renda e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida. 

COP.: Na conferência das partes para a implementação da CQCT, realizada a cada dois anos, a indústria insiste em fazer lobby Reprodução: Global State of Tobacco Harm Reduction.

Formação ideológica e o duplo preconceito    

Se o lobby da indústria é capaz de influenciar as políticas em Brasília, ele consegue ser ainda mais nocivo no âmbito local, com atuação junto a prefeitos, vereadores e associações de produtores, como o Joio já foi investigar

O professor Joel Orlando Beliváqua Marin, do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), do Rio Grande do Sul, reforça essa situação “O sistema das indústrias tem uma capilaridade muito maior do que as políticas públicas podem alcançar, na influência direta aos produtores, inclusive”, afirma. Os chamados orientadores agrícolas de corporações como Philip Morris, British American Tobacco (ex-Souza Cruz), Japan Tobacco International (JTI), entre outras, acompanham sistematicamente o trabalho do agricultor a partir de uma inserção social importante, que os legitima nas comunidades para transmitir as informações e interesses das megaempresas. 

Aliados ao conhecimento da realidade local, muitos deles têm uma relação com os agricultores, de amizade, parentesco ou compadrio. Além de passarem questões técnicas para a produção, eles se tornam portas-vozes ideológicos do setor.

A figura do orientador é só um exemplo da forma como a “integração vertical” funciona na prática e do desafio de oferecer uma alternativa que pareça viável para o agricultor. Nessa forma de integração, a empresa tem o controle sobre toda a cadeia de produção, com decisões sobre quais serão as sementes e os agrotóxicos usados, e decide, no momento da compra, o valor e a classificação das folhas colhidas. 

É como se o agricultor prestasse o serviço de dispor a terra, plantar e colher para a indústria. “Ele [o orientador] faz um acordo com a indústria que prevê quantos pés ele vai plantar para fornecer determinado número de folhas. A partir daí, o agricultor recebe as sementes, os agrotóxicos e os equipamentos necessários para a safra, que só serão cobrados na forma de descontos quando ele entregar o produto. Existe uma garantia de compra”, revela o pesquisador Marcelo Moreno, do Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde (Cetab), da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

Por outro lado, o sistema dá plenos poderes para a empresa, que irá classificar e decidir qual será o valor pago pelas folhas. O prejuízo por uma quebra de safra será absorvido pelo pequeno produtor, que passará a ter uma dívida com a empresa. Para Moreno, a diversificação é uma resposta não só às políticas públicas de combate ao tabaco, mas ao próprio movimento de concentração das indústrias nas propriedades com mais capacidade de produção de folhas de melhor qualidade. “Atualmente, são 150 mil famílias que vivem do cultivo do tabaco no Brasil . Alguns anos atrás eram 240 mil. Além dos que desejam abandonar a atividade, existem 90 mil famílias que foram excluídas do processo e que não sabemos qual é a atual atividade principal para o sustento”, diz.

Ciente do desequilíbrio da relação entre agricultores e as empresas do setor, a procuradora do Trabalho no Paraná, Margaret Matos de Carvalho diz que a instituição atua desde 2007 para reconhecer os fumicultores como trabalhadores da indústria. Com base nos casos que acompanha, ela afirma que a atividade não rende o que é prometido e que os trabalhadores sofrem comprometimento da saúde graças ao contato com o cultivo das folhas de fumo. “O contrato de integração é quase uma forma de servidão”, acredita. Para ela, o poder da empresa de fazer a classificação e assim ditar o preço é um dos fatores que reforça a relação desigual. “O fato de o agricultor ter de cumprir as metas de produção abre espaço para a exploração do trabalho da família inteira, inclusive de adolescentes e crianças”, diz. Para ela, existe um incentivo, mesmo que velado, para que as famílias aproveitem o vigor físico dos adolescentes, que contam com a idade e o fato de não terem sido afetados pelos anos de trabalho como fatores que aumentam a produtividade deles em esforços físicos.

A procuradora destaca ainda que o trabalho é exaustivo em alguns momentos, como a secagem, cujo processo precisa ser acompanhado 24 horas por dia, sete dias na semana. Nesse período, é normal que os integrantes da família revezem, em plantões, para dar conta da atividade Aspecto importante é que a quantidade de agrotóxicos empregada é considerável.

Essa exposição aos agrotóxicos e à própria nicotina das folhas, tem consequências. Hoje aos 47 anos, a paranaense Lídia Prado é um exemplo dos riscos do cultivo do tabaco. Ela começou a ajudar os pais quando criança, na plantação. “Lembro de dormir em pilhas de fumo dentro dos galpões”, conta. 

