O Joio e O Trigo

Documento mostra quem são, quais os interesses e como operam os representantes do agronegócio em Brasília

Instituto Pensar Agro atua em simbiose com a Frente Parlamentar da Agropecuária e coloca as prioridades de seus associados no Congresso, Executivo e Judiciário

O termo agro estava presente em caminhões, camisetas e nos discursos dos protestos antidemocráticos do dia 7 de setembro, em Brasília. As manifestações tiveram o cheiro do diesel dos caminhões que invadiram a Esplanada dos Ministérios e das picapes com bandeiras verde-amarelas que fizeram diversos buzinaços ao longo da semana. A menção ao setor não foi por acaso.

Mesmo que alguns líderes tenham feito afirmações em defesa das instituições, o combustível das manifestações veio do agro de várias formas. A mais clara foi o vídeo gravado no mês passado, dentro da mansão da Aprosoja Brasil, em que o cantor Sérgio Reis fez um chamado às manifestações. Ao lado dele, estava o presidente da entidade, Antonio Galvan. O dirigente passou a ser investigado junto com a própria Aprosoja pela participação na organização e financiamento dos atos. A entidade chegou a ter suas contas bloqueadas por decisão do Supremo Tribunal Federal.

A influência dos diferentes setores do agronegócio na gestão Jair Bolsonaro fica evidente na participação de seus expoentes em cargos do primeiro escalão do governo, notadamente na Agricultura e Meio Ambiente. E, no Legislativo, na atuação da Frente Parlamentar da Agropecuária, a maior do Congresso. Para apresentar as demandas dos empresários e produtores rurais, foi criado em 2011 o Instituto Pensar Agro (IPA), a face econômica da bancada ruralista. FPA e IPA atuam em conjunto, cada um de seu lado. 

Para entender isso, o especial Agro é lobby mergulha em documentos inéditos do Instituto Pensar Agro obtidos pela reportagem de O Joio e O Trigo sobre a atuação da entidade junto ao Congresso, para mostrar as pautas prioritárias por temas e quem são os operadores do lado político e do lado econômico de cada um desses interesses.

Interesses em cadeia

A bancada ruralista tem seus protagonistas. Parlamentares que presidiram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), cargo atualmente ocupado por Sérgio Souza (MDB-PR), mas que já foi da hoje ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), do agora senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) e do ex-deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), hoje presidente do Instituto Pensar Agro (IPA). Desses, Leitão, Souza e Moreira não declaram propriedades rurais, o que reforça a característica da frente de envolver mais interesses do que apenas os dos fazendeiros.

Os interesses operam em cadeia, e vão dos fabricantes de máquinas e insumos às indústrias e grandes multinacionais exportadoras, passando por bancos, seguradoras, investidores e cooperativas de crédito. Segundo quem acompanha o Congresso, muitas vezes a atuação política desses parlamentares nem sempre têm relação direta com sua trajetória pessoal ou sua base eleitoral. A relação também não fica sempre evidente pela análise dos financiadores de campanha. Há ainda os que conquistaram o mandato como representantes de agricultores familiares ou de pequenas cooperativas locais que passaram a trabalhar no mandato em favor das grandes corporações do setor. Com a ascensão do bolsonarismo, surgiu um novo grupo: dos que se aproximaram da frente por questões ideológicas, como o discurso contrário aos direitos indígenas, aos militantes sem-terra, à defesa do meio ambiente e pelo armamento. 

Outros políticos de destaque são a ex-ministra da Agricultura e senadora Kátia Abreu (PP-TO), ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), e seu filho Irajá Abreu (PSD-TO) e o deputado Neri Geller (PP-MT), também ex-ministro da Agricultura, e o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), ex-presidente da Aprosoja do Mato Grosso e vice da Aprosoja Brasil. Os dois últimos e Leitão são ou foram aliados do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi, que foi senador e governador do Mato Grosso. Maggi é de uma família de grandes produtores de soja: ele é sócio da Amaggi e seus primos Elusmar e Eraí Maggi Scheffer são donos da Bom Futuro, duas das gigantes do setor. A família também é dona do grupo Scheffer.

