Apanhado do Joio mostra evolução dos rebanhos por estado, consumo per capita de carne, deslocamento geográfico dos frigoríficos e acidentes de trabalho no setor
Brasil, país onde a carne é cultuada, país do churrasco no chão ou na laje, dos pastos que invadem a floresta. O maior exportador de carnes do mundo, e um dos seus maiores consumidores.
País em que as gigantes nativas – JBS, Brasil Foods, Aurora – financiam campanhas eleitorais e mancham a reputação de políticos com negociatas gravadas secretamente.
Pensando nessa conjunção folclórica de fatos o Joio decidiu montar uma página geral da carne. A partir de dados públicos disponibilizados por IBGE, Ministério da Agricultura e INSS, compilamos informações que vão de uma ponta a outra da cadeia: evolução e deslocamentos dos rebanhos pelo Brasil ao longo dos anos, consumo de carne per capita nas últimas duas décadas, acidentes de trabalho nos frigoríficos e evolução do número de animais abatidos ao longo dos anos.
A ideia é entregar ao leitor um panorama que possa ser consultado a qualquer momento, mesmo por quem não é especialista no tema. O resultado você confere a seguir.
Deslocamento dos plantéis
Entre 1970 e 2020, a tendência mais óbvia evidenciada pelos dados do Censo Agropecuário do IBGE é o deslocamento da população bovina em direção às regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil.
A marcha do boi em direção a essas regiões é mérito, em parte, da política de ocupação de territórios da ditadura militar (1964-1985). Naquela época o proprietário que recebia um lote de terra do governo era obrigado a desmatá-lo e substituí-lo por pasto ou pela monocultura.
Rondônia é um exemplo desse processo. Se em 1970 o estado tinha 29 mil cabeças de gado, em 2017 o IBGE acusava um número 424 vezes maior: 9,8 milhões de bovinos. Crescimento sem igual para qualquer outro território no mesmo período.
Mesmo o Acre, que vem em segundo na lista, e o Pará, hoje o quinto maior rebanho do país, ficam para trás: cresceram 29 e 13 vezes o seu rebanho, respectivamente.
Nesse mesmo período, o número de aves explodiu. Mesmo sem invadir o Cerrado e a Amazônia, as galinhas e os frangos de corte foram de meros 213 milhões, em 1970, a 1 bilhão e 300 milhões, no ano de 2017.
A explicação reside na conversão do Brasil em principal exportador mundial de carne de frango – ao passo em que crescia também o consumo doméstico desse alimento e de ovos.
Evolução do número de bois, aves e frangos abatidos
Os números que vamos mostrar a seguir são um reflexo da evolução e do deslocamento dos bovinos, suínos e frangos do país. Ao passo que aumentou o número desses animais de interesse comercial, cresceu também o número de abates anuais, indicador que consta no Censo Agropecuário do IBGE.
E a matança é grande. Hoje o Brasil abate um boi, um porco e 120 frangos por segundo. Considerando todas essas espécies, nós sacrificamos 40 vezes mais animais de interesse comercial do que em 1970.
Abates por segundo (2019)
Deslocamento dos frigoríficos
Da mesma forma, há mais frigoríficos, e eles estão mais espalhados. Altamente dependentes da oferta de rebanhos nas regiões que ocupam, as plantas de abate e processamento de carne acompanharam a marcha do boi, então hoje os estados do Centro-Oeste e do Norte também são agraciados com a sua presença.
Os registros de frigoríficos de inspeção federal (SIF) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) mostram que entre 1969 e 2009 houve um aumento constante no número de estabelecimentos desse tipo no país.
Entre 2009 e 2019 começa a haver reversão nessa tendência, com a maior parte dos estados registrando diminuição do número de frigoríficos SIF. Uma possível explicação é a incorporação e o fechamento de empresas menores, com menor capacidade de competir em um mercado crescentemente concentrado.
Consumo de água
Segundo dados do Relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil, da Agência Nacional de Águas (ANA), o “uso animal” é a segunda finalidade mais intensiva em termos de consumo da água no Brasil. São 11,6% dos recursos hídricos consumidos, atrás apenas da irrigação agrícola, com 66%.
Se levarmos em consideração toda a cadeia da produção pecuária, onde entra também a irrigação para produção dos grãos utilizados na ração dos animais de corte, esse valor cresce substancialmente.
Um estudo da Embrapa Pecuária Sudeste, produzido em 2017, estimou que para cada quilo de carne produzida por bovinos em sistema de confinamento, gastava-se em média 5.700 litros de água. Os gastos com bovinos criados no pasto, em sistema extensivo, tendem a ser maiores.
A Water Footprint Network, uma organização dedicada ao cálculo da pegada hídrica na produção de alimentos, estima uma média global de cerca de 15.400 litros por quilo de carne bovina produzida.
Consumo de carne per capita (kg)
Os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE mostram um aumento ligeiro na aquisição de carne de boi e de porco entre o brasileiro, no intervalo que vai de 2002 a 2009, em todas as regiões. Mas essa variação positiva nunca passou de um quilo per capita, nem no Brasil como um todo nem tampouco em qualquer de suas macrorregiões isoladamente.
Em compensação, os dados referentes ao período de 2017/2018 mostram uma queda significativa, que abrange todos os territórios. Os pequenos avanços da década anterior foram perdidos e convertidos em retrocesso.
Em 2018, cada brasileiro comeu em média 5 quilos a menos de carne bovina e suína, o que acusa um nível ainda menor do que aqueles constatados em 2002 e em 2009.
Em parte a queda foi compensada pelo aumento no consumo da carne de frango. De 2009 a 2018 saltamos de 13 para 19 quilos per capita. Somando carne de frango, de boi e de porco, no entanto, ainda estamos aquém dos níveis de 2009. Naquele ano consumimos 600g a mais de carne do que em 2017-2018.
Acidentes de Trabalho
Quando se trata dos trabalhadores envolvidos nessa cadeia, os números impressionam negativamente. Dados Abertos da Comunicações de Acidentes de Trabalho registradas no INSS mostram que a indústria da carne segue sendo uma das mais perigosas do país.
Entre julho de 2018 e setembro de 2020, foram 44.190 acidentes de trabalho no setor – média de cinquenta e três por dia. Nesse período de 26 meses, a indústria da carne respondeu por 4,4% dos acidentes de trabalho no país.
A conta exclui subnotificações, uma prática corriqueira nesse ramo da indústria. Para a estimativa, levamos em consideração acidentes registrados dentro das categorias 1011 (abate de reses), 1012 (abate de suínos, aves e outros pequenos animais) e 1013 (fabricação de produtos de carne) da Classificação Nacional de Atividades Econômicas, a CNAE.