Largou a escola após a morte do pai, no terceiro ano do ensino fundamental, para ajudar na produção e na criação dos irmãos mais novos. Desde então, trabalhou direto na atividade até a safra 2007/2008, quando teve um desmaio na lavoura. As fortes dores de cabeça, os vômitos e a perda de capacidades motoras vieram na sequência, mas o diagnóstico de polineuropatia só chegou anos depois, quando ela já necessitava de uma cadeira de rodas para se locomover. “Tem muitas coisas que a gente só relaciona à atividade depois, como a depressão que tive na juventude”, diz. 

Lídia está perto de conseguir que a Justiça reconheça a responsabilidade da indústria pela intoxicação que causou a doença e arcar com os custos dos medicamentos, decisão tomada em primeira instância e ratificada na segunda. Além dos problemas de saúde, que a obrigam a viver na cidade com parentes, ela vive uma situação de duplo preconceito: “Não é fácil ser cadeirante, ainda mais numa cidade pequena, e, muitas vezes, as pessoas aqui me olham com desconfiança, porque me veem como aquela que está enfrentando a fábrica, que consideram uma fonte de renda importante para o município”, diz.

O grande desafio da advogada de Lídia, Vânia Moreira, era relacionar de maneira inequívoca os problemas de saúde da cliente com o trabalho na plantação de tabaco. Vânia tem trabalhado com outros casos de fumicultores (como são chamados, no Sul, os agricultores das folhas de tabaco) e atuou em duas frentes: a obtenção da aposentadoria por invalidez e a responsabilização da empresa pelos danos. “A gente não queria o reconhecimento de emprego, mas, de trabalho, e a Justiça acatou na primeira e segunda instâncias. O caso ainda depende de um recurso no Tribunal Superior do Trabalho (TST) ”, explica.

O laudo que relacionou a polineuropatia à atividade laboral foi assinado pela médica Virgínia Dapper, uma das mais importantes especialistas em intoxicação e agrotóxicos do Brasil.

Colheita de tabaco em Alagoas. Foto: Raquel Torres

Ela não está só 

Apesar de ser emblemático, o caso de Lídia não é isolado. A intoxicação aguda foi encontrada em quase metade dos casos de uma pesquisa feita com 46 fumicultores e ex-fumicultores, pela Secretaria de Saúde do Paraná em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR). 

Yumie Murakami, uma das responsáveis pelo estudo, aponta que nesses casos os problemas de saúde são vistos como crônicos e se manifestam em formas neurológicas, hormonais e de infertilidade. O trabalho dela agora é para que o Sistema Único de Saúde (SUS) reconheça a intoxicação aguda como uma doença relacionada à atividade.

Existem pesquisas que relacionam a atividade à maior propensão ao suicídio. Segundo a agrônoma Laila Drebes, doutora em Extensão Rural pela UFSM, a preocupação surgiu com base nas informações sobre os índices do Vale do Rio Pardo, polo produtor de tabaco do Rio Grande do Sul. Para ela, além do problema com a exposição a produtos neurotóxicos, é preciso levar em conta a cultura da comunidade ligada à produção das folhas. “O endividamento junto à indústria e o adoecimento que faz com que alguns deles não se sintam mais produtivos são alguns problemas que atingem em especial essa população”, comenta. 

Pior: apesar dos riscos, a falsa sensação de lucro é um dos fatores que mantém a atratividade do negócio, segundo a pesquisadora Renata Piecha, doutoranda no programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFSM. “Como o agricultor recebe o montante inteiro uma vez no ano, ele tem uma sensação de que recebe um valor alto pela atividade na comparação com outras atividades de ganho semanal ou mensal”, afirma. O fato de as famílias já terem todos os equipamentos necessários para a fumicultura, o que não teriam para outras atividades, é outro fator que os leva a continuar na produção. A desvalorização mercantil de outros produtos tradicionais na região, como o feijão, reforça a situação de dependência do tabaco. 

Renata fala com o conhecimento de uma pesquisadora, mas que também vem de uma família que produzia tabaco. Ela é nascida em Jaguari, município que depois pesquisaria, em que a indústria responde por 50% do PIB. A pesquisadora conta que trabalhou com os pais no processo de produção agrícola até o momento em que se mudou para Santa Maria para estudar. “Não posso nem com o cheiro, que já passo mal”, diz. 

Os pais continuam na produção do tabaco. Eles têm contratos com a Japan Tobacco Internacional (JTI) e a British American Tobacco. “As empresas, mediante o sistema de integração, se apropriam de diversas esferas da vida desses indivíduos, como a terra e a mão de obra familiar, numa relação que, antes de qualquer coisa, é predatória. Importante dizer que terra, trabalho e família são constituintes dessa identidade camponesa, agora apropriada pelo capital”, afirma.

Apesar de permanecer na produção de tabaco, a família de Renata mantém a produção de soja e milho, uma possibilidade na região que apenas as famílias com áreas maiores podem ter. “Há, na comunidade rural, famílias com pouca extensão de terras, que vivem apenas do tabaco, numa relação de dependência bastante problemática, pois o contrato requer um sistema de financiamento de sementes, infraestrutura e insumos”, comenta. 

