Joio dá início a nova fase de cobertura sobre os 337 municípios de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia afetados por desmatamento, esgotamento de água, grilagem e violência

Dez anos atrás, Dilma Rousseff assinava um decreto que, visto no futuro, pode ser um atestado de óbito. O documento criava o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba. Caberia ao comitê gestor, também aberto pelo decreto, estabelecer quais municípios de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia seriam considerados parte do Matopiba, o que foi feito em novembro daquele ano: 337 cidades ao todo.
Aquele não era um decreto qualquer. Era o reconhecimento, pelo Estado, de um plano de exploração da região que começou durante a ditadura. Muitos anos mais tarde, passou a pipocar na boca de líderes do agronegócio: aquela era “a última fronteira agrícola”. Quem também assina o decreto de 2015 é nada menos que Kátia Abreu, amiga de Dilma e então ministra da Agricultura. Figura política de relevo no Tocantins, ela foi o centro de uma estratégia de atração de recursos públicos e privados para uma região que se tornou sinônimo de riqueza para poucos e problemas para muitos – para aqueles que sempre estiveram ali.
Em 2023, estivemos em Correntina, no Oeste da Bahia, para investigar o processo de grilagem de comunidades tradicionais, que tiveram áreas tomadas e cercadas por fazendeiros que sequer sabem quem são. Os moradores desses territórios são frequentemente alvo de ameaças e pistolagem, impulsionadas pelo avanço do agronegócio na região.
Aquelas famílias produziam uma enorme riqueza: eram autossuficientes em alimentos e em vários itens básicos, preservavam a mata e as nascentes. Mas estavam não apenas abandonadas: estavam sob ataque.
De volta à redação do Joio, além de publicar reportagens sobre o assunto, refletimos sobre a necessidade de fazer mais investigações sobre o processo de desmatamento, grilagem e despossessão de terras na região. E então, quase dois anos depois, damos início a uma nova etapa de cobertura sobre o Matopiba.
É importante localizar, para você, onde estará nossa cobertura: dentro da editoria de Colapso Climático, onde residem nossas investigações sobre agronegócio. É uma escolha política: como repórteres, olhando os dados e rodando pelo interior do país, jamais pudemos acreditar na ilusão de que o agro alimenta o mundo, nem de que possa haver um convívio pacífico entre latifundiários, camponeses e integrantes de povos e comunidades tradicionais.
Dados divulgados anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que houve um aumento de diversas formas de violência no Matopiba. Além disso, de acordo com o Mapbiomas, o Cerrado foi o bioma com mais área desmatada do Brasil em 2024, e a região do Matopiba concentrou 75% do desmatamento do bioma e cerca de 42% de toda a perda de vegetação nativa do país.
Ao longo dos próximos dois anos, faremos reportagens de campo e investigações aprofundadas sobre os processos de invasão, grilagem, desmatamento e expulsão e violências contra povos e comunidades tradicionais dos quatro estados. Esse material fará parte do selo “A última fronteira”. Publicamos, no começo de junho, uma reportagem sobre a compra de terras griladas em comunidade na Bahia por parte do banco BTG Pactual. E, a partir de hoje, publicaremos reportagens sobre o primeiro trabalho de campo que fizemos no Tocantins. A primeira delas conta como, ilhados e cercados pelo agronegócio, quilombolas aguardam a titulação de seu território.
Convidamos você a ler a matéria e acompanhar nossa editoria.
