‘Pai’ da soja de Sorriso, o latifundiário Argino Bedin mantém apoio após parte do agro rachar com o presidente
A mansão que fica atrás de diversos silos está vazia. O proprietário da casa, dos silos e das fazendas de soja que a circundam não atende às chamadas de telefone. “Ele está na outra fazenda”, afirma a pessoa que tenta intermediar a nossa entrevista com Argino Bedin, latifundiário e produtor rural sulista que vive em Sorriso desde a década de 1970.
O “pai da soja” de Sorriso, cidade conhecida como a capital do agronegócio, só vai nos atender para uma entrevista por telefone em março deste ano, três meses depois da viagem que fizemos à região que ficou conhecida como “Nortão” de Mato Grosso. O apelido foi dado pelo fato de Bedin ser um dos pioneiros e um dos maiores produtores de soja de Sorriso.
Nascido em uma família de produtores rurais, Bedin mudou-se para o norte do Mato Grosso em 1979, durante o processo de colonização da região, impulsionado pela ditadura civil-militar (1964-1985), no governo de João Figueiredo, que criou uma política de crédito agrícola com o slogan “Plante que o João garante”, para incentivar a produção de grãos. “Foi um incentivo muito bom”, afirma ele, que acha que os governos militares “traziam uma boa segurança para toda a população” e que “só não eram bons para quem não queria trabalhar.”
Argino afirma que, desde a época que chegou a Sorriso, os produtores rurais sonhavam com o asfaltamento da BR. “E a conclusão só foi acontecer agora na entrada do Bolsonaro, graças a deus.”
Setor fiel ao governo de Jair Bolsonaro desde o começo, recentemente o agronegócio se dividiu no apoio ao presidente. O produtor de Sorriso recebeu Bolsonaro em uma de suas fazendas quando da visita presidencial à região, em setembro de 2020. Questionado se segue apoiando o presidente, ele nos pergunta: “Vocês ouviram falar de corrupção depois que ele assumiu? É a pergunta que eu faço para vocês, dois jornalistas.” E depois confirmou: “Até debaixo d’água eu defendo o governo Bolsonaro.”
Durante a conversa, Argino nos questionou algumas vezes sobre a condução da entrevista, como quando disse: “Vocês estão falando de mim, estão querendo entender, e pelo que eu entendi da conversa de vocês, estão contra o Bolsonaro”.
O senhor podia contar como chegou ao Mato Grosso?
Eu nasci no Rio Grande do Sul, no município de Lagoa Vermelha. Quando eu tinha uns três anos de idade meu pai foi para Renascença, no Paraná. Aí eu me criei. Meu pai era madeireiro na época, mas a minha mãe sempre plantava as coisas necessárias para o sustento da família na nossa terrinha lá. Desde pequeno, seis, sete anos, a gente participava ajudando em alguma coisa que a gente podia. A gente roçava na foice, cortava no machado, na enxada.
Em 72, quando eu tinha 22 anos, meu falecido pai comprou o primeiro tratorzinho, um Massey Ferguson 65. E aí que a coisa acelerou mais ainda a vontade de trabalhar com agricultura. Começamos a plantar dez hectares, depois foi até uns 80 e poucos hectares. Aí a gente comprou uma colheitadeira. Eu colhia pra fora, pra terceiros. Eu casei lá no Paraná, foi onde o meu filho nasceu. Quando meu filho tinha um ano e pouco, meu pai tinha comprado umas terras aqui no Mato Grosso. Ele falou: “Vou comprar pros netos”. Foi em 1975, 76. Vim duas vezes olhar.
E aí a gente veio para cá em quatro primos e resolveu vir morar em Sorriso. Nós trabalhamos uns três ou quatro anos juntos e cada um começou a tocar o seu negócio. Foi assim com muita dificuldade porque lá no Sul a gente tinha infraestrutura. A gente morava uns seis ou sete quilômetros da sede do município. O asfalto passava a dois mil metros de onde morava. De Cuiabá para Sorriso, era só chão. Quatrocentos e poucos quilômetros de chão, e ruim a estrada. A gente veio em 1979, mais precisamente dia 19 de julho de 1979 a gente botou o pé em Sorriso.
Como a gente tinha lavoura lá no Sul, meu irmão mais velho ficou trabalhando lá. Quando foi 87, meu irmão veio pra cá morar com a família dele. E foi indo, todo ano aumentando um pouquinho a lavoura, devagar. Teve anos que foi difícil o preço dos produtos, a distância, escoar a produção. Passamos anos difíceis mesmo.
O senhor falou que se mudou com a família em 79. Essa decisão de ir para o norte de Mato Grosso teve a ver com esse incentivo do governo [da ditadura civil-militar] João Figueiredo, o “Plante que o João garante”?