Alguns interesses específicos acabam ganhando frentes parlamentares próprias, mesmo sendo assuntos relacionados ao agronegócio. Membros da FPA, Giovani Cherini (PL-RS) preside a Frente do Bambu, Mário Negromonte Júnior (PP-BA) do Coco, Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) do Cacau, Marcelo Aro (PP-MG) da Silvicultura, Zé Vitor (PL-MG) das Hortaliças, Flores e Frutas, Diego Andrade (PSD-MG) do Alho, Emidinho Madeira (PSD-MG) do Café, Darci de Matos (PSD-SC) da Apicultura e Meliponicultura, Newton Cardoso Junior (MDB-MG) a Mista da Silvicultura, mista porque inclui também senadores, e Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) do Setor Sucroenergético. Morto de Covid-19 neste ano, José Carlos Schiavinato (PP-PR) era presidente da Frente Parlamentar Mista da Suinocultura.

Mas a especialização não se dá apenas em outras frentes parlamentares com atuação paralela à FPA e ao seu parceiro empresarial, o IPA. Por dentro, ambos atuam com grupos especializados, voltados para o trabalho operacional. 

No documento do Instituto Pensar Agro (IPA) que o Joio teve acesso, além da divisão temática dos planos do setor para a agenda política deste ano, o organograma traz políticos, presidentes de associações e técnicos responsáveis pela operação dessas articulações no Congresso Nacional, Legislativo e Judiciário. 


Metas para o ano

O documento apresenta também quais são as prioridades de cada um desses grupos no Congresso, Executivo e Judiciário. As metas para o ano de 2021 são divididas por temas. Em muitos casos, as áreas no documento interno têm nomes diferentes dos que são usados para o público externo (a de Propriedade Privada tem em seu nome para o público interno a menção a minorias, pelo esforço contra o reconhecimento de territórios tradicionais indígenas, como demonstra sua atuação). Planilhas de anos anteriores, que podem ser encontradas em pesquisas na internet, mostram as prioridades de anos anteriores, mas não costumam ligar a atuação diretamente a técnicos e integrantes das associações representadas pelo IPA.

Oficialmente, a diretoria da FPA é composta pelo presidente (Sérgio Souza – MDB/PR), dois vice-presidentes da Câmara (Evair de Melo – PP/ES e Neri Geller – PP/MT) e um do Senado (Zequinha Marinho – PSC/PA), coordenadores Jurídico (Marcos Rogério – DEM/RO), Institucional (Aline Sleutjes – PSL/PR) e de Política, um na Câmara (Pedro Lupion – DEM/PR) e outro no Senado (Soraya Thronicke – PSL/MS).

O IPA não publica a lista de seus associados, mas cita que são 44 associações (algumas delas tampouco apresentam quem faz parte delas). Também não mostra o tamanho de sua equipe e quem faz parte dela. Nem mesmo o nome de João Henrique Hummel Vieira, que se apresenta em entrevistas à imprensa e no seu perfil no Linkedin como diretor executivo do instituto.

No site, aparecem apenas os nomes do conselho de administração e do conselho fiscal: 


Agro domina a pauta do Congresso

Quando os deputados ligados à Frente Parlamentar da Agropecuária decidiram colocar o PL-2633/2020 em votação, no dia 3 de agosto, parlamentares da oposição e entidades ligadas aos direitos humanos e ambientais já tinham certeza da derrota. Conhecido como PL da grilagem, o projeto recebeu 296 votos favoráveis e 136 contrários e seguiu para o Senado Federal. A proposta aumenta de quatro para seis módulos fiscais o tamanho das terras da União passíveis de serem regularizadas como propriedades privadas e possibilita a regularização não só na Amazônia, mas em todo território nacional, além de beneficiar quem desmatou ilegalmente as terras. A legislação já sofreu uma série de mudanças na década passada com o objetivo de facilitar essas regularizações de domínio privado sobre áreas públicas.

A certeza da derrota veio com certo alívio aos oposicionistas. O acordo previa a aprovação do relatório de Bosco Saraiva (SDD-AM) ao projeto apresentado por Zé Silva (SDD-MG), sem emendas. No Senado, tramita um projeto do senador Irajá de Abreu (PSD-TO), o PLS-510/2021, que aumenta ainda mais o tamanho e as possibilidades de regularização de propriedades privadas em terras públicas. Os deputados federais contrários tentaram evitar a votação, mas uma mudança no regimento interno tornou as obstruções da pauta, uma ação normal da minoria, ainda mais difícil. Com o assunto no Senado, resta agora aos ambientalistas pressionarem para que as propostas de Irajá não sejam incorporadas ao projeto aprovado na Câmara. Uma redução de danos. Ou, numa hipótese mais remota, derrubar a proposta.