A mãe da pesquisadora também se dedica à produção de alimentos para a família, como é comum na região. “A produção de alimentos, como mandioca, batatas e outros produtos cultivados nas hortas e lavouras pequenas geralmente fica a cargo das mulheres”, diz. Segundo Renata, há períodos de extensa demanda de trabalho na fumicultura, principalmente no período da colheita, que impedem a permanência desses cultivos pela intensa demanda de trabalho.

Tecnicismo 

Como o programa de diversificação mirou mais no desenvolvimento técnico, a antropóloga Arlene Renk, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), indica a dificuldade de acesso a recursos como os do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) como um empecilho. Diferentemente de outras culturas, o agricultor não precisa de um capital no início da safra para fazer o plantio.

O problema não se resolve apenas com o acesso a recursos, como aponta o agrônomo Germano Ehlert Pollnow, membro do Cetab, da Fiocruz. Ele explica que os fumicultores estão acostumados a ter a certeza da venda da produção, o que faz com que a integração vertical lhes pareça segura. A certeza da comercialização de outros produtos, segundo ele, poderia vir da recuperação de programas públicos de aquisição de alimentos, como o PAA e o PNAE. 

O agrônomo vê possibilidades de produção na cadeia do leite, de hortaliças e frutas em diferentes regiões dedicadas ao fumo, mas acredita que um programa bem-sucedido precisa contar com o apoio à formação de cooperativas que consigam vender os produtos e até estruturar agroindústrias de alimentos.

Resistência em dois sentidos  

Descendente de produtores de tabaco, a pesquisadora Rafaela Vendruscolo, doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vê o sistema integrado e a identidade com fumicultores como focos de resistência a mudanças. “Existe essa sensação de fazer parte de uma cadeia produtiva e também uma forma de pensar relacionada a uma lógica tradicional de vida, a um vínculo cultural, histórico e identitário”, afirma. Para ela, os programas apresentavam um universo de conhecimento novo para os produtores, que seria muito difícil de compreender em pouco tempo. “A iniciativa do governo federal de dar assistência técnica para a diversificação durou pouco tempo, foram apenas duas edições, sem continuidade. É pouco para uma mudança institucional em uma cultura tão enraizada”, explica.

Outro desafio, segundo a economista Cidonea Deponti – coordenadora-adjunta do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR), da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) – será superar os efeitos da interrupção nos dois governos anteriores. “O projeto teve duas edições e foi paralisado no meio, se já era visto com resistências antes, agora, será preciso reestabelecer a confiança com quem quer aderir à diversificação”, diz. 

Ela destaca a dependência dos agricultores do sistema integrado e a falta de conhecimento da maneira de acessar outros mercados. Apesar das dificuldades, ela aponta a diversificação como uma solução econômica. “Com cada vez menos filhos para trabalhar junto, o sistema do tabaco já se tornou inviável para diversas famílias, especialmente as que são donas de áreas menores”, analisa.

Mesmo com tantas incertezas na esfera pública, a diversificação segue os passos em pequenas iniciativas locais e desperta outro tipo de resistência. Um exemplo é o grupo de mulheres Passo Delas, de Palmeira (PR), criado a partir do Coletivo Triunfo, voltado à agroecologia. 

O Passo Delas é formado atualmente por doze mulheres, de famílias de fumicultores ou de antigos fumicultores. Segundo Sandra Ponijaleki, algumas fizeram a transição completa da produção de tabaco para a certificação de alimentos orgânicos e sementes crioulas. Outras mantêm a atividade, mas já plantam alimentos saudáveis para consumo.

Sandra conta que ela e o marido pararam de produzir tabaco faz três anos. “A minha família já teve uma produção de 250 mil pés, parte dela, em terras arrendadas. Houve uma estiagem e perdemos boa parte da produção, ficamos endividados e tivemos de devolver a parte da terra que não era nossa”, esclarece.

A situação serviu de impulso para que a família mudasse de atividade, se filiasse a uma cooperativa de agricultura familiar e passasse a produzir orgânicos que são vendidos para o PNAE e mercados locais. “No tabaco, era difícil conseguir mão-de-obra quando precisávamos de auxílio, porque os trabalhadores avulsos evitam a atividade por ser exaustiva e por expor as pessoas a problemas de saúde”, diz.

Na nova atividade, a família consegue ganhar mais e ter remuneração até três vezes na mesma semana e não mais apenas um pagamento anual. Porém a principal mudança que ela aponta é na qualidade de vida. “A gente tem mais retorno e menos desgaste. Antes, a gente não tinha vida. Trabalhava de domingo a domingo para conseguir dar conta do trabalho”, compara.

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