Chega ao Brasil best-seller global sobre ultraprocessados

‘Gente ultraprocessada’ conta como teoria formulada por núcleo brasileiro de pesquisa derrubou ceticismo e se transformou na explicação mais sólida para a explosão no índice de doenças associadas à alimentação

Este livro nasce de um truco. O autor, Chris Van Tulleken, duvidou da hipótese formulada pelo brasileiro Carlos Monteiro. O médico britânico entendia ser inviável que um grupo específico de produtos alimentícios – os ultraprocessados – pudesse ser responsabilizado pela explosão global dos índices de doenças crônicas não transmissíveis. Gente ultraprocessada é, então, a história de um fracasso pessoal que Van Tulleken compartilha conosco, com transparência e sem mágoa. 

Professor na University College de Londres e especialista em doenças infecciosas, ele se dispôs a entender por que havia um enorme zumzumzum no mundo da alimentação, provocado pelo trabalho de Monteiro. Começa então uma jornada na qual Van Tulleken coloca os próprios hábitos à prova. E o próprio corpo: numa espécie de Super Size Me do século 21, o autor radicaliza a dieta para, durante algumas semanas, alimentar-se basicamente de ultraprocessados. A hipótese aventada por ele e por outras pessoas da área da saúde é de que nada em especial aconteceria. Mas, assim como no início, ele estava errado. 

Gente ultraprocessada não é um amontoado de curiosidades e apostas. É um olhar criativo e original de uma história que precisava ser contada em detalhes: como Carlos Monteiro e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP) lançaram uma contribuição singular para entender um fenômeno que tem abismado a humanidade de forma crescente e quase sem exceções. 

Mas Gente ultraprocessada tampouco é um livro para cientistas, embora tenha sido escolhido como melhor livro de ciências de 2023 pelo jornal britânico The Times – e como melhor livro pela The Economist. Van Tulleken de fato reconta uma série de passagens que foram fundamentais para a aceitação científica da Classificação NOVA, especialmente fora do Brasil. Mas ele propõe compreender o fenômeno à luz de um dos nossos hábitos mais simples. O pesquisador resgata como os ultraprocessados se espalharam política e socialmente pelo mundo. E propõe ao leitor repetir a experiência feita por ele, de pisar fundo no acelerador da ingestão de ultraprocessados para ver como o corpo e o cérebro reagem.

“Minha proposta é de que, durante a leitura deste livro, você continue o experimento de comer ultraprocessados, mas que o faça por você, não pelas empresas que os fabricam. Posso lhe contar sobre os ultraprocessados, mas as coisas em si serão seu maior professor. Apenas ao consumi-los você irá entender sua verdadeira natureza. Sei disso porque eu mesmo fiz o experimento.”

Ao recontar esse autoexperimento, Van Tulleken busca esmiuçar como é possível tecnologicamente criar sabores, cores e texturas que, sob uma certa perspectiva, superam os próprios alimentos nos quais se inspiraram – o que dizer de um iogurte de “morango” que não tem morango algum? Ele conversa com profissionais da indústria e engenheiros de alimentos que falam sobre o papel dos aditivos alimentares, e explora os campos da ciência que têm apresentado descobertas surpreendentes sobre a maneira como nosso organismo interpreta essas substâncias.

“E nós consumimos quantidades enormes delas. Em países industriais como o Reino Unido, cada um de nós ingere oito quilos de aditivos alimentares por ano. Quando li essa estatística, ela não parecia possível. Para pô-la em perspectiva, em média compramos apenas dois quilos de farinha por ano para alimentos assados em casa. Mas tudo isso é coerente com a observação de Carlos Monteiro: de que estamos comprando cada vez menos ingredientes de base, à medida que cada vez mais da nossa comida é preparada e processada industrialmente.”

Se lá atrás o grupo brasileiro estava tentando explicar uma questão com um foco específico – as doenças –, a Classificação NOVA tornou-se uma maneira de entender todos os problemas relacionados a um sistema alimentar que não resolveu o problema da fome, como prometia, e que criou uma série de danos à humanidade, aos animais e ao planeta. O livro de Chris Van Tulleken é, até aqui, o melhor resumo dessa história.

Editora Elefante
432 páginas
Tradução: Érika Nogueira Vieira
Prefácio: Carlos Monteiro
Apresentação: Paula Johns
O livro tem o apoio da ACT Promoção da Saúde


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