O Joio e O Trigo

No Pará, cadeia de fornecedores da JBS inclui grileiros de terras da reforma agrária

, de Novo Progresso e Altamira (PA)

Mais de R$ 15 bilhões captados por títulos do agro compõem fluxo de caixa da empresa para compra de matéria-prima, como o gado; entre fornecedores indiretos estão fazendas ilegais em área da União 

Esta reportagem foi produzida em parceria com a Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center.

Estando o indivíduo em pé, quem olha para baixo vê tufos de capim verde esparsos num solo degradado. Se o olhar tornar para o horizonte, a visão muda de cor. O cinza escuro das poucas árvores que restaram indica que a floresta virou carvão. Logo também vai virar pasto.

A área do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa, em Novo Progresso e Altamira, sudoeste do Pará, em nada lembra o frondoso bioma amazônico que atraiu beneficiários da reforma agrária em 2006, quando o assentamento foi criado.

“A floresta no Pará oferece uma vida melhor do que se você tivesse mil bois. Porque na floresta tem a colheita da castanha, do açaí, do cipó-titica que faz várias coisas, do cumaru, do óleo que a gente extrai para vender. Tu vê uma queimada dessa… como que os animais vão sobreviver?”, pergunta Maria Márcia Elpidia de Melo, beneficiária da reforma agrária e presidente da Associação de Produtores Rurais Nova Vitória do Terra Nossa.

O PDS de 149,8 mil hectares previa abrigar 1 mil famílias que receberiam, cada uma, um lote de 20 hectares. Passados quase 20 anos da criação do projeto, apenas 298 lotes foram demarcados e distribuídos.

A área de Reserva Legal (RL) seria coletiva: 80% dos quase 150 mil hectares do PDS atenderiam à metragem mínima para imóveis situados no bioma amazônico, permitindo atividades agroextrativistas não degradantes da floresta para gerar renda aos assentados, como as descritas por Maria Márcia.

A reserva legal, porém, nunca foi demarcada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pela gestão do PDS. Hoje, o perímetro imaginário da RL está nas mãos de grileiros que utilizam a área ilegalmente para exploração de madeira, garimpo e criação de gado.

O gado criado na área do projeto vai parar nos supermercados brasileiros e estrangeiros. Isso porque grileiros pecuaristas entregam a produção ilegal à gigante brasileira JBS, a maior processadora de carne do mundo, conforme revela uma investigação da Human Rights Watch (HRW), organização internacional sem fins lucrativos que defende os direitos humanos. Segundo a organização, a carne produzida na Amazônia vira mercadoria de exportação para a Europa.

De acordo com uma análise sociofundiária do Terra Nossa realizada por pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade de São Paulo (USP) a pedido do Ministério Público Federal, os grileiros já haviam tomado 133,6 mil hectares do PDS em 2016, o que corresponde a 89% da área do assentamento. Isso significa que a invasão ocorreu até mesmo dentro dos lotes individuais reservados às famílias. 

Segundo o coordenador da análise e professor da UFPA, Maurício Torres, as formas de extrativismo madeireiro e não madeireiro previstas no PDS foram aniquiladas com a presença de grileiros.

“O Incra espera que um assentado viva do lote, ele não pode ter uma fonte de renda externa. Então você tira 90% das condições de vida dele, você está privando ele de condição de vida, do mínimo. E, quando eu falo mínimo, entenda-se até ter o que comer”, declara Torres.

Entre as processadoras brasileiras de proteína animal que alcançaram o mercado internacional, como a Minerva e a Marfrig, a JBS é a empresa que mais emitiu títulos de dívida no mercado de capitais brasileiro por meio de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), instrumento financeiro vendido a investidores para captação de recursos bilionários. 

Já são mais de R$ 15 bilhões acessados pela empresa pela emissão de CRAs. O dinheiro arrecadado serve para viabilizar a compra de matéria-prima para a empresa, que inclui gado vivo, grãos e sebo bovino.

Subsidiária da JBS, a Seara é responsável pela emissão mais longa da história do mercado de capitais no país, lançado neste ano e com 30 anos para pagamento das parcelas. 

