Indústria do tabaco intensificou lobby junto ao governo federal, Congresso e imprensa em meio a debates sobre o imposto seletivo na reforma tributária e proibição de cigarros eletrônicos pela Anvisa
O governo brasileiro segue permissivo ao lobby da indústria do cigarro e pouco transparente ao se reunir com o setor. O alerta é do Índice de Interferência da Indústria do Tabaco, levantamento que está em sua quinta edição e monitora a movimentação das empresas de fumo no mundo inteiro.
Desta vez, o Brasil fez 65 pontos no índice. O número indica uma forte piora em comparação ao primeiro ranking, de 2019, em que o país marcou 34 pontos. A pontuação vai de 1 a 100, da menor à pior “nota” em interferência da indústria. A análise do cenário brasileiro foi feita pela ONG ACT Promoção da Saúde e pelo Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cetab/Fiocruz).
Com tanto lobby, o objetivo das empresas de fumo é desmontar medidas de combate ao tabagismo nas quais o Brasil é tido como referência internacional. “São reações da indústria diante de uma política que é exitosa”, avalia Mariana Pinho, coordenadora da área de tabaco da ACT. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de junho deste ano destacou que o país está entre as quatro nações que mais avançaram em políticas de prevenção e controle do tabaco nos últimos 20 anos.
De acordo com Pinho, as consultas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre liberar ou não os cigarros eletrônicos que resultaram no reforço da proibição aos vapes em 2024 e o avanço da reforma tributária no Congresso Nacional, que prevê um “imposto do pecado” para álcool, bets e tabaco, impulsionaram as “reações” do setor fumageiro, que intensificou seu lobby em Brasília nos últimos anos.
O índice lista alguns exemplos. Entre 2023 e 2024, a indústria tabagista se reuniu 27 vezes com o Executivo, especialmente com o Ministério da Fazenda. As agendas públicas dos encontros, no entanto, incluíam apenas temas genéricos e não traziam as pautas reais das reuniões, nem incluíam registros ou atas que podiam ser solicitadas via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Em setembro de 2024, o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, vinculado à Fazenda, chegou a ir à Anvisa pressioná-la para liberar os vapes.
No período, houve até a participação do governador goiano Ronaldo Caiado em uma festa feita pelo cantor Gusttavo Lima para promover uma linha de bebidas destiladas da Ignite, que também é uma marca de vapes ilegais. A prática de “brand stretching” de fumo, uma tática de marketing em que uma marca de fumígenos é usada no lançamento de um produto em outra categoria, é vedada pela Anvisa.
Lobby tabagista ganhou impulso durante governo Bolsonaro
A piora brasileira no índice ocorreu sobretudo ao longo do governo Bolsonaro. O país saiu dos 34 pontos em 2019 para marcar 48, 58 e 66 em 2020, 2021 e 2023, respectivamente. A edição deste ano rastreou “incidências” do setor fumageiro realizadas entre abril de 2023 e março de 2025.
Neste mesmo período, bolsonaristas desmontaram a Conicq, uma comissão nacional chefiada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) e que coordena a implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), tratado das Nações Unidas ratificado por 182 países mais a União Europeia. A Conicq foi recriada em agosto de 2023 pelo governo Lula.
De lá para cá, a comissão tem buscado medidas para limitar a influência da indústria junto ao governo, uma das obrigações estabelecidas pela CQCT. Um protocolo de regras para interações entre agentes públicos do Executivo e o setor tabagista está em discussão para ser implementado. “Todos os entes [do governo] precisam entender que a indústria do tabaco fabrica um produto que pode matar dois a cada três de seus usuários e que, para interagir com ela, são necessárias regras diferenciadas”, diz Pinho. “É preciso diminuir o poder e a presença dessas empresas.”
De acordo com o Índice de Interferência, a “participação da indústria no desenvolvimento de políticas” foi o item no qual o Brasil marcou sua pior pontuação, 16 pontos. Já o item “interações desnecessárias” veio em segundo lugar, com 11 pontos, uma vez que ministros, governadores, parlamentares e secretários intensificaram suas agendas com o setor no período, inclusive em eventos não oficiais.
O ranking internacional do Índice de Interferência da Indústria do Tabaco é coordenado pelo Centro Global de Boa Governança no Controle do Tabaco (GGTC) e será publicado oficialmente em 11 de novembro na página da Global Tobacco Index. O rastreio é feito em 100 países.
Na última edição do índice, de 2023, o Brasil ficou empatado na 59ª posição do ranking, ao lado de Uruguai e Equador, com 66 pontos. Na lanterna, em 90º lugar, ficou a República Dominicana, que garantiu a nota máxima, a pior possível, de 100 pontos em interferência tabagista. Assim como outros países caribenhos, os dominicanos são fortemente dependentes de sua indústria local de charutos.
