Aliado a Bolsonaro, presidente da Anvisa tentou dificultar atendimento a vítimas de estupro

William Dib somou-se à bancada evangélica em cruzada para derrubar lei que prevê atenção hospitalar obrigatória a mulheres que sofrem violência sexual

O novo presidente da Anvisa, William Dib, é autor de uma proposta que tenta dificultar o atendimento hospitalar a vítimas de violência sexual. Ao lado de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP), o ex-deputado federal pelo PSDB paulista tentou a revogação da Lei 12.845.

A legislação, sancionada no início de agosto de 2013 pela então presidente Dilma Rousseff, é o resultado de projeto apresentado em 1999 pela deputada Iara Bernardi (PT-SP), e tem como principal mote obrigar os hospitais a oferecer atendimento “emergencial, integral e multidisciplinar” a vítimas de estupro. A parlamentar quis que essa atenção fosse prevista em lei devido a atos discriminatórios e à recusa de atendimento a mulheres que sofrem violência sexual.

Desse modo, os hospitais e as estruturas de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive conveniados a instituições religiosas, passaram a ter de oferecer diagnóstico sobre lesões físicas, amparo psicológico e social, e “profilaxia da gravidez”.

Esse último ponto foi utilizado pela bancada evangélica para afirmar que a legislação servia para institucionalizar a prática do aborto no país. O que o texto expressa, porém, não é a interrupção da gravidez, mas a prevenção mediante o direito da mulher ao uso da chamada “pílula do dia seguinte”.

Para não restar dúvidas, vamos recorrer ao bom e velho dicionário, que nos conta que profilaxia é a “parte da medicina que estabelece medidas preventivas para a preservação da saúde da população”.

Porém, apenas seis dias após a sanção da Lei 12.845, 13 deputados – todos homens – protocolaram o Projeto de Lei 6.055, que tentou revogar o texto legal. Entre os signatários está William Dib, que se somou à companhia de parlamentares conhecidos por defender pautas de fundo moralista, como Jair Bolsonaro, Marco Feliciano, Alfredo Kaefer (PP-PR), Pastor Eurico (PATRI-PE) e Zequinha Marinho (PSC-PA).

“A Lei n. 12.845, de 1º de agosto de 2013, tem manifestamente como principal objetivo preparar o cenário político e jurídico para a completa legalização do aborto no Brasil”, protestam os parlamentares na justificativa do projeto. “Sua eficácia se estende também aos hospitais mantidos por entidades religiosas ou que sejam contrárias ao aborto cirúrgico ou químico, este último inclusive na forma da vulgarmente chamada de pílula do dia seguinte. Assim, a Lei foi realmente promulgada tendo como principal objetivo introduzir o aborto no Brasil.”

Os parlamentares casam essa iniciativa de Bernardi a estudos contratados pelo Ministério da Saúde, 11 anos depois da apresentação do projeto, em 2010, visando a analisar os efeitos da “despenalização” do aborto no SUS. O PL 6.055 não chegou a caminhar na Casa, apesar dos esforços da bancada evangélica e de Bolsonaro por desarquivá-lo no começo da atual legislatura.

A assessoria de comunicação da Anvisa informou que, por se tratar de fato anterior ao mandato de Dib como diretor, não cabe se posicionar a respeito.

Histórico

Ex-prefeito de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, William Dib foi parlamentar pelo PSDB durante uma legislatura, entre 2011 e 2014. Boa parte dos projetos que apresentou tem como foco a segurança pública, em particular o trabalho das polícias Militar e Civil. Ele chegou a registrar requerimento em 2012 para que uma comitiva de parlamentares visitasse as fábricas da Taurus e da CBC, duas das maiores fabricantes de armas e munições do país.

Na Comissão de Constituição e Justiça, Dib foi relator de uma proposta de Bolsonaro que visava a igualar os salários de integrantes das polícias militares e dos corpos de bombeiros aos de membros das Forças Armadas.

Na área de saúde, foi relator de algumas iniciativas. Em uma delas, posicionou-se a favor do estabelecimento de prazo de vinte dias para o atendimento, pelo SUS, de exames de mamografia. Em outra, concordou com a obrigação de oferecimento de cardápio especial a alunos diabéticos da rede pública. E também se colocou a favor do fim da discriminação na doação de sangue por homossexuais.

Durante sabatina para a nomeação na Anvisa, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, em 30 de novembro de 2016, os parlamentares expressaram mais preocupação com o alinhamento de Dib aos anseios do mercado de medicamentos que aos cuidados com a população. A ideia era garantir que o novo diretor da agência reguladora tivesse compromisso com a agilidade para a liberação de novos produtos. No plenário, 13 dias mais tarde, a indicação ao cargo de diretor foi aprovada por 47 votos a quatro.

Ao assumir a presidência, dois anos depois e com nomeação por Michel Temer, Dib deixou clara a intenção de ter uma gestão que tente alinhar mercado e saúde pública. Logo de cara, ele declarou-se favorável ao pleito da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) de evitar a adoção de alertas nos rótulos sobre o excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas. O novo presidente deu mostras de que pretende deixar para trás a decisão tomada em maio pela Diretoria Colegiada, inclusive por ele, em favor desses sinais de advertência.

Ele recolocou no páreo o sistema defendido pelo setor privado, que quer a adoção de um semáforo que mostra as cores verde, amarelo e vermelho para os nutrientes críticos. Relatório da Gerência Geral de Alimentos havia demonstrado a menor eficácia desse modelo em comparação com os alertas.

Em outro ponto, Dib também se alinhou ao pleito das empresas de que o prazo de implementação do sistema de rotulagem frontal seja extenso. Ele falou em até cinco anos, contrariando o desejo expresso durante a primeira fase de consulta pública, quando a maior parcela dos participantes opinou que um intervalo entre 12 e 24 meses seria suficiente para as corporações do setor se adaptarem.

Foto em destaque: Edilson Rodrigues. Agência Senado.

 

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