Os sucessivos casos de compra de gado de áreas desmatadas e griladas, como aponta esta investigação, não são suficientes para barrar a empresa do acesso ao crédito privado.

“Isso mostra claramente a necessidade imperativa de exigir que as instituições financeiras respeitem os direitos humanos e demonstrem sua contribuição para as mudanças climáticas”, afirma Luciana Téllez Chávez, pesquisadora sênior de meio ambiente e direitos humanos da HRW e responsável pela investigação. “Não se pode permitir que as instituições financeiras anulem o que a política ambiental está tentando alcançar, é como dar um passo à frente e financiar dois passos atrás.” 

Já no mercado global de crédito, 88% da dívida da JBS em 2024 estava ancorada na emissão de títulos, ou bonds. Isso antes da listagem da empresa na bolsa de valores de Nova York, apesar de uma série de organizações internacionais alertar que isso significa o aumento dos impactos socioambientais e climáticos às áreas de floresta.

Enquanto a JBS lucra com gado de origem de uma terra da União destinada para usufruto coletivo não comercial, movimentações políticas põem em risco a frágil delimitação do PDS Terra Nossa.

A HRW denuncia uma nova proposta de redução do perímetro do PDS — houve uma primeira tentativa em 2015 pelo então superintendente do Incra em Santarém, posteriormente revogada —, que reduziria sua área pela metade.

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89% invadido

“Eles não vão desocupar as áreas pacificamente”, escreveu um servidor do Incra do oeste do Pará em resposta à Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Ministério Público Federal. O MPF pediu à Justiça que o Incra conclua a supervisão da ocupação do PDS Terra Nossa, etapa necessária para ajuizar ações de reintegração de posse. 

Em junho de 2025, o Terra Nossa completou 19 anos sem a implantação total do PDS pelo Incra. Segundo o MPF, essa demora “viola os direitos das famílias beneficiárias da reforma agrária” e “contribui para a perpetuação de um quadro de grave violência, insegurança e degradação ambiental”.

A violência é relatada pelos primeiros beneficiários do PDS que permanecem na terra à espera da sua implantação, mesmo com ameaças à própria vida. 

Natural do Ceará, Cleve Gonçalves da Silva, 62 anos, chegou ao Pará aos 14, fugindo da seca do sertão nordestino. Trabalhou com garimpo quando chegou, uma das poucas atividades que o município de Itaituba oferecia e ainda oferece, mas queria poder voltar para o modo de vida da roça.

Cleve Gonçalves da Silva relata ter sofrido ameaças por parte de ocupantes ilegais do PDS Terra Nossa, além da perda de três hectares da sua área para grileiros. Foto: Bruna Bronoski/O Joio e O Trigo

As políticas públicas de garantia da água demorariam décadas para chegar a sua região de nascimento. As garantias fundiárias, por sua vez, ainda não chegaram ao estado em que se estabeleceu.

“É 20 hectares, né?”, responde, perguntando sobre a área a que tem direito no PDS Terra Nossa. “Mas eu não estou com ela [a área] toda, estou com 17 desses 20. Eles fizeram uma cerca dentro do sítio, estão criando gado lá em cima”, aponta Cleve para uma área que deveria fazer parte do seu lote.

Ele se refere ao casal que não está na lista de beneficiários do Incra e que ocupa a terra ao lado do seu sítio. 

“O marido dela veio me ver aqui, disse que tinha comprado. E aí, pediu para eu ir lá mostrar onde era a divisa. Falei, é bem aqui, nessa cerca, no marco do Incra. Aí ele falou: ‘não, está errado, eu vou ter que inteirar meus 200 metros para cá’”, relata.

Em diagnóstico fundiário entregue à Justiça em resposta à ACP, o Incra reconhece que outros lotes de beneficiários, como o de Cleve, sofreram alterações de marcação do perímetro por parte de terceiros que não fazem parte do público da reforma agrária, “chegando ao ponto de arrancar marcos implantados”. 