Exatamente. Eles falavam que tinha que integrar para não entregar. Então a gente veio nessa coisa do “Plante que o João garante”. Foi um incentivo muito bom. E foi o Exército que abriu essa BR 163, de Cuiabá a Santarém. Desde aquela época a gente sonhava com o asfaltamento da BR. E aí entra governo sai governo que promete não faz. E foi muita luta. A gente promoveu caminhonaço. Duas vezes. Uma vez eu fui até Miritituba com o caminhão carregado e aí na época meu irmão também foi. Todos da família participaram para tentar sensibilizar o governo que havia necessidade do asfaltamento da 163. Fernando Henrique Cardoso esteve em Sinop duas vezes. E foi só promessa. E a conclusão só foi acontecer agora na entrada do Bolsonaro, graças a deus.
Como era esse cotidiano de sulistas na cidade de Sorriso? Como foi a construção do CTG?
Isso aí está no sangue do povo do Sul, principalmente dos gaúchos. Migrar para outros lugares, expandir para novas regiões. Aproveitar as oportunidades de expandir o negócio da gente. A gente veio em função disso. Lá no Sul as áreas eram pequenas e bem complicado para se trabalhar, com bastante declive. Aqui a terra é plana e tem clima 100% favorável para a agricultura: tem o período da chuva e o período da estiagem. Então a gente veio em função disso porque a terra em si é pobre, se você não fizer ela ser produtiva, ela não produz nada. Se você chegar e plantar qualquer cultura aqui sem correção de calcário, de fosfato, de fertilizantes, você não colhe nada. Então a gente já veio sabendo disso. E a gente começou devagar, foi dando certo. No começo, era só arroz. O comércio do arroz não era muito bom, também porque a qualidade do arroz não era igual. Hoje tem arroz aqui de sequeiro nosso aqui que é igual aos outros arroz irrigado lá do Sul.
Na época, era arroz que não tinha longo, fino igual tem hoje. Foi difícil o começo. Foram difíceis os anos de transição de arroz para a soja. A gente começou plantando junto com meus primos. Acredito que foi em 1982 que plantamos 30 hectares de soja de duas variedades. E deu certo. As variedades adaptáveis à região já e aí começou uma mudança, em vez de plantar arroz se começou a plantar soja. Patinamos um pouco no início porque lá no Sul a gente já fazia plantio direto da soja na palha e aqui a gente começou fazendo isso, mas não tinha os herbicidas adequados para eliminar as ervas daninhas do Cerrado. Mas um ano ou dois já resolveu o problema. A gente foi comprando um pouco de milho. O milho também não tinha preço, mas ainda compensava mais plantar milho do que milheto.
Aí o governo começou a dar um prêmio para cobrir o preço mínimo. Porque nem o preço mínimo conseguia pegar aqui na região.. E aí foi indo. Agora, de poucos anos pra cá, o milho se tornou bem interessante por causa das usinas de etanol e mesmo a exportação do milho também valorizou bastante. Hoje mais ou menos o mesmo valor da exportação é o preço que as empresas pagam para transformar em etanol.
Então, sempre tem dificuldades. Por exemplo, há uns três anos começou a aparecer uma anomalia na soja. Quando ela ainda está em formação, começa a dar um acontecimento na vagem. Parece que cada ano está aumentando e os pesquisadores não conseguem detectar realmente quais as causas.
O senhor falou de passagem sobre o governo Bolsonaro. A gente vê que tem setores do agronegócio que apoiam ele e setores que já não apoiam. O senhor segue apoiando Bolsonaro? E qual a opinião geral sobre o governo dele?
Minha opinião geral sobre o Bolsonaro é o seguinte: vocês ouviram falar de corrupção depois que ele assumiu? É a pergunta que eu faço para vocês, dois jornalistas.
Como é que o governo Bolsonaro está tratando o agro?
Se o governo fizer a infraestrutura necessária nesse país como está direcionado que está tentando fazer, o ministro Tarcísio [Gomes de Freitas, ministro de Infraestrutura] a tendência é melhorar cada vez mais esse país. Porque o agronegócio é uma das coisas que carrega esse país nas costas. Vocês não acham?
E a agricultura, ela anda com as suas próprias pernas. É só o governo não atrapalhar. Depois que o governo assumiu aí surgiu essa pandemia, isso aí dá uma desestruturada no país tamanha que dá nem para imaginar. E eu estou vendo que já está sendo suportada pelo governo. Eu sei que está com muita dificuldade, mas está andando.
Eu vejo assim o encaminhamento do nosso país como sendo bem assim direcionado. Um país sem corrupção, com mais honestidade, e não é igual antes, que desviava dinheiro para todos os países, sem retorno, negócio malfeito.
Então eu não sou muito conhecedor dessas coisas, mas a gente percebe que a tendência do país, se andar do jeito que tá andando é só melhorar. É só melhorar. Para todo mundo. Não é só para o agronegócio, mas eu acho que para o comércio em geral, indústria.
Eu acho que a população, principalmente as pessoas mais carentes, tá tendo isso no governo Bolsonaro. No meu ponto de vista é isso.
Então o senhor segue apoiando o presidente?
