Foto: Fellipe Abreu

Vereadores de capital do agro aprovam moção de repúdio contra o Joio

Representantes da Câmara Municipal de Sorriso (MT) consideram ‘discriminatória’ reportagem que retrata racismo e segregação. Autor de moção foi recentemente detido por consumir bebida alcoólica e dirigir, e tem projeto para proibir o uso de linguagem neutra

Os vereadores da Câmara Municipal de Sorriso, em Mato Grosso, aprovaram moção de repúdio contra a reportagem “Racismo e apartheid nas cidades da soja”, publicada no dia 16 pelo Joio. Na sessão da última segunda-feira (21), os políticos discursaram durante cerca de 40 minutos, na maioria do tempo para criticar o texto escrito pelos repórteres Tatiana Merlino e João Peres. 

A moção foi apresentada no dia 17 pelo vereador Iago Mella (Podemos), que inicialmente atribuiu erroneamente a reportagem ao Portal Terra. O portal tem uma parceria de republicação com o site Alma Preta, que por sua vez havia publicado o texto em conjunto com o Joio. “A grande riqueza deste município é realmente a unidade. Aqui não somos divididos por riqueza, não somos divididos por classe, nem cor e nem credo”, discursou o vereador, em sessão realizada no dia 18. “As pessoas aqui são todas respeitadas mutuamente, todas têm direito à cidadania. Não existe preconceito. Falando em apartheid, realmente, é lamentável.”

Esta é a primeira vez que o Joio é alvo de uma moção de repúdio municipal. A reportagem é parte da série “Muito Além da Porteira”, que tem mostrado o avanço geográfico do agronegócio com o impulso decisivo do mercado financeiro. Os repórteres estiveram em novembro passado em Mato Grosso. Em nossos textos e no podcast, abordamos também a pobreza nas capitais do agronegócio, em contraposição ao discurso de perfeição atrelado à “indústria-riqueza do Brasil”. 

Temos também exposto casos nos quais qualquer crítica ao agronegócio foi tomada por vereadores da região como uma ofensa inaceitável. Em 2020, os vereadores de Sinop, a maior cidade do chamado Nortão do Mato Grosso, chegaram a aprovar uma lei que proibia qualquer homenagem ou menção à ativista ambiental Greta Thunberg. No começo deste mês, o prefeito Roberto Dorner editou um decreto no qual proíbe a “ideologia de gênero”. Em Bonito (MS), no final do ano passado, uma professora foi pressionada, e a Polícia Militar foi chamada à escola após ela criticar o agronegócio. 

Na moção, Mella afirma que “a Câmara Municipal de Sorriso se solidariza com todos os que de alguma forma sentiram-se constrangidos e ofendidos diante da discriminação citada pelo referido site e reafirma o compromisso de jamais deixar de se pronunciar diante de quaisquer atos de violência contra qualquer cidadão de nosso município, sejam eles por palavras, atos ou crimes de ódio que busquem ofender nossos munícipes.”Por fim, diz que a reportagem tem “conteúdo discriminatório, racista e difamatório, propagando um discurso de separação de posições de classe social (desigualdade), política e ideológica”. 

A reportagem do Joio solicitou uma entrevista com o vereador Iago Mella, por email e WhatsApp, mas não houve retorno até a publicação do texto.

“Engajamento contra o agro”

Em um novo discurso, na sessão da última segunda-feira, 21, Mella leu trechos da reportagem de “extremo mau gosto”, e fez acusações ao Joio. “É um portal que tem no Instagram todo o engajamento contra o agro. Deve ser financiado por forças ocultas que têm interesse em colocar o agronegócio como um vilão. Então, nós temos que repudiar nessa casa de leis. Temos que dar uma resposta à altura, e dizer que em Sorriso as pessoas são e estão aonde querem e aonde se sentem melhor. Aqui ninguém é discriminado.”

Em tempo: a política de financiamento do Joio é aberta a todos os leitores e ouvintes. Todos os nossos financiadores estão listados em nossa página – não há, portanto, “forças ocultas” em nossa política de sustentação. Contamos, ainda, com doações do público, que nos apoia pelo programa de membros Sementeira

A série “Muito Além da Porteira” envolveu 15 pessoas, entre reportagem, edição de arte, edição de som, administração e coordenação editorial. Nossos repórteres entrevistaram dezenas de pessoas, viajaram milhares de quilômetros pelo Mato Grosso, revisaram milhares de páginas de documentos e relatórios, e leram artigos científicos, matérias e livros. 

Pela direita

Em seu perfil do instagram, o vereador se apresenta como o “mais jovem e segundo parlamentar mais votado na história da Câmara de Vereadores” e indica que seu caminho é “pela direita”.

