Foto: Divulgação/StilaSP

Dona da Pepsi propõe jornada de 11 horas e redução das folgas aos domingos

Pepsico alega que o aumento da demanda por salgadinhos fará a fábrica funcionar aos domingos. Trabalhadores consideram proposta “ridícula” e “maluca”. E associação de corporações defende 6 x 1 como necessidade

Insatisfeitos com sua escala de trabalho, os funcionários de uma fábrica de salgadinhos da PepsiCo em Itaquera, na zona leste de São Paulo, entraram em greve após ouvir uma proposta da empresa para uma nova jornada. 

Eles atuam na escala 6×1 (trabalho de segunda a sábado, com descanso aos domingos), mas desde setembro a PepsiCo tem tentado mudar a escala para 6×2, sem redução de horas trabalhadas. A empresa alega que a demanda por seus produtos tem crescido e, portanto, a fábrica precisa funcionar também aos domingos – a PepsiCo fabrica linhas líderes de vendas, como Elma Chips, Fofura e Torcida, além do refrigerante Pepsi. No modelo 6×2, as folgas se alternam ao longo da semana, o que diminuiria o descanso nos fins de semana. Os trabalhadores não aceitaram a mudança e pediram à empresa uma alternativa que mantivesse as folgas aos domingos.

Mas a multinacional norte-americana, que anunciou lucro de 2,93 bilhões de dólares no terceiro trimestre de 2024 (equivalente a R$ 17,54 bilhões, pela cotação atual), descartou a redução de jornada e insistiu no trabalho no fim de semana.

Ao ser comunicada da possibilidade de greve, a PepsiCo fez uma contraproposta: os trabalhadores poderiam ter garantido um sábado de folga por mês desde que compensassem esse tempo livre em outros dois sábados. Na divisão de horas proposta pela companhia, os funcionários teriam de trabalhar 11 horas durante esses dois sábados de compensação. Com o intervalo de descanso na jornada, isso significa que eles teriam de passar 12 horas na linha de produção. A jornada diária hoje na fábrica é de 7 horas e 20 minutos.

A proposta da companhia foi formalizada em uma audiência com os trabalhadores na sexta-feira (22). Dois dias depois, sem vislumbrar um acordo, os funcionários resolveram parar a produção. Desde domingo, os cerca de 800 empregados da linha que produz os salgadinhos Fofura e Torcida estão em greve.

O Joio e O Trigo teve acesso à ata da audiência, documento que a própria empresa anexou ao processo judicial em que questiona o início da greve.

Imagem: StilaSP

Entenda o cálculo da proposta

  • Jornada diária na fábrica: 7 horas e 20 minutos (inclusive aos sábados)
  • Para ganhar um sábado de folga, o trabalhador precisaria trabalhar essas 7 horas e 20 minutos divididas em outros dois sábados de trabalho
  • Em cada um desses sábados, a jornada então seria de 11 horas (7 horas e 20 minutos normais + 3 horas e 40 minutos de compensação)
  • Com uma hora de intervalo para descanso e alimentação, cada trabalhador ficaria 12 horas na fábrica


Na mesma audiência, a PepsiCo sugeriu outros dois modelos de jornada, em que os dias de folga se alternam ao longo da semana, o que foi rechaçado pelos trabalhadores, que exigem ter descanso nos finais de semana. A empresa argumentou que, se não mudar a escala de trabalho, terá de demitir funcionários.

Carlos Vicente de Oliveira, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Laticínios e Alimentação de São Paulo (StilaSP), classificou como “ridículas” e “malucas” as propostas da PepsiCo de alteração na jornada sem redução das horas trabalhadas. 

“Eles são loucos”, disse Carlos ao Joio. “É uma coisa tão mirabolante que até agora não estou entendendo. Essas jornadas são exaustivas ao extremo, não dá mais pra gente continuar com elas. Com os meios de produção que temos hoje, com tecnologia, automação e robotização, chegou o momento do empresário entender que a produção dele triplicou, mas ele continua sufocando o trabalhador, sendo que não tem necessidade de manter essas escalas malucas.”

