O Joio e O Trigo

Sete fatos sobre o lobby dos agrotóxicos

Levantamento do Lobby na Comida, parceria entre Fiquem Sabendo e Joio, mostra que três fabricantes de agrotóxicos concentram 58% das reuniões; em média, a cada quatro horas e 48 minutos um representante do setor é recebido no Executivo

As recentes decisões políticas que envolvem agrotóxicos podem ser contadas a partir de dados públicos. Foi o que o Joio fez para explicar desde a decisão do Ministério da Fazenda de ignorar os pedidos de inclusão dos agrotóxicos no Imposto Seletivo, passando pelo boicote histórico do Ministério da Agricultura a um programa de redução de agrotóxicos, até chegar à falta de regulamentação da nova lei de agrotóxicos e como isso deixa Ibama e Anvisa em um limbo de competências. Esses foram os temas das três reportagens apuradas em parceria com a Fiquem Sabendo. Os dados são do relatório Lobby na Comida, lançado hoje. 

Analisamos as agendas públicas do Executivo entre outubro de 2022 e julho de 2024 para descobrir em quantas reuniões estiveram presentes empresas, associações e lobistas do agronegócio e da indústria química na Esplanada. O resultado foram 752 compromissos, ou seja, a cada 4 horas e 48 minutos, um membro do Executivo se reuniu com o setor privado. O levantamento foi feito pela ferramenta Agenda Transparente, desenvolvida pela Fiquem Sabendo. 

752

compromissos no Executivo tiveram presença de ao menos um lobista ou empresa do agronegócio e indústria química entre outubro de 2022 e agosto de 2024 

OU SEJA

1 reunião

a cada 4 horas
e 48 minutos

Os resultados revelam que existe um acesso privilegiado e frequente do setor privado ao governo federal a portas fechadas, em vez de participações em espaços definidos para o debate, como audiências públicas. E isso reflete nas políticas mais recentes, que beneficiam os fabricantes de agrotóxicos. 

Organizamos os principais resultados do relatório Lobby na Comida em sete tópicos:

1. Um em cada dez encontros foi na Secretaria de Defesa Agropecuária

Dos 752 compromissos com a presença de ao menos um lobista, empresa ou entidade ligada ao agronegócio e à indústria química, 75 foram com o titular da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), Carlos Goulart.

10%

das reuniões do lobby foram
com o secretário de Defesa Agropecuária, Carlos Goulart

É na SDA, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que está o setor responsável por regular os agrotóxicos. Seus servidores participam de espaços de formulação de políticas junto da sociedade civil, como a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), que desde 2015 tem um programa de redução de agrotóxicos formulado. Em julho, a SDA fez questão de boicotar a implementação deste programa. É a segunda vez que o Mapa impede o lançamento desta política em dez anos.  

2. O trânsito de lobistas se intensifica nos períodos de tramitação das leis

A maior frequência de lobistas e empresas ligadas ao agronegócio e à indústria química se deu enquanto a reforma tributária tramitava no Senado, entre agosto e setembro de 2023, e enquanto o Congresso analisava os vetos do presidente Lula à nova lei de agrotóxicos, entre abril e maio de 2024. 

6,5%

dos encontros entre
Executivo e lobistas ou empresas aconteceram enquanto o Ministério da Fazenda discutia a criação do Imposto Seletivo, em maio de 2023

13%

dos encontros entre
Executivos e lobistas ou empresas aconteceram enquanto a PEC da Reforma Tributária tramitava no Senado, entre agosto e setembro de 2023

18%

dos encontros entre
Executivo e lobistas ou empresas aconteceram enquanto o Congresso Nacional analisava os vetos à nova lei de agrotóxicos, entre abril e maio de 2024

Desde janeiro de 2023, o Ministério da Fazenda recebeu pelo menos 40 visitas de entidades e indústrias ligadas ao agronegócio e à indústria química –nove delas foram a portas fechadas com a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). Coincidência ou não, os agrotóxicos ganharam 60% de desconto no novo imposto unificado e escaparam da sobretaxa do Imposto Seletivo. 

A Fazenda recebeu entidades
ligadas a indústrias químicas
e agronegócio ao menos

40 vezes

enquanto formulava a reforma tributária

9 vezes

a equipe de Haddad esteve
em reuniões apenas com a
Abiquim desde janeiro de 2023


Enquanto isso, metade dos vetos do presidente Lula à nova lei de agrotóxicos foram derrubados. Não é que a outra metade tenha sobrevivido: a votação foi adiada pelo Congresso. Além disso, a lei segue sem uma proposta de regulamentação sete meses após a aprovação. Isso não impediu que o assunto estivesse na pauta de pelo menos seis reuniões entre o secretário de Defesa Agropecuária, Carlos Goulart, e as mesmas associações, empresas e lobistas ligados à indústria química. A Anvisa teve cinco reuniões com o tema regulamentação, mas com diferentes diretores e gerentes atendendo a diferentes entidades e fabricantes ao longo do tempo, sem repetição de participantes.

3. Bayer, Basf e Syngenta são as empresas com 58% das visitas

O levantamento mostrou que as empresas de agrotóxicos são figurinha fácil na Esplanada, com dez fabricantes somando 205 visitas aos ministérios. Só os três primeiros lugares, ocupados por Bayer, Basf e Syngenta, representam 58% desse total. Não raro, a pauta dessas reuniões está em branco ou preenchida de forma genérica, como “apresentação institucional”, “reunião com representantes da empresa”, sem detalhar o assunto tratado.

58%

das reuniões do Executivo tiveram a presença da Bayer, Basf ou Syngenta

Muitas vezes, essas indústrias estão juntas no mesmo compromisso, e aparecem também acompanhadas pelas associações representativas, como o próximo tópico mostra.