O Incra identificou 131 ocupantes irregulares no interior do Terra Nossa. Desses, 77 são grileiros, tendo ocupado 117,9 mil hectares após a criação do PDS. Outros 53, que ocupam uma área de 15,7 mil hectares antes da criação do Terra Nossa, podem se beneficiar da lei que regulariza áreas da União situadas na Amazônia Legal. Apenas um deles saiu voluntariamente do assentamento.

Áreas em laranja indicam propostas de retomada feitas pelo Incra, segundo análise sociofundiária entregue por pesquisadores ao MPF. Reprodução/MPF

A Superintendência do Incra em Santarém, responsável pela implementação do PDS, alegou à Justiça que não possui recursos econômicos e de pessoal para concluir o assentamento. 

Em resposta, o MPF rejeitou as alegações afirmando que o Incra foi “omisso”, levando anos para concluir etapas iniciais do processo de desintrusão de grileiros, como a indicação de equipe para notificar ocupantes irregulares identificados, o que só ocorreu em 2023. 

O processo de retirada de 76 grileiros da área começou lentamente. Até maio deste ano, o Incra havia encerrado 37 processos administrativos de ocupantes irregulares e encaminhado para a Procuradoria Federal Especializada, com o objetivo de ingressar com as ações de reintegração de posse na Justiça. 

A reportagem tentou contato com o Incra sobre o caso, mas não houve retorno. 

Da grilagem de terras coletivas para a JBS

Dos 117,9 mil hectares na lista de ocupantes do Terra Nossa que não têm direito de estar lá, um deles cercou uma área de 1.310 hectares para criar gado.

Rubens Montenegro Andreati é réu em uma ação de reintegração de posse por ocupar irregularmente dois lotes dentro do PDS, após sua criação.

Mas a história de Andreati com gado de desmatamento excede o perímetro do Terra Nossa.

A oeste do PDS está a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, uma unidade de conservação com área de 1,3 milhão de hectares de uso sustentável que permite a exploração de florestas com plano de manejo, permanência de populações tradicionais, pesquisa científica e visitação controlada. A criação de gado para fins comerciais não está entre as permissões de uma Flona.

Mesmo assim, Andreati foi autuado pelo ICMBio em três ocasiões por comercializar 1.945 cabeças de gado em área embargada no interior da Flona Jamanxim, entre 2018 e 2022.

O Joio teve acesso à documentação de trânsito de animais de Rubens Andreati de dentro do PDS Terra Nossa para fazendas que fazem a intermediação entre o gado vendido por ele e a JBS.

Moradores relatam lançamento aéreo de sementes por aviões para cultivo de pasto na área do PDS Terra Nossa. Foto: Bruna Bronoski/O Joio e O Trigo

O pecuarista vendeu gado para outro ocupante ilegal do PDS, Rodrigo Naves Aguiar, que se apossou de uma área de 2,9 mil hectares, de acordo com a lista de detentores ilegais de terra do Incra. 

A venda de animais da fazenda Santa Maria, de posse ilegal de Andreati, ocorreu para uma fazenda de Aguiar do lado de fora do Terra Nossa, o que mascara a origem ilegal do gado. Aguiar enviou gado desta fazenda contígua ao PDS para outra propriedade sua, em Sinop-MT, tendo vendido gado posteriormente para o frigorífico da JBS em Colíder, no Mato Grosso.

Ocupada ilegalmente por Rubens Montenegro Andreati dentro do PDS Terra Nossa, a fazenda Santa Maria enviou gado à fazenda Dois Irmãos, localizada fora dos limites do projeto de assentamento. O dono da fazenda Dois Irmãos ainda envia animais desta para outra propriedade sua, que é fornecedora da JBS. Mapa: Bruna Bronoski/ Fonte: Sicar e Incra (Criado com Datawrapper)
Fazenda Dois Irmãos está localizada entre o PDS Terra Nossa e a BR-163, com fácil escoamento de produção agrícola. Asfaltamento da rodovia federal inaugurada em 1976 pela ditadura empresarial-militar facilitou a grilagem de terras da União, diz MPF. Fonte: Sicar e Google Maps

Como a JBS não rastreia seus fornecedores indiretos, a empresa não tem como comprovar que o gado ilegal criado no PDS Terra Nossa não chegou aos seus frigoríficos. 

