Bancada do partido na Câmara apresenta pedido de investigação por “graves violações constitucionais”. Em áudio, publicado em parceria com o Intercept, coordenador da Funai afirma que vai atropelar Ibama e liberar garimpo e extração de madeira em terra indígena
A bancada do Psol na Câmara acionou o Ministério Público Federal (MPF) solicitando a investigação do presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, e do coordenador regional da Funai em Barra do Garças (MT), o capitão Álvaro Carvalho Peres. Na representação, os deputados pedem que o MPF investigue as denúncias feitas em reportagem de O Joio e O Trigo, publicada em parceria com o The Intercept no dia 18 deste mês.
A investigação revela um áudio no qual Peres afirma que o presidente da Funai pretende legalizar o garimpo e a extração de madeira em terras indígenas. Segundo o coordenador, a liberação se daria por meio de instrução normativa, nos mesmos moldes do que foi feito em relação à exploração das terras indígenas pelo agronegócio – porém, a Constituição, o Estatuto do Índio e o Estatuto da Terra vedam explicitamente a exploração de terras públicas por interesses privados.
As declarações foram feitas em uma reunião entre servidores de cargos altos da Funai e indígenas ligados ao projeto “Independência Indígena”, que desenvolve, junto a fazendeiros da região, plantio de soja, milho e arroz dentro da Terra Indígena Sangradouro, em Mato Grosso.
Além de Peres, responsável por coordenar as atividades da Funai em seis terras indígenas da etnia Xavante, estavam presentes o coordenador de Promoção à Cidadania da Funai, Tenente Coronel Jorge Claudio Gomes, o superintendente de Assuntos Indígenas do Governo do Mato Grosso, Agnaldo Santos, e indígenas ligados à cooperativa Cooigrandesan, criada para viabilizar o projeto de lavoura mecanizada em Sangradouro.
O encontro gravado foi realizado no dia 23 de agosto. O objetivo era discutir a multa e o embargo impostos pelo Ibama, em julho, aos fazendeiros ligados à lavoura, por desmatamento ilegal e construção de empreendimentos potencialmente poluidores em área protegida.
Graves violações
A representação foi encaminhada no último dia 20 à 6ª Câmara do MPF, responsável por questões relativas às populações indígenas e tradicionais. Nela, os parlamentares do Psol assinalam que os áudios trazidos à tona pelo Joio “tipificam graves violações constitucionais, pois tratam o garimpo ilegal e a extração de madeira com o status de ‘atividade econômica legal’ e benéfica aos povos indígenas, sendo que o princípio da autodeterminação dos povos originários confere o direito de livre determinação”.
Em entrevista ao Intercept, Sâmia Bomfim, deputada federal por São Paulo e líder da bancada, afirmou não ter dúvida de que as gravações revelam condutas ilegais. “Esses áudios mostram como age a Funai no governo Jair Bolsonaro: descumprindo todo o tempo sua função constitucional a favor de explorações de riquezas naturais em terras indígenas”, afirmou. Em sua avaliação, “Marcelo Xavier excede sua função institucional e administrativa ao tentar editar normas infralegais sobre territórios que possuem direitos imprescritíveis e inalienáveis”.
Como mostrou o Joio, as imagens de satélite contradizem a versão evocada pelos defensores do Agro Xavante de que a área utilizada para a lavoura já havia sido utilizada anteriormente. Os laudos apresentados pela própria área técnica da Funai mostram que apenas 300 hectares foram “antropizados” anteriormente, ao passo que a área desmatada é de quase 1.500 hectares.
Na representação, a bancada do Psol destaca como “Fantazzini e Gomes se comprometeram a produzir documentos atestando que a área embargada já havia sofrido ação humana por projetos de lavoura mecanizada desenvolvidos durante a ditadura e no fim da década de 1990”. Para isso, os representantes dos cargos políticos da Funai se baseiam na versão que lhes foi narrada pelos defensores do projeto, ignorando as imagens de satélite.
Os parlamentares do Psol recordam o discurso de Jair Bolsonaro, ainda durante a pré-campanha de 2018, de que daria “uma foiçada no pescoço” da Funai. O então parlamentar cogitava fechar a fundação e declarava abertamente a ideia de não demarcar “nem mais um centímetro” de terra indígena – o que de fato fez. “As instruções normativas que dão ensejo a esta exordial confirmam exatamente mais uma tentativa de dar vazão à plataforma destrutiva e anti indigenista do Governo Federal”, assinala o documento do partido.