Carlos Vicente de Oliveira, presidente do sindicato StilaSP, anuncia fim da greve em assembleia em fábrica de Itaquera. Foto: Adriano Wilkson

Dona da Pepsi anuncia bônus para empregado que furou greve

Tribunal Superior do Trabalho já proibiu prática, considerada “antissindical e discriminatória”

A PepsiCo anunciou um bônus para os trabalhadores que não aderiram à greve encerrada na última segunda-feira (2) em Itaquera, na zona leste de São Paulo. De acordo com um comunicado enviado aos funcionários após o fim greve, a dona de marcas como Pepsi e Lay’s pagará em dobro pelos dias trabalhados durante a paralisação.

Seria, de acordo com a empresa, uma forma de valorizar a produtividade dos funcionários que se mantiveram trabalhando enquanto a linha de produção ficou parada por causa da greve.

O problema é que essa prática já foi considerada ilegal pela Justiça do Trabalho. Em 2016, a fábrica de pneus Pirelli também pagou bônus para empregados que furaram uma greve em sua unidade na Bahia. Um dos funcionários grevistas entrou na Justiça alegando discriminação e, em 2023, ministros do Tribunal Superior do Trabalho concordaram com ele.

Segundo o acórdão da 3ª Turma do TST, a “conduta de bonificar empregados que não participaram de movimento grevista em detrimento daqueles que aderiram à greve consiste em atitude antissindical e discriminatória, em desrespeito ao princípio da isonomia, visando impedir ou dificultar o livre exercício do direito de greve.” A Pirelli foi condenada a pagar indenização ao trabalhador grevista. Essa decisão transitou em julgado, ou seja, não há mais possibilidade de recurso.

Decisão da Justiça do Trabalho considera bonificação para fura-greve “antissindical e discriminatória.

Na época, a Pirelli argumentou que os funcionários que atuaram durante a greve tiveram sobrecarga de trabalho e, portanto, mereciam bônus. Mas os magistrados entenderam que a atitude da empresa teve como objetivo, na prática, punir quem entrou em greve e desmobilizar a organização sindical.

Essa é a mesma interpretação do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Laticínios e Alimentação de São Paulo (StilaSP), que estava à frente da negociação com a PepsiCo.

“Diante da postura adotada pela empresa em ‘beneficiar’ quem furou a greve, o SilasSP entende que tal conduta se configura como prática antissindical, e por isso, adotará as medidas judiciais cabíveis para que tal conduta não se repita”, afirmou o presidente Carlos Vicente de Oliveira.

O sindicato afirmou que comunicará o Ministério Público do Trabalho sobre a intenção da empresa de bonificar quem não aderiu à greve.

O Joio procurou a PepsiCo para comentar o assunto, mas a empresa não havia respondido até a publicação desta reportagem.

Comunicado da Pepsico à fábrica de Itaquera para anunciar pagamento de bônus a quem trabalhou na greve.

No mesmo anúncio de bônus aos que trabalharam durante a paralisação, a multinacional informou que pagará um cartão de Natal no valor de R$ 440. O benefício é pago todo ano e funciona como uma cesta natalina.

“A prática de conceder bonificações exclusivamente aos empregados que não aderiram a movimentos grevistas configura uma conduta antissindical e discriminatória, violando o princípio constitucional da isonomia e restringindo, ainda que de forma indireta, o exercício legítimo do direito de greve”, disse Michael Simon Herzig, advogado trabalhista e fundador da Herzig Advogados. 

“Tal prática não apenas desestimula a participação em greves, mas também penaliza aqueles que exercem seus direitos trabalhistas, criando um ambiente de desigualdade e coerção. Nesse contexto, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem reconhecido a necessidade de reparação por danos morais, entendendo que a discriminação sofrida pelos trabalhadores justifica a indenização, como forma de restaurar a dignidade lesada e coibir práticas semelhantes no futuro.”

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Multinacional não aceita reduzir jornada

O acordo para encerrar a greve aconteceu após uma reunião de três horas na manhã de segunda (2), classificada como “tensa” por alguns dos presentes ao Tribunal Regional do Trabalho. Insatisfeitos com a escala 6×1, na qual se trabalha seis dias para folgar um, os empregados pleiteavam a mudança para a 5×2 ou para a jornada espanhola, na qual há dois fins de semana de folga por mês.

Mas a PepsiCo, que no terceiro trimestre de 2024 teve lucro de 2,93 bilhões de dólares (equivalente a R$ 17,54 bilhões, pela cotação atual), não aceitou reduzir a jornada, alegando que a 6×1 está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

No processo que discutiu a legalidade da greve, a empresa foi auxiliada pelos advogados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que também defende a escala 6×1. Temendo uma derrota na Justiça, o sindicato StilaSP resolveu aceitar um acordo para colocar fim à paralisação.

A PepsiCo concedeu um sábado de folga por mês desde que essas horas sejam compensadas ao longo dos outros 25 dias de trabalho. Antes mesmo da greve, durante a negociação sobre a jornada de trabalho, a empresa já tinha concordado em conceder um sábado de folga, mas queria que a compensação ocorresse em outros dois sábados. Na prática isso significaria jornadas de até 11 horas, como o Joio noticiou na semana passada.

Para ver a greve encerrada, a empresa se comprometeu a não descontar dos grevistas os dias parados e a garantir estabilidade por ao menos 45 dias. Sindicato e empresa também prometeram manter negociações antes de outras eventuais mudanças na jornada.

Em assembleia no fim da noite de segunda, os trabalhadores da PepsiCo foram saudados por movimentos sociais e militantes de partidos políticos no pátio da fábrica em Itaquera. Apesar de não conseguir a redução de jornada, o sindicato considerou a greve uma vitória.

“Não conseguimos exatamente o que a gente queria, não foi a nossa melhor negociação, mas também não foi a pior”, disse Carlos, o presidente do sindicato, aos trabalhadores do turno da noite. “Se a gente deixa pro juiz decidir [a legalidade da greve], capaz da gente perder, porque sabemos que o sistema judiciário é feito para beneficiar as elites do país e não a classe trabalhadora.”

Sindicalistas ouvidos pelo Joio acreditam que o exemplo desta greve pode incentivar movimentos semelhantes em outras categorias, principalmente em uma discussão nacional sobre o fim da escala 6×1. Tramita na Câmara uma PEC da deputada Erika Hilton (PSOL-SP) que defende a implementação no Brasil da escala 4×3. Os sindicalistas da PepsiCo esperam que a luta pela redução da jornada de trabalho, uma pauta clássica da esquerda, seja apoiada pelo governo federal.

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