Em nota, a JBS confirmou comprar gado de Rodrigo Naves Aguiar na “única propriedade de Aguiar apta a negociar com a empresa”, que fica “em outro estado, não no Pará”. Perguntada se rastreia os fornecedores indiretos que fornecem gado à Aguiar, a empresa informou que a compra de gado seguiu a política de compra responsável da companhia.  

Outro pecuarista que cria gado ilegalmente dentro do PDS Terra Nossa é Roberto Francisco Marassi, que vendeu gado da fazenda R1, localizada dentro do PDS Terra Nossa, para outro pecuarista com propriedade no município de Bilac-SP, Jayme Rosseto. Do interior de São Paulo, por sua vez, Rosseto vendeu gado para o frigorífico da JBS em Andradina-SP. As transações comerciais ocorreram entre julho de 2020 e outubro de 2022.

Segundo a JBS, a empresa bloqueou Jayme Rosseto em 2022. A empresa também informou que não compra gado diretamente das fazendas identificadas pela reportagem no interior do PDS Terra Nossa desde 2016, mas não esclareceu se houve compras indiretas das mesmas fazendas no período.

Nenhum dos pecuaristas que formam a cadeia de fornecedores da JBS respondeu aos contatos da reportagem.

Os frigoríficos da JBS em Andradina e Colíder têm autorização para exportar produtos derivados de carne bovina para a União Europeia. A venda de gado oriundo do desmatamento, no entanto, deve ser proibida pelo bloco econômico por meio da Regulação Antidesmatamento, que passa a valer a partir de 30 de dezembro de 2025 para grandes empresas. 

Segundo a nova regra, produtos – como a carne – exportados para a UE devem estar em conformidade com a legislação ambiental do país de origem. Precisam, ainda, passar por um processo de devida diligência, que é uma espécie de raio-X da cadeia produtiva com o objetivo de identificar e prevenir riscos da produção.

Dinheiro do mercado de capitais

A JBS capta dinheiro de várias fontes para suas operações. Entre as principais estão a emissão de títulos de dívida globais, a emissão de títulos brasileiros e o empréstimo de bancos. A empresa utiliza suas várias subsidiárias para acessar os diferentes tipos de crédito.

Os empréstimos a prazo foram extintos das opções de financiamento pela empresa nos últimos dois anos. Da mesma maneira, outras formas de empréstimo de bancos comerciais foram diminuindo ao longo do tempo, respondendo hoje por apenas 5% das captações da empresa. 

Assim, a JBS fez uma escolha financeira bastante estratégica: livrou-se das várias exigências às quais os bancos submetem seus clientes para conceder empréstimos e entrou com os dois pés no mercado financeiro, onde os critérios para acessar crédito são quase irrisórios.


A emissão de títulos globais, ou bonds, é a maior fonte de captação da JBS S.A. Com a listagem de ações do grupo empresarial na bolsa de valores de Nova York (NYSE) neste ano, outra figura jurídica passa a tomar crédito pelo grupo, a JBS N.V, que já nasceu no berço do mercado financeiro. 

Ou seja, a gradual escolha por papéis do mercado especulativo vivida pela JBS S.A é incorporada pela nova JBS N.V como fonte prioritária de recursos.

Mas, se os empréstimos via bancos são reduzidos até minguarem de vez, as instituições bancárias não saem de cena. Isso porque elas também são responsáveis pela emissão de títulos, no caso de terem um braço de gestão de ativos, ou mesmo pelo serviço de distribuição dos papéis entre investidores.

Segundo levantamento de emissões globais da Forest&Finance, uma aliança global de entidades da sociedade civil que reúne dados financeiros para análises de risco ambiental, a JBS emitiu ao menos US$ 2 bilhões em títulos entre 2013 e 2024 por diversos bancos. 

Entre as instituições financeiras que viabilizaram essas emissões estão o Santander, Bradesco, JP Morgan, Banco do Brasil, Barclays e BTG Pactual.

Mesmo envolvida com uma série de análises socioambientais que ligam a JBS à produção de gado em terras griladas e desmatadas ilegalmente, caso do PDS Terra Nossa, a empresa encontra facilidade de emissão de títulos em território nacional, por securitizadoras que estruturam as emissões para a compra de matéria-prima básica para as diversas frentes de produção da empresa.

