Parlamentares europeus posicionam-se após publicação de investigação que rastreia caminho do produto até a Nestlé
A pressão para um monitoramento mais rigoroso da indústria de colágeno aumentou desde que uma nova investigação revelou os vínculos entre o ingrediente de suplementos populares de saúde com desmatamento e invasões de terras indígenas.
A investigação de O Joio e O Trigo em parceria com o Bureau of Investigative Journalism, o jornal britânico The Guardian e a também britânica rede televisa ITV News revelou que empresas multinacionais extraem colágeno de gado brasileiro criado em fazendas responsáveis por 2.600 km2 de desmatamento, segundo dados do Center for Climate Crime Analysis (CCCA). Parte desse colágeno foi rastreado até a Vital Proteins, a marca mais vendida do ramo pertence à multinacional suíça Nestlé e que tem como diretora criativa a atriz norte-americana Jennifer Aniston.
O colágeno bovino é uma proteína extraída do couro do boi, e que pode ser processada em um pó branco fino que celebridades e influenciadores digitais promovem por seus supostos benefícios à saúde. Considerado um subproduto da indústria pecuária, o colágeno não está sujeito aos mesmos padrões de rastreabilidade que a legislação europeia e britânica prevê para outros produtos ligados a desmatamento e violações de direitos humanos, como a carne, a soja e o óleo de palma.
No entanto, a pecuária é responsável por cerca de 80% do desmatamento no Brasil, e os produtos do boi para além da carne em si podem representar até 25% da renda dos frigoríficos. Especialistas entrevistados pela reportagem afirmam que os subprodutos são uma parte vital do modelo de negócios das empresas que compõem a indústria pecuária.
A reportagem teve repercussão internacional. No Reino Unido, o membro do parlamento britânico Chris Grayling, co-presidente do multipartidário grupo parlamentar de desmatamento global, afirmou à reportagem: “Não há desculpas para empresas da indústria de cosméticos adquirirem produtos de áreas de desmatamento ilegal. Eu espero que o novo governo brasileiro acabe com o flagelo do desmatamento ilegal.” O parlamentar acrescentou ainda que as empresas internacionais têm o dever de garantir que suas compras sejam feitas de fornecedores sustentáveis e que agem dentro da legalidade.
Já Delara Burkhardt, deputada no Parlamento Europeu pela Alemanha e que trabalhou na legislação europeia sobre desmatamento, disse à reportagem que as descobertas trazidas à público “mostram que teria sido melhor considerar todos os produtos derivados do gado”. Ela disse que a inclusão de subprodutos foi bloqueada por políticos conservadores, pela Comissão Europeia e pelos governos da União Europeia, e acrescentou que a omissão “deixa grandes brechas abertas para produtos que comprovadamente estão ligados ao desmatamento”.
A lei de desmatamento da União Europeia entra em vigor em 2024 e será revisada no ano seguinte. Para Burkhardt, essa revisão oferece uma oportunidade para a Comissão Europeia “considerar o papel de um produto em tornar lucrativa a pecuária ligada ao desmatamento, mesmo que sejam considerados apenas subprodutos, como o colágeno”.
A marca Vital Proteins mencionada na investigação é vendida globalmente – inclusive on-line na Amazon e em supermercados britânicos como Holland & Barrett, Costco e Boots. O British Retail Consortium (associação britânica de supermercados e revendedores) disse à reportagem que “o desmatamento ilegal é completamente inaceitável” e que seus membros estão “trabalhando com fornecedores para mudar para um abastecimento mais sustentável, fornecendo-lhes acesso a treinamento e mais informações”.
Em resposta à investigação, a Nestlé, dona da marca Vital Proteins, afirmou que as alegações levantadas não estavam de acordo com seu compromisso com o fornecimento responsável, e que havia entrado em contato com seus fornecedores para investigar mais a fundo. A multinacional suíça acrescentou ainda que está tomando medidas para garantir que seus produtos sejam livres de desmatamento até 2025.
A Vital Proteins agiu para tranquilizar seus compradores. Em uma carta a qual a reportagem teve acesso, a empresa afirmou que “acabaria imediatamente com compras de fornecedores da região amazônica”.
Glenn Hurowitz, CEO e fundador da ONG Mighty Earth, expressou preocupação com a entrada da JBS, maior empresa brasileira de carne bovina, no mercado de colágeno. A JBS, empresa que com frequência aparece em reportagens relacionada a desmatamento, construiu recentemente uma fábrica de colágeno, em Presidente Epitácio (SP).
À reportagem a JBS afirmou que, embora houvesse desmatamento em algumas das fazendas na Amazônia identificadas pela investigação, suas compras estavam “totalmente compatíveis” com os protocolos de aquisição e monitoramento, e que em outros casos mencionados, as propriedades haviam aderido a seus padrões.
“O fato de que o colágeno da JBS está agora sob suspeita de ligações com o desmatamento deve colocar alguma urgência nos esforços da indústria para proteger florestas e outros ecossistemas”, disse Hurowitz à reportagem. Ele concluiu, pedindo mais transparência nas respostas dos frigoríficos às evidências de desmatamento.
Essa reportagem foi produzida com o apoio do Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center.