Em fevereiro, Mella foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal na BR-163 após os policiais encontrarem uma garrafa de bebida alcoólica em seu carro. Após ser parado, se recusou a fazer o teste do bafômetro. No veículo, foram encontradas uma pistola e munições. Detido, Mella pagou uma fiança o valor de R$ 6 mil e foi liberado. 

Em novembro do ano passado, Mella teve um projeto de lei aprovado que proíbe o uso da “linguagem neutra” nas escolas de Sorriso -MT. “A lei municipal estabelece medidas protetivas ao aprendizado da língua portuguesa dentro das normas vigentes, preservando de questões ideológicas e mantendo um ensino qualificado dos estudantes e profissionais.”

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O mito e os fundadores

Embora a moção de repúdio tenha sido aprovada, dois vereadores teceram ponderações favoráveis à reportagem. “A matéria fala a realidade de Sorriso. O erro da matéria foi citar nomes de pessoas fundadoras de Sorriso. Mas isso, nós temos problema no município. Problemas que nós muitas vezes fechamos os olhos”, disse Jane Delalibera (PL). “Nós temos que parar de enxergar só a capital nacional do agronegócio.”

Um ponto de especial irritação com a reportagem foi a menção aos nomes das famílias fundadoras de Sorriso. No geral, o discurso oficial da cidade é de que a região foi desenvolvida pelos migrantes sulistas que vieram na segunda metade do século passado, em particular com os incentivos criados pela ditadura (1964-85). “Nós temos problema de arrecadação? Não. É culpa dos fundadores? Não. É falta de gestão. E de gestão nossa”, complementou a vereadora. 

Na sessão do dia 21, Mella chegou a ler trechos do texto do Joio para os demais vereadores. É uma “matéria extremamente infeliz que trata de uma segregação racial no nosso município. Cita o nome de famílias, a que eu vou aqui fazer justiça, e eu preciso, talvez até me estender um pouquinho, para ler algumas partes aqui, porque vossas excelências ficarão indignados, com certeza”. 

O vereador disse, ainda, que é “temos que dar uma resposta à altura, e dizer que em Sorriso as pessoas são e estão aonde querem e aonde se sentem melhor. Aqui ninguém é discriminado. Aqui não sofremos nenhum apartheid”.

Além de Iago Mella, os vereadores Diogo Kriguer (PSDB), Jane Delalibera (PL), Acácio Ambrosini (Patriota), Mauricio Gomes (PSB), Zé da Pantanal (MDB), Marlon Zanella (MDB), Celso Kosak (PSDB), Wanderley Paulo (Progressistas), Leandro Damiani (PSDB) discursaram criticando a matéria do Joio e votaram favoravelmente à moção. 

Leia o que os vereadores de Sorriso disseram:

Diogo Kriguer: “Aqui todos têm o direito de ir e vir. Têm o direito de estar aonde querem. Sorriso é uma cidade de oportunidades. Uma cidade onde não falta emprego, não falta trabalho, não falta saúde de qualidade.” 

Jane Delalibera: “Ainda temos muito esgoto a céu aberto. Isso ninguém quer mostrar. Eu sou contra a matéria em parte”. 

Acácio Ambrosini: “A diversidade social, a diferença social existe não só em Sorriso, como existe no mundo inteiro” e  que “trazer pra Sorriso e pro mundo uma matéria tendenciosa, mal informada, entristece porque nós como órgão público andamos pela cidade.”

Mauricio Gomes: “Problemas sociais temos em Sorriso. A forma como esse site colocou nessa matéria parece que não tem problema social em Lucas do Rio Verde, Nova Mutum, Sinop, que lá não tem problema social. Triste é ter citado o nome de pessoas pioneiras”.  

Zé da Pantanal:“Infelizmente esse site foi mesmo infeliz nas colocações. Aqui é a cidade da oportunidade. Não existe pobreza, todos que estão na zona leste são pessoas trabalhadoras que estão com sonho na vida e todos eles tem emprego, aqui falta mão de obra, qualificação, é minha cidade e vou defender essa cidade com unhas e dentes”.

Marlon Zanella: “Também discordo das posições do site, e preconceito não é uma situação de Sorriso, ele é latente o racismo é no país inteiro”.

Celso Kosak: “Temos que repudiar, é uma matéria tendenciosa. Vem tentar separar uma terra que é de oportunidades”.

Wanderlei Paulo: “Sorriso, além de ser a terra das oportunidades, foi a terra da superação e isso é maravilhoso. Teve uma epoca que havia discriminação mas hoje esta superado,A gente lamenta a forma como foi escrito”.

Por Redação

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