Cobertura especial do Joio, em parceria com o Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, investiga o destino dos ativos financeiros do agronegócio negociados no mercado de capitais
Esta reportagem foi produzida em parceria com a Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center.
Já foi uma bolsa exclusiva, reservada ao topo da pirâmide capitalista, cheia de compartimentos e zíperes a que só clientes abonados tinham acesso. Ali, guardavam seus pertences, também valiosos. Poderia ser uma peça luxuosa Louis Vuitton, uma Prada. Ou, ainda, uma bolsa de valores.
Rende juros, paga dividendos, promete crescimento de patrimônio. A Bolsa de Valores do Brasil (B3) deixou de ser exclusiva e se popularizou. Agora tem espaço para quem tem qualquer – e não muito – dinheiro. Lá dentro, foram criadas nécessaires e bolsinhos onde cabe todo tipo de economia. Tem R$ 10 para investir? Vem cá ser acionista de uma multinacional.
Lá dentro, dá para aplicar em qualquer setor da economia, mas um deles se destaca. A alça da bolsa é o que liga os investidores urbanos aos negócios no campo. O cofrinho com cara de porco da poupança deu lugar a uma cesta variada de produtos financeiros, promovidos pela velha máxima de que “o agronegócio é o carro-chefe do Brasil”: não tem como dar errado.
Ações, Fiagros, CRAs, LCAs, CDCAs inundam as redes sociais e as notificações dos aplicativos de investimentos. Essa “sopa de letrinhas”, como os agentes do mercado gostam de chamar, ganha cada vez mais adeptos que aplicam as reservas pessoais no agronegócio. Segundo a B3, 2,5 milhões de pessoas investem em um dos produtos financeiros do agro, o que representa a metade do total de investidores do mercado de capitais em 2024.
A bolsa do agro está pesada: o total de aplicações em produtos financeiros chegou aos R$ 592 bilhões em março deste ano. É bastante dinheiro para expandir a fronteira das commodities. Mais soja, mais gado, mais exportações… é também promessa de mais juros na conta do investidor.
Mas, em tempos de colapso climático, alerta máximo de cientistas sobre os impactos do desmatamento e a proximidade do ponto de não retorno da Floresta Amazônica, será que o mercado financeiro está preocupado em mostrar onde o agronegócio aplica todo esse dinheiro?
A Bolsa do Agro é um projeto do Joio, em parceria com o Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, que investiga o destino dos ativos financeiros do agronegócio negociados no mercado de capitais. A injeção de bilhões de reais por meio de investimentos ocorre no fundo obscuro da bolsa, sem muita transparência, financiando uma das atividades econômicas que mais impacta o uso da terra, ao lado da mineração. A primeira reportagem da série mostra como vários dos ativos não dispõem de qualquer exigência de cumprimento das leis ambientais.
Como um juridiquês, linguagem própria de uma elite que mantém longe do debate quem não o domina, o economês do mercado financeiro também dificulta o entendimento de uma massa crescente de investidores. Ou seja, entrar na bolsa é para “todos”, mas entendê-la é para poucos.
O sistema financeiro é complexo, amarra várias pontas da sociedade.
Uma delas é o indivíduo que, perdendo direitos sociais e previdenciários, inserido numa lógica neoliberal, vê no mercado financeiro possibilidades de ganho para além da sua capacidade de trabalho. Se eu investir X, vou ter retorno Y. Não tem mais gritaria nos pregões da bolsa com investidores endinheirados ligando enlouquecidos em dia de crash. Hoje, abrir o aplicativo da corretora de valores e mandar suas reservas a serviço do capital global nunca foi tão fácil.
Noutra ponta estão as corporações. Mesmo poderosas, sempre precisarão de acesso ao crédito para alimentar sua ânsia de crescimento infinito. Não à toa a JBS, a brasileira maior processadora de carne do mundo, insiste em se listar na Bolsa de Nova Iorque: a B3 ficou pequena para ela. Se o indivíduo quer um futuro com rendimentos, as empresas perseguem o capital.
Uma terceira ponta não tem CPF nem CNPJ. É coletiva, ou deveria ser, de todos. A terra é alvo do capital financeiro, seja ele produtivo ou meramente especulativo. Sua exploração frenética nos levará ao colapso humano, dizem os povos indígenas, mas isso não passa pela cabeça de grandes CEOs.
Será que um clique no app de investimentos tem conexão com a emergência climática que inunda d’água nossas casas, mata nossa biodiversidade carbonizada e acirra à bala os conflitos no campo? Essa pergunta nos leva a abrir uma bolsa e fuçar o que tem lá dentro.