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Ultraprocessados são pré-mastigados

Confira um capítulo do livro Gente Ultraprocessada, onde o autor Chris Van Tulleken revela como a estrutura física dos alimentos e o ultraprocessamento impactam a saúde

Anthony Fardet pode não ter sido a primeira pessoa a considerar o que ele chama de “matriz” alimentar, a estrutura física da comida, mas deve ter pensado mais a respeito, e de maneira mais aprofundada, do que qualquer outra pessoa viva. Ele é sério, tem cabelo espesso e está ficando grisalho. Eu estimaria que tem por volta da minha idade. É cientista da Unidade de Nutrição Humana da Université Clermont Auvergne, na França. Tudo o que Fardet diz parece profundo e importante, em parte por usar muitas palavras compridas, e em parte porque seu inglês perfeito vem com um sotaque de estrela de cinema francês: “Comemos comida, não nutrientes. Então, de um ponto de vista filosófico, o melhor é combinar holismo com reducionismo. Eu sou um empirista e um indutivista”.

Eu tinha a impressão de que também era um indutivista empírico, mas não estava de todo certo e resolvi deixar a questão para mais tarde. Eu estava ligando para ele para saber como o ultraprocessamento afeta a estrutura física da comida e como isso, por sua vez, afeta nosso corpo. O princípio da matriz é bastante direto: a comida não é meramente a soma de suas partes integrantes. Fardet explicou que o propósito do sistema digestivo é destruir a matriz alimentar. Usou maçãs como exemplo. A fibra que dá crocância e solidez a uma maçã constitui apenas 2,5% do peso da maçã. Os outros 97,5% são suco. O modo como as fibras se organizam ao redor das células e do fluido — essa é a matriz.

Com isso em mente, um pequeno grupo de cientistas em 1977 alimentou dez pessoas com maçãs em três formas diferentes: suco de maçã sem qualquer polpa (sem fibras), um smoothie [batido] de uma maçã inteira crua e pedaços de uma maçã inteira. Eles fizeram os participantes comerem tudo à mesma velocidade e então mediram sua satisfação (saciedade), seu açúcar no sangue e sua insulina em resposta aos três preparos diferentes de maçã (Haber et al., 1977).

O que eles descobriram foi que tanto o suco quanto o smoothie faziam os níveis de açúcar no sangue e de insulina terem um pico maior do que a maçã inteira, antes de despencar para um nível mais baixo do que estavam no início. Como resultado do colapso de açúcar, todos os participantes ainda estavam com fome. Enquanto isso, a maçã inteira fez o açúcar no sangue subir devagar, antes de voltar para o nível inicial — nada de colapso, e a satisfação a partir da maçã inteira durou horas. Parecia que nosso corpo tinha evoluído para lidar exatamente com a carga de açúcar de uma maçã inteira, mas o suco de fruta é uma invenção relativamente nova.

O suco de maçã, que tem tipicamente por volta de 15% de açúcar, comporta-se muito como qualquer refrigerante. E o smoothie de maçã também, ainda que contenha todos os constituintes da maçã, incluindo as fibras, e tenha sido feito pouco antes do consumo. As fibras são importantes, mas a matriz, a estrutura da maçã, é essencial.

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Vejamos o Coco Pops. Eles são comercializados como sendo crocantes, e alguns permanecem mesmo crocantes — pelo menos por um tempo. Mas cada bocado é predominantemente uma mancha de bolotas úmidas cheias de amido. O Coco Pops e o leite formam um líquido texturizado. Que é macio. A maciez é uma das características que Kevin Hall identificou como uma qualidade quase universal dos AUPs. A maciez decorre do método de construção — componentes vegetais industrialmente modificados e carnes mecanicamente recuperadas são pulverizados, moídos, triturados e extrusados até que todas as texturas fibrosas de tendões, celulose e ligninas sejam destruídas. O que sobra pode então ser remontado em formato de dinossauros ou letras do alfabeto, ou nos paraboloides hiperbólicos das batatas Pringles.

O marketing nos prepara para registrar a crocância inicial de uma massa, o som de um salgadinho de arroz, o estalo de batatas chips de pó convertido, mas tudo isso sucumbe à mais leve mordida. As comidas são engenhosamente texturizadas — um recheio gelatinoso com um entorno esponjoso, ou pedaços de vegetais de verdade na sopa — para disfarçar o fato de que, dali a segundos, estaremos comendo papa.

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Um hambúrguer do McDonald’s (ou do Burger King, ou de qualquer outro fornecedor de AUPs) é outro exemplo perfeito da ilusão. A primeira mordida lhe recompensa com uma sequência de experiências de texturas: o pão doce tem uma crosta sequinha sobre uma matriz cremosa e esponjosa, o hambúrguer é borrachudo e parece salgado como água do mar, os picles e a cebola proporcionam uma crocância, a mostarda atiça seu nervo trigêmeo e a acidez do ketchup dá a liga em toda a experiência. “Esponjoso”, “borrachudo”, “crocante” — mas, na verdade, tudo é macio como plumas. Como resultado, posso engolir um hambúrguer em menos de um minuto. E então comerei outro porque ainda estarei com fome.