Os CRA emitidos pela JBS somam, segundo levantamento do Joio até setembro de 2025, ao menos R$ 15,2 bilhões. As emissões que compõem o valor foram feitas pela JBS e pelas subsidiárias Seara e Flora.

Documentos de CRAs da JBS, Seara e Flora não listam fornecedores de gado vivo, sebo bovino e grãos comprados a partir da captação de recursos de investidores; matéria-prima que pode ter origem de terras griladas vira produtos nas empresas. Foto: Reprodução/JBS e Flora

Os títulos para os quais a JBS é devedora, que respondem pela maior parte das emissões – R$ 11,5 bilhões –, foram lançados para captação de recursos com o objetivo de aquisição de animais e de todos os insumos necessários para beneficiamento de gado bovino. Segundo a empresa, o dinheiro arrecadado das emissões financia o pagamento de mais de 25 mil pecuaristas no país.

Já a Seara, braço para abate de aves e suínos do grupo, emitiu um título em fevereiro deste ano com o objetivo de captar R$ 805 milhões. Os recursos serão usados para a compra de milho in natura. Segundo documento público da emissão, a Seara compra uma média de R$ 28 bilhões em milho por ano, e deverá destinar o total da captação até a data de vencimento do CRA, que é em 2055. 

Prazos longos de amortização da dívida, como é o caso do CRA da Seara, subiram a média de tempo que a JBS tem para devolver os recursos emprestados a juros. Essa média passou de 8 para 12 anos entre 2021 e 2024. 

Outras emissões da Seara serviram, além de compra de insumo agrícola, para assumir dívidas contraídas originalmente pela JBS. Ao todo, a Seara acessou ao menos R$ 3,5 bilhões em CRAs.

Outros R$ 150 milhões de CRAs estão sendo usados pelo grupo para financiar a compra de sebo bovino, matéria-prima que atende a Flora, empresa que recebeu o nome da mãe dos irmãos Batista e que produz o detergente Minuano, a linha de shampoos Neutrox e os sabonetes Albany, entre outros produtos de higiene e limpeza. 

Uso ilegal privado, abandono público

Enquanto a maior parte das terras do PDS Terra Nossa nutrem a matéria-prima de corporações, as famílias que compartilham o espaço com o gado ilegal relatam a falta de condições mínimas para a reprodução de seus modos de vida.

“Eu chamo isso aqui de ‘jogamento de pessoa’, um cárcere privado, porque o Incra fala que se nós sairmos de cima da terra, dá abandono”, declara Maria Márcia. “Essa vida que esses agricultores levam aqui, pegar um monte de pai de família com criança e jogar aqui dentro sem estrada, sem luz, sem casa, sem primeiro apoio, isso não é escravidão?”

As condições das estradas nos tempos de chuva impedem o trânsito de moradores, que ficam sem acesso aos serviços de saúde e educação, além do comércio da produção de hortaliças em feiras próximas ao PDS. 

“Teve criança aí que ficou quatro meses sem ir na escola, porque o ônibus não chegava até as casas, não passava em frente ao sítio para pegar as crianças. Fevereiro, março, abril”, relata o casal Dulcelei Nunes e Nicodemos Lima, moradores do PDS, referindo-se aos meses de 2024 em que o transporte escolar foi interrompido.

Segundo ação do MPF, a titulação do PDS Terra Nossa é “deficitária”, o que impede o acesso das famílias às políticas públicas previstas aos beneficiários da reforma agrária, incluindo o crédito rural. Foto: Bruna Bronoski/O Joio e O Trigo

Os extremos climáticos – ora muita chuva, ora seca – dificultam o sustento da terra. Dulcelei e Nicodemos contam que enfrentam várias pragas no roçado durante a estiagem.

“A gente sabe, né? O homem está detonando com a natureza. Tudo tem sua consequência. Se não tivesse tanto desmatamento, haveria mais chuva”, avalia Dulcelei. Seu marido, Nicodemos, completa: “O mato e o rio trazem chuva.”

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