Organizações cobram Temer, após aceno à indústria de ultraprocessados

Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável quer audiência para discutir alertas nos rótulos após manifestação contrária do presidente

Organizações do terceiro setor e núcleos de pesquisas acadêmicas reivindicam uma reunião com Michel Temer sobre a proposta de rotulagem de advertência em alimentos ultraprocessados. As entidades, unidas em torno da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, se manifestaram em uma carta, publicada nesta quarta-feira (1º), dois dias depois de o presidente criticar o modelo que pode ser adotado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O pedido do grupo de ONGs e pesquisadores é uma resposta ao encontro que Temer tem hoje com representantes da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia). Na segunda-feira (30), durante almoço na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o presidente manifestou-se contra os alertas, embora tenha demonstrado desconhecer o assunto. E de imediato agendou novo encontro com os representantes do setor.

“Entendemos e partilhamos das preocupações com o crescimento e a geração de empregos”, diz a carta da Aliança. “Sabemos do impacto negativo que uma crise econômica tem para a vida dos brasileiros. Contudo, não podemos considerar o lado econômico de apenas um setor em detrimento da saúde da população.”

Recentemente, a Anvisa encerrou a primeira fase de consulta pública sobre a adoção de advertências para o excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas. Relatório preliminar da agência, divulgado em maio, afirmou que esses sistemas demonstram melhor funcionamento que os demais existentes no mundo.

O primeiro país a adotá-lo foi o Chile, na forma de octógonos pretos na parte frontal da embalagem. O Peru e o Canadá estão em fase de análise e implementação de sistemas similares.

No Brasil, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável defende a adoção de triângulos pretos com a inscrição “Alto em”.

Temer disse que a proposta “vai prejudicar o setor” e o comparou à tarja preta colocada nos medicamentos de circulação restrita. “Essa coisa do triângulo, que você [presidente da Abia] mencionou, que é sinal de perigo, se não tomar cuidado, daqui a pouco bota tarja preta no alimento”, afirmou.

Ele fez a declaração em resposta a reclamações de Wilson Mello, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia). Mello fez ainda um pedido claro de que o próximo diretor da Anvisa, a ser indicado por Temer, seja alguém alinhado ao setor.

A Aliança lamenta a situação: “Entendemos que o limite do republicanismo não pode ser ultrapassado com insinuações e pedidos descabidos sobre a forma e perfil de indicação de presidentes de agências reguladoras, tal como feita pelo presidente da ABIA. Evitar o loteamento de cargos e a pressão de grupos de interesse políticos-partidários foi o que norteou a criação das agências reguladoras.”

A carta

No documento enviado ao presidente, as entidades lembram que a proposta de adoção de alerta em alimentos vem sendo conduzida desde 2014. “Acompanhamos o processo de revisão da rotulagem nutricional de alimentos que vem sendo conduzido pela Anvisa desde 2014 de forma transparente e por meio de diálogo com todos setores da sociedade, incluindo organizações da sociedade civil, pesquisadores acadêmicos e também as principais representações da indústria de alimentos.”

As organizações dizem que é importante um sistema de rotulagem no qual o consumidor tenha condições para identificar de maneira rápida e fácil o conteúdo dos alimentos e verificar a presença de excesso de componentes que podem lhe fazer mal à saúde.

“Os hábitos alimentares na população brasileira estão cada vez mais distantes de uma alimentação adequada e saudável, com maior consumo de produtos ultraprocessados com alto teor de nutrientes que comprovadamente são fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e hipertensão”, afirmam os integrantes da Aliança.

O documento ainda lembra que o aumento de doenças decorrentes da má alimentação gera mais gastos ao sistema público de saúde e que transparência com informações é um direito dos cidadãos.

As entidades afirmam também que a proposta em discussão na Anvisa está em sintonia com recomendações de pesquisadores e entidades da área de saúde. A Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o Instituto Nacional de Câncer são favoráveis à adoção de alertas.

Sobre a resistência do setor empresarial, a Aliança diz que todos os avanços do Brasil na defesa do consumidor e da saúde pública foram, em algum momento, combatidos por empresas multinacionais. A coalizão cita como exemplos a política de genéricos, as restrições ao tabaco e até mesmo os ataques à saúde pública universal.

Por Guilherme Zocchio

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