Durante as negociações, o sindicato chegou a sugerir a chamada “jornada espanhola”, na qual o empregado folga aos domingos e em sábados alternados no mês. Esse modelo daria mais descansos nos finais de semana, mas também prevê uma compensação ao longo da jornada e, portanto, manteria o total de horas trabalhadas no mês. Ainda assim, a empresa rechaçou a ideia. Após ouvir os trabalhadores em assembleias na porta da fábrica, o sindicato decidiu dar um passo além e pleitear a redução das horas totais.

“O que a gente quer é fácil de entender: escala 5×2, de segunda a sexta, com redução de 44 para 40 horas semanais”, disse o sindicalista.

OS 800 empregados da linha que produz os salgadinhos Fofura e Torcida estão em greve. Foto: Divulgação/StilaSP

Não foi apenas a fábrica de Itaquera da PepsiCo que parou. A unidade de Sorocaba, no interior paulista, que produz salgadinhos e achocolatado, também cruzou os braços depois que os empregados viram frustradas as tentativas amigáveis de negociar a jornada.

Procurada, a Pepsico disse que a greve da fábrica de Sorocaba foi suspensa e que a unidade de Itaquera “está operando parcialmente”. “Os funcionários se sentem mais seguros em retornar aos seus postos de trabalho, tendo sua segurança e bem-estar garantidos como prioridade da empresa”, afirmou a empresa.

Ao longo da semana, parte dos funcionários de um dos turnos de Itaquera decidiu voltar ao trabalho, mas em quantidade insuficiente para fazer a linha de produção operar. 

A Pepsico defende a legalidade da escala 6×1: “Ao gerar cerca de 12 mil empregos diretos e 44 mil indiretos no país, a PepsiCo reconhece a importância de seu papel socioeconômico e reafirma o respeito ao direito legítimo dos trabalhadores de se manifestarem. A empresa reforça que cumpre rigorosamente as leis do país e, ainda que em discussão no Congresso, a jornada 6×1 está de acordo com a legislação brasileira em vigor.”

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Greve expõe exaustão trabalhista da escala 6×1

A greve dos trabalhadores da PepsiCo foi deflagrada na esteira de um movimento nacional que tem questionado o impacto da escala 6×1 na vida dos trabalhadores. Uma Proposta de Emenda à Constituição protocolada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) tenta implantar no país a escala 4×3. A iniciativa ganhou adesão de mais de 200 deputados e outras 2,9 milhões de pessoas que assinaram uma petição online pelo fim da 6×1.

De acordo com os críticos desse modelo de trabalho, adotado principalmente no setor de comércio e serviços, mas também na indústria, essa jornada leva os funcionários ao esgotamento físico e mental. Com apenas um dia de descanso, os trabalhadores não têm tempo para o lazer, para ficar com a família e para cuidar de si.

“O aumento da jornada para 10 horas e meia, 11 horas impacta muito na saúde do trabalhador”, afirma Giovana Paula Leite Costa, advogada especialista em direito do trabalho e fundadora do Costa e Bucci Advogados. “Se pensarmos em alguém que precise de 2 horas para ir e voltar, o que é pouco para a região metropolitana de São Paulo, temos 11 horas de trabalho, mais 2 horas de transporte, mais 1 hora de intervalo, totalizando 15 horas apenas em função do trabalho. Restam 9 horas para tudo que é essencial para a saúde e para a vida do trabalhador. Esse contexto é ainda mais insustentável se pensarmos naqueles que precisam cuidar de crianças ou idosos em casa.”

Uma jornada laboral maior tira o tempo que o trabalhador poderia dedicar a outras tarefas fundamentais para uma vida mais saudável, alerta a advogada. “É muito comum que haja um aumento significativo do consumo de alimentos ultraprocessados, que não demandam preparo e economizam tempo desses trabalhadores, além da redução de hábitos saudáveis como exercícios físicos.”

E é justamente o aumento da demanda por ultraprocessados, como salgadinhos fritos, que levou a PepsiCo a buscar o aumento da produção na fábrica de Itaquera.