A batalha perdida na primeira semana de agosto, logo após o recesso parlamentar, é só um exemplo do que pode vir nos próximos meses. Mais do que prever quais serão as próximas ameaças às questões ambientais e aos direitos dos povos originários, a série Agro é lobby e esta reportagem pretendem mostrar como funciona a engrenagem para que tudo isso seja feito. 

Um primeiro personagem mais visível é Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e um dos líderes do chamado Centrão. Em maio, seu grupo conseguiu aprovar uma mudança no regimento da Casa para dificultar a obstrução, estratégia usada pela minoria para retardar a aprovação de projetos. Muitas vezes, a obstrução permite que os oposicionistas ganhem apoios na sociedade civil para pressionar contra a aprovação de determinadas propostas.

Lira é integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária, assim como seu antecessor, Rodrigo Maia (s/part-RJ). Mas a relação com os deputados ambientalistas é diferente. Com o regimento antigo, Maia colocava em votação os projetos em que havia consenso entre os líderes partidários, até como forma de evitar obstruções. Outra diferença apontada é que Maia, apesar de ser um defensor intransigente de pautas liberais, mantém uma relação amigável com intelectuais e artistas que defendem causas ambientais e direitos de povos tradicionais e originários. Lira não tem a mesma proximidade com grupos contrários de pressão. Assim, fica mais livre para atender os interesses de uma frente que tem quase metade dos 513 deputados.

Com isso, a tendência é que as decisões das reuniões semanais  às terças-feiras da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) entrem na pauta da semana. A influência compete inclusive com o Colégio de Líderes, órgão da Câmara que reúne os líderes de blocos e partidos e que costuma se reunir também na terça-feira para debater a pauta de votações da semana. O poder da FPA é tamanho que seus adversários se referem a ela apenas como “a frente”. Para analisar a atuação da frente é preciso entender a atuação de um grupo que, em tese, não tem relação com o Congresso: o Instituto Pensar Agro (IPA).


“Colégio de líderes” do agronegócio

O instituto se apresenta como uma organização representativa sem fins lucrativos, criada “por entidades do setor agropecuário com o objetivo defender os interesses da agricultura e prestar assessoria à FPA por meio do acordo de cooperação técnica”. O instituto afirma que reúne “44 entidades do setor produtivo agropecuário”, “responsáveis por levantar agendas de debates e questões relacionadas ao setor, funcionando como canal interlocutor entre as entidades da cadeia produtiva rural e os parlamentares que estão envolvidos na causa”.

 A reunião de terça da FPA funciona como uma espécie de “Colégio de Líderes” do Agronegócio. É quando os parlamentares decidem junto com os integrantes do IPA quais são as pautas prioritárias da semana. Quando a frente coloca um tema como prioritário para a semana, é sinal que já houve um consenso entre seus principais líderes e a votação será em bloco. Claro que nem todos os parlamentares ligados ao grupo votam com a FPA, existem entre seus integrantes alguns que são vistos inclusive como “infiltrados” (deputados com atuação ambientalista e favorável a direitos indígenas, que tentam manter um canal de diálogo ou buscam informações), mas a maioria acompanha as decisões da frente.

Assim como um governo, a frente coloca temas na pauta depois de acertar as questões internas e ter a convicção da aprovação da proposta. Votar em bloco é uma forma de reforçar o poder do grupo, além de ser uma prova de fidelidade para seus integrantes.

A atuação do IPA não se resume a um rega-bofe aos parlamentares em uma luxuosa mansão no Lago Sul, em Brasília, às terças-feiras. Seus técnicos e associados atuam no Congresso, inclusive nas comissões temáticas, e lançam documentos de orientação para bancada, como os resumos executivos. Neles, seus técnicos apresentam projetos de interesse do instituto, orientam a votação e apresentam as justificativas. 

Alguns deles estão publicados no site www.pensaragro.org.br, onde é possível saber, por exemplo, que a FPA é contra o PL 90/2020, que “proíbe a produção e a comercialização de qualquer produto alimentício obtido por meio de método de alimentação forçada de animais”, do senador Eduardo Girão (Pode-CE). Uma das justificativas para a orientação de voto é que os parlamentares estariam “regredindo uma questão cultural” . “O foie gras é um item quase que indispensável em momentos de reunião, como aniversários e festas familiares francesas”, afirma.

