“O agronegócio brasileiro alimenta um bilhão de pessoas.” Só que não. Nem é preciso ir longe para checar a realidade: em 2022, qualquer brasileiro está a alguns passos de um outro brasileiro passando fome – se é que ele mesmo não está passando fome. O agronegócio produz milhões de toneladas de grãos (soja e milho à frente) e de carnes. Mas, cada vez mais, o sistema de produção em larga escala é contestado não apenas por descumprir a promessa de erradicar o problema da fome, como por potencializar essa questão. Como é possível?
1. Avanço sobre áreas da agricultura familiar
Num país como o Brasil, a agricultura familiar tem um papel fundamental na produção dos alimentos mais consumidos. Nos últimos anos, tornou-se mais clara a competição do agronegócio por áreas de florestas públicas, terras indígenas e… agricultura familiar. Pequenos produtores relatam como tem sido difícil permanecer na terra, seja por pressão econômica, seja por violência, grilagem e ameaças.
Os dados mais recentes que temos são do Censo Agropecuário, de 2017, ou seja, teremos de esperar mapeamentos futuros para entender melhor como está se dando esse processo. Porém, a investigação de casos específicos nos ajuda a compreender o que acontece. Unaí, no noroeste de Minas Gerais, é uma das maiores produtoras brasileiras de feijão. Olha só o que ocorreu nos últimos 20 anos.
2. Êxodo rural
O Brasil perdeu 1,5 milhão de postos de trabalho rurais entre 2006 e 2017. Mas essa perda foi bastante desigual. A agricultura familiar foi reduzida em 2,2 milhões de trabalhadores, ao passo que a agricultura não familiar teve aumento de 703 mil vagas. Um dos fatores é a maior mecanização do trabalho, em especial o crescimento do número de tratores. Mas a perda de áreas da produção de alimentos, convertidas para a produção de commodities, também tem um papel nessa equação. De novo, vale a ressalva de que, cinco anos depois, a situação real é provavelmente pior.
3. Privilégio no uso de recursos financeiros públicos
O agronegócio tem privilégio absoluto no acesso ao financiamento público. Além de poder recorrer ao Plano Safra, tem à disposição uma série de mecanismos do mercado financeiro que já se tornaram até maiores que o montante de dinheiro governamental. A agricultura familiar acaba obrigada a seguir o mesmo modelo, ou seja, a se tornar um agronegocinho. As atividades mais financiadas pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) em 2020 foram a bovinocultura e a soja (59,9%) e a produção de milho (14,4%). Já para a produção de arroz e feijão foram destinados apenas 2,53% dos recursos do Pronaf Custeio Geral.
4. Mercado externo
O agronegócio é guiado pela busca do lucro a qualquer custo. Os brasileiros têm vivido essa situação no dia a dia. A desvalorização do real, ocorrida nos últimos anos, tornou os produtos do agronegócio ainda mais atraentes para outros países. Com isso, o arroz teve fortes altas em 2020. No mesmo período, a carne bovina também sofreu elevação, decorrente do apetite do mercado chinês, o que também puxou pra cima os preços das carnes suína e de frango, e dos ovos. Para piorar, os melhores produtos vão ao exterior.
5. Atrelamento ao dólar e inflação
O sistema alimentar globalizado faz com que os preços sejam definidos internacionalmente, com base nas movimentações do mercado financeiro e nas projeções globais sobre safras. Esse fator pode causar uma grande instabilidade em países com alto consumo de itens específicos. Nos últimos dois anos, a alta cotação do milho vem mexendo com os preços desse grão dentro do Brasil, o que afeta os produtores de porcos e frangos. O aumento do interesse de outros países por produtos brasileiros também é um prato cheio para desmatadores e grileiros avançarem sobre o Cerrado e a Amazônia.
6. Exclusão e expulsão de produtores
Nas últimas décadas, praticamente todos os setores alimentícios passaram por concentração de mercado. O poder nas mãos de poucas empresas afeta agricultores e produtos, que não têm opções na hora de escoar os alimentos e acabam obrigados a aceitar os preços impostos. O caso do leite é emblemático porque afeta uma série de itens relevantes na dieta dos brasileiros. Essa demanda concentrada tem um impacto, também, sobre a biodiversidade, já que as corporações acabam definindo o que será produzido, com impactos terríveis sobre frutas, legumes e verduras regionais.
Referências
- ojoioeotrigo.com.br/2020/09/o-que-o-dolar-alto-tem-a-ver-com-a-destruicao-da-amazonia-e-do-cerrado/
- ojoioeotrigo.com.br/2021/01/preco-de-alimentos-2021/
- ojoioeotrigo.com.br/2021/08/governo-projeta-reducao-de-ate-duas-vezes-na-area-plantada-de-arroz/
- ojoioeotrigo.com.br/2021/11/como-a-manteiga-se-tornou-uma-estrela-no-mercado-dos-lacteos/