4. Quatro associações de indústrias químicas representam mais da metade das visitas

A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) visitou a Esplanada quase três vezes mais que a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), segundo lugar no ranking de instituições ligadas ao agronegócio.

Além da Abiquim, aparecem entre as dez associações mais recebidas pelo Executivo entre outubro de 2022 e julho de 2024 a CropLife (associação que reúne 53 empresas de biotecnologia, agrotóxicos e bioinsumos), a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (Abifina) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). 

Somando as visitas das quatro entidades de indústrias químicas, este setor esteve à mesa com ministros e suas equipes 194 vezes, ou 55% das vezes.

55%

dos 349 encontros do Executivo foram com
4 entidades do
setor químico

A título de comparação, nesse mesmo intervalo, o Executivo recebeu entidades do terceiro setor com menor frequência. O Greenpeace esteve na Esplanada 17 vezes; a Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura, oito; e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, duas.

5. CEO da CropLife está entre os cinco maiores lobistas

O CEO da CropLife, Eduardo Leão, foi o terceiro lobista mais presente nas reuniões com o governo federal. Leão é ex-conselheiro do Instituto Pensar Agro, entidade que presta consultoria à Frente Parlamentar da Agropecuária, e foi recebido 22 vezes no período analisado. Ele empata com Luciano Vacari, diretor da NeoAgro Consultoria e representante da Associação Brasileira de Empresas de Certificação por Auditoria e Rastreabilidade (ABCAR).


A CropLife representa 53 empresas de biotecnologia, agrotóxicos e bioinsumos e algum representante seu esteve em 37 encontros com o Executivo. Em 23 de agosto de 2023, por exemplo, Eduardo Leão teve uma reunião exclusiva com o secretário de Defesa Agropecuária, Carlos Goulart, e a diretora de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Mapa, Edilene Cambraia, para tratar de “temas regulatórios”. Essa foi uma de sete reuniões a portas fechadas que a CropLife teve com membros do Executivo. 

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6. Mapa recebe lobistas em reuniões exclusivas

Com a maior parte dos compromissos com a indústria química se concentrando no Ministério da Agricultura, não é surpresa que quem esteja no topo da lista sejam duas autoridades da pasta. 

O primeiro lugar é do titular da Secretaria de Defesa Agropecuária, Carlos Goulart, que foi diretor do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas (DSV) no governo Bolsonaro. O setor é o responsável pela regulação de agrotóxicos e, entre 2019 e 2022, enquanto Goulart esteve no cargo, a liberação de agrotóxicos bateu recorde, passando de 2,1 mil substâncias e produtos registrados. Edilene Cambraia foi alçada ao posto de diretora do DSV quando Goulart subiu de posição. 

O segundo lugar é do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que foi quem promoveu Goulart a secretário. Fávaro é produtor de soja no Mato Grosso, e foi figura importante em associações de produtores de commodity: em 2010 foi vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil) e presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso (Aprosoja-MT) entre 2012 e 2013. Foi vice-governador entre 2015 e 2018. 

Em 2020, foi eleito Senador e integrou a bancada ruralista até 2022, quando virou coordenador do grupo de trabalho do Mapa na equipe de transição do governo Lula. Na sequência, foi nomeado ministro.

As autoridades que mais receberam lobistas

1º lugar

Carlos Goulart, Secretaria de Defesa Agropecuária
• 75 reuniões com representantes de empresas de agrotóxicos
• 36 reuniões com lobistas

2º lugar

Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária
• 23 reuniões com representantes das empresas de agrotóxicos 
• 11 reuniões com lobistas

Além de Fávaro e Goulart, outros integrantes do Mapa receberam entidades representativas e a indústria química desde o início do terceiro mandato de Lula, em janeiro de 2023 – mais da metade dessas reuniões foram exclusivas entre a pasta e a empresa ou associação. 

52%

das reuniões foram exclusivas entre Mapa e a empresa ou entidade

7. Setor privado pautou regulamentação junto de Mapa e Anvisa

Ao recortar os resultados da pesquisa para procurar por reuniões com o tema “regulamentação”, encontramos sete resultados para o Mapa e cinco para a Anvisa, todos com membros do setor privado, conforme descrito no tópico 2. Não foram encontradas reuniões sobre o assunto que envolvesse um representante do Ibama, terceiro órgão do governo afetado pela nova lei de agrotóxicos.

Compromissos com o tema “regulamentação”
com representantes de fabricantes de agrotóxicos

Mapa:

7

Anvisa:

5

Ibama:

0

Fonte: Levantamento via Agenda Transparente/Fiquem Sabendo (2022-2024)

A normatização da lei que ficou conhecida como “Pacote do Veneno” está indefinida, o que deixa Anvisa e Ibama em um limbo de competências

Apesar da afirmação da diretora de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Mapa, Edilene Cambraia, e da confirmação do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, sobre reuniões conjuntas dos três órgãos para tratar de regulamentação, o Joio não encontrou nenhum registro público de um encontro interministerial que provasse.

No entanto, ao analisar quantas pessoas do setor privado com cargos de assuntos regulatórios foram às reuniões com Mapa e Anvisa, chegamos ao número de 26, entre diretores, gerentes, coordenadores, especialistas, analistas e consultores. 

Sete fabricantes de agrotóxicos – Sumitomo, Basf, Ourofino, Bayer, Syngenta, Iharabras e Corteva – enviaram 18 profissionais para tratar do tema com o Executivo. Das quatro entidades representativas (CropLife, Associação Brasileira de Defensivos Pós-Patente (Aenda), Abiquim e Sindiveg), foram oito. 

26

representantes do setor privado em assuntos regulatórios se reuniram
com Mapa e Anvisa

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