Debate no plenário voltou a mobilizar argumentos frágeis sobre criação de empregos na Zona Franca de Manaus
O plenário do Senado aprovou ontem (10) um projeto para restituir os subsídios públicos à indústria de refrigerantes. Na prática, o Projeto de Decreto do Senado 57, de 2018, entrega R$ 1,6 bilhão ao ano, a maior parte para as grandes empresas do setor, Coca-Cola e Ambev.
Desde que a iniciativa foi encabeçada pelos senadores Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Eduardo Braga (PSD-AM) e Omar Aziz (PSD-AM), a divisão por partidos se perdeu, e passou a haver uma disputa que unificou parlamentares conectados à Zona Franca de Manaus e às corporações.
O projeto revoga o decreto de Michel Temer que reduz de 20% para 4% as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes na produção de concentrados de refrigerantes na Zona Franca de Manaus.
E como uma redução de impostos resulta em aumento de arrecadação? Porque as empresas que compram os concentrados têm direito a um crédito em cima da diferença de tributação do produto final, os sucos e refrigerantes (4%). O que o decreto de Temer faz é zerar a possibilidade desses créditos. A Receita Federal esperava arrecadar R$ 740 milhões até o fim do ano.
A medida era um antigo anseio da Receita, que considera uma “distorção” o fato de as empresas que compram xaropes da Zona Franca de Manaus cobrarem créditos em cima de impostos que nunca foram pagos, já que a região conta com subsídios públicos estimados pelo Joio em R$ 7 bilhões ao ano.
Diante da divisão, PT, MDB, PP, DEM e PSB liberaram os parlamentares para que votassem como quisessem. Já PSDB, PSD, PDT, PCdoB e PV orientaram voto a favor do projeto. Confira abaixo como se posicionou cada senador. O projeto segue agora para a Câmara.
A favor – 29 votos
Acir Gurgacz (PDT-RO)
Antonio Anastasia (PSDB-MG)
Ciro Nogueira (PP-PI)
Cristovam Buarque (PPS-DF)
Dário Berger (MDB-SC)
Antonio Valadares (PSB-SE)
Eduardo Amorim (PSDB-SE)
Eduardo Braga (MDB-AM)
Eduardo Lopes (PRB-RJ)
Fernando Coelho (MDB-PE)
Flexa Ribeiro (PSDB-PA)
Garibaldi Alves Filho (MDB-RN)
Jorge Viana (PT-AC)
José Agripino (DEM-RN)
José Pimentel (PT-CE)
Lídice da Mata (PSB-BA)
Omar Aziz (PSD-AM)
Otto Alencar (PSD-BA)
Paulo Bauer (PSDB-SC)
Paulo Rocha (PT-PA
Renan Calheiros (MDB-AL)
Ricardo Ferraço (PSDB-ES)
Roberto Rocha (PSDB-MA)
Rudson Leite (PV-RR)
Sérgio Petecão (PSD-AC)
Tasso Jereissati (PSDB-CE)
Valdir Raupp (MDB-RO)
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)
Waldemir Moka (MDB-MS)
Contra – 10 votos
Ana Amélia (PP-RS)
Fátima Bezerra (PT-RN)
Humberto Costa (PT-PE)
José Medeiros (Podemos-MT)
Kátia Abreu (PDT-RO)
Lasier Martins (PSD-RS)
Lindbergh Farias (PT-RJ)
Reguffe (DF)
Roberto Requião (MDB-PR)
Rodrigues Palma (PR-MT)
Abstenção – seis
Aécio Neves (PSDB-MG)
Hélio José (PROS-DF)
Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
Regina Sousa (PT-PI)
Roberto Muniz (PP-BA)
Romero Jucá (MDB-RR)
Argumentos frágeis
Assim como já havia ocorrido durante audiência pública realizada em junho, o debate em plenário mobilizou argumentos frágeis em defesa da revogação do decreto. A maior parte das falas girou em torno da importância das empresas de concentrados de refrigerantes para a criação de empregos na Zona Franca.
Como já havíamos mostrado no Joio, são menos de 800 empregos diretos. A Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir) alega que outros dez mil postos de trabalho são criados nas usinas de açúcar e na plantação de guaraná. Também expusemos como se trata de empregos com baixa remuneração.
“Não pode um presidente da República, por um decreto unilateral, tirar um a um dos incentivos que mantêm toda uma economia, e não é só a economia do estado do Amazonas”, disse Vanessa. “O que nós queremos é que se restabeleça a ordem, porque, se a moda pega, não é apenas a Zona Franca que corre perigo: porque, se hoje ele fez com o setor de concentrados, amanhã ele poderia fazer com o setor eletroeletrônico; no dia seguinte, com o setor de duas rodas.”
É impossível que isso ocorra porque esses outros dois setores, os maiores da Zona Franca, não têm um esquema de créditos em cima de impostos que não são pagos. Essa é uma especificidade da indústria de refrigerantes, que, apesar de ser a terceira maior na região, é a segunda em cobrança de subsídios, atrás apenas de eletroeletrônicos. A Receita estima que a carga tributária de uma empresa do setor fique em menos de 5%, e se torna negativa quando considerados os créditos de IPI.
Quem faz lobby
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) foi a principal voz contrária à aprovação do projeto. Para ele, é inviável subsidiar a produção de refrigerantes enquanto o mundo discute como frear a epidemia de obesidade e doenças crônicas. “Então, no momento em que este governo fecha 400 farmácias populares, a gente vai dar subsídio de R$7 bi para a Coca-Cola? Nós vamos pagar com dinheiro do cofre público para quem quer consumir um refrigerante. É uma loucura! Só pode ser uma política de envenenamento maciço e de privilégio de grandes empresas, no caso a Coca-Cola e a Ambev. Não dá para aceitar.”
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) contestou: “Senador, eu gostaria…de saber por que, durante os 12 anos do PT, esse benefício foi concedido?”
Nós já demos a resposta aqui no Joio. Quando, em 2008, a Receita tentou mudar a tributação dos refrigerantes, Tasso intermediou uma reunião entre o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente da Coca América Latina, Brian Smith. O ex-presidente do PSDB é o maior investidor de Coca no Brasil depois da própria empresa. Ele controla toda a produção e distribuição no Nordeste.
Documento que obtivemos mostra que foi o senador quem transmitiu a Mantega qual seria o motivo da reunião: “impostos sobre bebidas”. Após o encontro, o governo revogou o decreto que mexia no sistema tributário do setor.
O esquema da Zona Franca data do começo da década de 1990. Já em 1997 o jornal Folha de S. Paulo calculava em R$ 300 milhões ao ano os créditos em impostos que nunca foram pagos.
O Ministério da Fazenda chegara a zerar a tributação de IPI sobre os concentrados, mas foi obrigado a voltar atrás. “Não faria diferença para a Recofarma, isenta, mas deixaria de gerar créditos para as engarrafadoras – obrigando-as a pagar mais impostos. Uma semana depois dessa redução, o ministro Pedro Malan (Fazenda) fez a alíquota do IPI sobre o xarope de cola subir para 27%, atendendo aos protestos da diretoria da Coca-Cola brasileira e de seus engarrafadores (os governadores Tasso Jereissati, do Ceará, e Albano Franco, de Sergipe, possuem engarrafadoras de Coca-Cola).”