Os resumos executivos aparecem no site com a assinatura de Tiago Pereira, um dos assessores técnicos da frente. Segundo seu perfil no Linkedin, ele é engenheiro agrônomo formado na UnB, com mestrado na área pela mesma instituição. Na rede social profissional, Pereira conta que começou a atuar no instituto em setembro de 2019 e, desde janeiro de 2020, é também consultor da Action Relações Governamentais. Ele é o único técnico cujo nome aparece no site do IPA. A parte de equipe aparece como pendente de atualização. A empresa, criada em 2018, tem como sócio gestor João Henrique Hummel Vieira, diretor-executivo do IPA. São sócios da empresa outros nomes ligados ao instituto, como Gustavo Carneiro e Mírian Vaz, além de Pedro Araújo Hummel Vieira e Ana Paula Pascon Araujo Vieira, filho e esposa de Hummel. Antes da Action, Hummel também foi sócio da Anima Legis, do mesmo ramo de atividade.

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Interesses dos produtores rurais

Antes da criação e consolidação do IPA, o principal grupo de pressão política do agronegócio era a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), uma entidade organizada de representação das federações estaduais e o dos sindicatos rurais, com funcionamento parecido com outras confederações nacionais empresariais ou de trabalhadores que recebem recursos públicos. Hoje, a própria CNA faz parte do instituto. Um representante da confederação, o ex-deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), é presidente do IPA. Ele também já presidiu a FPA.

A CNA representava os interesses dos produtores rurais, o escopo do IPA é bem maior. Fazem parte dele entidades representativas de diferentes setores relacionados à produção rural, fabricantes de maquinários, insumos, produtores rurais, entidades relacionadas a financiamento e seguro da produção, das cooperativas e das indústrias de alimentos. Até a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) está entre seus associados. Por trás dessas entidades, estão grandes produtores e empresas, inclusive estrangeiras, no agronegócio brasileiro. São elas que financiam indiretamente o IPA e, consequentemente, a atuação da FPA. 

“Se antes era possível mapear a ligação de parlamentares com o agronegócio por propriedades rurais ou financiadores ruralistas, hoje a relação é ainda mais complexa, porque estamos analisando uma cadeia com interesses em diversas etapas da produção”, afirma o antropólogo Caio Pompeia, autor do livro Formação Política do Agronegócio (Editora Elefante). O exemplo mais significativo é a entrada dos agentes do mercado financeiro na organização.

A maior amplitude das demandas e o tamanho da bancada também levaram a uma atuação maior da FPA nas comissões. Antes mais relacionada à Comissão de Agricultura (onde tradicionalmente tem maioria), a frente hoje tem atuação em comissões como a de Trabalho, Meio Ambiente, Finanças, Seguridade Social e Constituição e Justiça, para ficar em alguns exemplos mais ligados a seus interesses. “A FPA está representada em todas as Comissões Permanentes e tem maioria em todas as Comissões Especiais/Temporárias criadas para analisar propostas de interesse do setor agropecuário”, como o IPA afirma em documentos de anos anteriores sobre a sua atuação.

Com tantos interesses em disputa, fica mais importante manter a unidade de votação do grupo. Um exemplo são adversários da frente que dividem o grupo em duas atuações: a bancada do agro, mais preocupada com as exportações e os possíveis impactos negativos da repercussão internacional de ações contra indígenas e o meio ambiente, e a bancada ogro (referência ao monstro do folclore europeu que ficou conhecido no Brasil por conta do desenho Shrek), indiferente a possíveis retaliações em mercados internacionais considerados mais exigentes.

Um exemplo dessa divisão se deu em meados de agosto, no episódio em que Galvan apareceu ao lado de Sérgio Reis. Importante líder dos produtores de soja, o ex-ministro, ex-governador de Mato Grosso e ex-senador Blairo Maggi (PP) deu declaração desautorizando Galvan de falar pelo “agronegócio”. Mesma posição assumida por Leitão.

Dias depois, já no fim do mês, a Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), Abisolo (Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal), Ibá (Indústria Brasileira de Árvores), Abrapalma (Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma), Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal) e Croplife Brasil divulgaram uma carta em que manifestam preocupação com a possibilidade de uma crise institucional e em defesa da democracia. Sem um rompimento, o setor ficou com um pé em cada barco.

Além de conflitos políticos, a frente também enfrenta disputas de interesses entre representantes de diferentes etapas da produção de um mesmo produto. Por isso, a importância dos consensos na atuação da frente. E do instituto.

Por Redação

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