Eu? Até debaixo d’água eu defendo o governo Bolsonaro. Agora, eu gostaria de perguntar para esse povo do agronegócio, porque eu soube de uns aí do agronegócio forte, que estão apoiando a turma da esquerda aí, para ver os benefícios que esse povo teve no governo corrupto. Quanto dinheiro eles pegaram do BNDES. Onde não sobrou pros que realmente precisavam. Quando ia pegar, tinha acabado a verba porque a maioria foi esse povo que pegou.
Na época dos governos Lula e Dilma teve dificuldade de financiamento? E nessa parte de logística que o senhor mencionou, teve obras?
Da parte do governo federal não teve nada. Teve aqui dentro do estado asfaltamento de rodovias estaduais. Em parceria com os produtores rurais saiu bastante asfalto dentro do estado.
Mas o governo federal, a Rota do Oeste, que pegou a concessão da 163, era para ter duplicado tudo isso aí e a corrupção foi tanta que acabou não duplicando. Hoje, se você andar por aí na 163 é nego furando pneu do carro. Tudo buraco. E a concessão é a Rota do Oeste, que é a da Odebrecht.
O senhor mencionou essa questão da produção de milho, que teve um período que era difícil. Conta um pouco mais qual foi esse período e como foi solucionada a questão.
Tinha o preço mínimo. Mas isso mal cobria os custos. Valia a pena ainda por causa da rotação de cultura, que você tira a soja e plantava milho. E quanto mais produzir, mais oferta de alimento dentro do país.
Tinha o preço mínimo do governo, e para atingir esse preço mínimo para o produtor, o governo tinha que auxiliar a Conab com um prêmio. Vamos dizer que o preço mínimo era R$ 15, o preço do mercado era R$ 12, então, cada saco de milho governo federal pagava R$ 3 para atingir os R$ 15.
Como o senhor compara o governo do Bolsonaro com o governo Lula ou o governo Dilma?
O governo do Lula, vocês são sabedores, foi dinheiro nosso, que poderia ter feito infraestrutura aqui dentro do país, e foi lá pra Cuba, pra Venezuela, para Argentina. Foi pra vários países. Para fazer infraestrutura, portos, aeroportos. E a nossa região é a região que mais tem garantido produção, por causa do clima, e a gente sem infraestrutura. Tendo risco para produção, e o governo mandando dinheiro para esses países, deixando nós a ver navios. E aí vocês acham que o Bolsonaro é pior do que o Lula?
A gente está querendo ouvir o que o senhor tem a dizer.
Mas pela conversa de vocês dois dá pra perceber a tendência. Ou eu estou errado? Vocês estão falando de mim, estão querendo entender, e pelo que eu entendi da conversa de vocês, estão contra o Bolsonaro.
Quais as diferenças e semelhanças do governo Bolsonaro e dos governos militares?
Os governos militares traziam uma boa segurança para toda a população brasileira. O governo militar só não é bom para quem não quer trabalhar. De pessoas que querem esperar o pão de cada dia na mesa sem trabalho e sem esforço. Essa é a diferença que dá para perceber nitidamente que o governo que trabalha honestamente traz segurança e traz infraestrutura para o país do que é um populista que vai só na marra, que quer ganhar o voto da população tipo assim ficar o cidadão de cabresto. Se você não votar em mim você não vai ganhar isso se você não fizer isso você não ganha aquilo que eu falei a infraestrutura. A transposição do rio São Francisco aconteceu quando o presidente Bolsonaro entrou.
Na região tem alguns sitiantes agricultores familiares e tem também alguns assentamentos. Como é a relação de vocês que produzem em larga escala com o pessoal que tem propriedades menores?
Olha, é a melhor possível. Se a gente puder auxiliar eles, falando “é melhor fazer isso e aquilo”. Muita gente me procura para trocar uma ideia sobre o que seria melhor fazer. E a gente sempre incentiva a permanecer plantando, colhendo, se envolver na melhor cultura possível. A gente troca muita ideia com eles.
Então é possível conciliar a produção do agronegócio com a produção de agricultura familiar?
Com certeza. A cidade precisa de todos. Precisa do grande, do médio, do pequeno, da agricultura familiar. A população precisa de todos.
Quanto de soja o senhor produz?
Hoje eu planto oito mil e poucos hectares colhendo uma média de 60 sacas. Esse ano muita gente colheu mal.
Por onde é o escoamento?
Vai muito para o Pará, e estou sabendo que a rodovia também está com bastante problema, com muito buraco, bem complicado. Mas está indo mais para o Pará do que para Rondonópolis.
As famílias sulistas têm bastante orgulho de ter participado da construção da cidade e da região. Qual foi a contribuição das pessoas do próprio Mato Grosso e do Nordeste e Norte para a construção das cidades do Norte do MT?
Eles colaboraram também com o desenvolvimento, com trabalho. E principalmente os nordestinos que vieram para cá, do Maranhão. Aqui na nossa região tem muita oportunidade. Elas foram proporcionadas pela nossa vinda lá do Sul.