Em documento protocolado na Justiça do Trabalho, a PepsiCo chamou a greve de “desarrazoada, injustificada e abusiva”. A empresa disse que, diante das dificuldades, desistiu de implantar a 6×2, mas afirmou que, se os trabalhadores não quiserem trabalhar sob a escala 6×1, devem se dirigir ao poder público. 

“[A greve] É uma forma de manifestação de apoio do [sindicato] à PEC, de claro cunho político, com reivindicação a ser dirigida ao Poder Público e ao Congresso Nacional”, escreveram os advogados da empresa.

Segundo a multinacional, o sindicato provocou uma paralisação “ruidosa e violenta”, ameaçou funcionários que desejavam entrar na fábrica e não respeitou prazos acordados nas negociações da jornada. A PepsiCo pede também que a greve seja declarada ilegal para que a empresa não seja obrigada a pagar salários, férias e auxílios aos grevistas, além de receber uma multa pelos prejuízos da paralisação.

A empresa disse que, como produz alimentos, considera sua atividade essencial e, portanto, o caso deve ser tratado com urgência. O juiz marcou uma nova audiência para o dia 2 de dezembro, quando tentará encontrar um acordo entre trabalhadores e empresa.

Segundo a multinacional, o sindicato provocou uma paralisação “ruidosa e violenta”. Foto: Divulgação/StilaSP

Sindicatos patronais temem greves contra escala 6×1

A greve na PepsiCo tem preocupado os donos de indústrias em São Paulo e no Brasil. Dois sindicatos patronais entraram no processo que opõe a PepsiCo e seus funcionários para defender a legalidade da escala 6×1 e a relevância dela para a economia do país. 

A Associação Brasileira da Indústria do Alimento (Abia) afirmou que “está preocupada com a grave, extrema e urgente situação” da fábrica da PepsiCo. “A jornada de trabalho 6×1 é amplamente utilizada no Brasil para atender às necessidades operacionais de indústrias que demandam funcionamento contínuo. É certo que a discussão referente à alteração desse tipo de jornada de trabalho necessita de um amplo debate, como já vem ocorrendo no Congresso Nacional.”

A Abia, que reúne empresas como Ambev, Coca-Cola, Seara, Nissin e a própria PepsiCo, afirma “que legitimar a paralisação aqui em discussão, além de temerário, dada a possibilidade de ampliação desproporcional por todo país e incentivo indevido ao movimento paredista, traz consigo insegurança jurídica não somente para o setor produtivo como também para os empregados”.

Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) afirmou que “o movimento grevista ocorrido nas fábricas da PepsiCo, em Itaquera e Sorocaba, se apresenta de forma a influenciar ações similares em todo o território nacional.” A entidade disse que o debate sobre a escala 6×1 “extrapola a realidade da PepsiCo ou de qualquer outra empresa, não devendo ser tratado de forma isolada, individual, muito menos sob pressão de movimento grevista, efetuado de forma ilegal e abusiva.”

As duas entidades enviaram à Justiça pedidos para se credenciar e contribuir no processo. O desembargador Francisco Ferreira Jorge Neto negou os dois pedidos.


Nota da PepsiCo

A PepsiCo informa a suspensão da greve em Sorocaba e o retorno integral de sua operação na fábrica. Em Itaquera, a companhia está operando parcialmente e os funcionários se sentem mais seguros em retornar aos seus postos de trabalho, tendo sua segurança e bem-estar garantidos como prioridade da empresa.

Ao gerar cerca de 12 mil empregos diretos e 44 mil indiretos no país, a PepsiCo reconhece a importância de seu papel socioeconômico e reafirma o respeito ao direito legítimo dos trabalhadores de se manifestarem. A empresa reforça que cumpre rigorosamente as leis do país e, ainda que em discussão no Congresso, a jornada 6×1 está de acordo com a legislação brasileira em vigor.

A companhia permanece aberta ao diálogo com seus colaboradores e seguirá negociando com os representantes sindicais em busca de soluções equilibradas para todas as partes, reafirmando o seu cuidado e compromisso com as pessoas com base em relações éticas e responsáveis que sempre orientam as suas decisões.

PepsiCo Brasil

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