Por quê? Pela mesma razão que Lyra ainda estava com fome depois de uma tigela de Coco Pops: os sinais que lhe dizem para “parar de comer” não evoluíram para lidar com comidas tão macias e facilmente digeríveis, tão macias que são essencialmente pré-mastigadas. Em vez de serem digeridos lentamente ao longo da extensão do intestino de um modo que estimule a liberação de hormônios da saciedade, pode ser que os AUPs sejam absorvidos tão rapidamente que não alcancem as partes das entranhas que mandam o sinal de “pare de comer” para o cérebro.

Enquanto estava na minha dieta de AUPs, comecei a reparar mais fortemente na maciez do pão. Como a Real Bread Campaign [Campanha do pão de verdade] (conduzida pela Sustain, uma aliança sem fins lucrativos em prol de alimentos e cultivos melhores) apontou por muito tempo, pão de verdade é difícil de encontrar e muito caro no Reino Unido. Padarias artesanais constituem até 5% do mercado de padarias, e em muitos lugares nenhum pão que não seja AUPs estará disponível. Pão sourdough deve ter apenas água, sal, fermento natural e farinha de trigo como ingredientes, mas até os produtos que alegam ser sourdough nos supermercados costumam, na verdade, ser sourfaux, com até cinquenta ingredientes, incluindo óleo de palma e fermento comercial.

Se você conseguir encontrar e arcar com algum, então vale a pena comparar o pão de centeio ou sourdough de verdade com um pão de forma de supermercado. Durante anos, comprei Hovis Multigrain Seed Sensations. Estes são os ingredientes: “farinha de trigo, água, mix de sementes (13%), proteína de trigo, fermento, sal, farinha de soja, farinha de cevada maltada, açúcar granulado, farinha de cevada, conservante: propionato de cálcio E282, emulsificante: E472e (estéreis de ácido mono- e diacetiltartárico de mono- e diglicerídeos de ácidos graxos), açúcar caramelizado, fibra de cevada, agente de tratamento de farinha: ácido ascórbico”.

Muitos pães como esse usam farinha com baixo teor de proteína e, posteriormente, acrescentam proteína de trigo separada, porque isso dá aos fabricantes um controle enorme sobre a consistência do produto. Muitos desses ingredientes poupam custos — ao limar tempo, padeiros etc. —, e muito dessa economia nos é repassada. Um pão sourdough genuíno custa de três a cinco libras. Na época em que escrevi este livro, o pão mais barato no Sainsbury’s custava 36 centavos, e o Hovis, 95 centavos.

Mas os vários processos e agentes de tratamento significam que eu posso comer uma fatia do Hovis ainda mais rápido, grama por grama, do que eu conseguiria devorar aquele hambúrguer ultraprocessado. O pão se desintegra em um bolo alimentar gosmento que é facilmente manipulado garganta abaixo. Uma fatia de Dusty Knuckle Potato Sourdough (5,99 libras em mais de um fornecedor) leva bem mais de um minuto para comer, e minha mandíbula fica cansada.

Ou seja, você não vai ficar com fadiga na mandíbula com pão ultraprocessado, e o fato de ele exigir tão pouca mastigação pode explicar vários dos problemas dentários contemporâneos. No Reino Unido e nos Estados Unidos, cerca de um terço das crianças de doze anos tem sobremordida — uma mandíbula pequena demais para o rosto —, razão pela qual tantas crianças precisam hoje de tratamento ortodôntico. Tive meu dente do siso inferior direito removido pelo mesmo motivo. Repassando artigos sobre AUPs, me dei conta de que esse é um problema comum da vida moderna. Evidências de crânios mostram que lavradores pré-industriais que comiam altos níveis de carboidrato têm muitas cáries e abscessos dentários, mas menos de 5% têm o dente do siso impactado, em comparação com 70% das populações modernas (Dodson & Susarla, 2014; Corruccini, 1999).

A razão para isso é que nosso rosto moderno, sobretudo nossa mandíbula, é muito menor do que o de nossos ancestrais. Essa mudança se deu de repente: povos aborígenes australianos, muitos dos quais tinham feito uma transição abrupta para uma dieta moderna na década de 1950, têm mandíbula bem menor do que predecessores de apenas cem anos antes (Lieberman, 2011 [2015]; Corruccini, 1990, 1984). A mandíbula de finlandeses modernos é 6% menor do que a de seus antigos (e extremamente similares geneticamente) ancestrais (Lieberman et al., 2004).

O motivo desse encolhimento facial é o mesmo do de jogadores de tênis que têm muito mais densidade óssea no braço com que seguram a raquete. Isso explica por que arqueiros que morreram no naufrágio do Mary Rose puderam ser identificados a partir do tamanho e da densidade de seus ossos. Ossos não são pedras: são tecidos vivos constantemente remodelados, quebrados e consolidados de acordo com a tensão aplicada neles. Os ossos do rosto e da mandíbula não são exceção: se você mastigar, eles vão crescer.

De fato, um estudo fez um grupo de crianças gregas mascar um chiclete duro e resinoso durante duas horas por dia, só para observar o efeito. Ao fim do estudo, descobriu-se não apenas que as crianças que mascaram o chiclete conseguiam produzir mais força com as mordidas, como também tinham mandíbulas e maçãs do rosto significativamente mais longas (Ingervall & Bitsanis, 1987).

Li tudo isso e fui olhar a mandibulazinha e os dentes de Lyra. Seus incisivos superiores se projetavam muito além dos inferiores. Isso era normal? Será que um dentista inglês do século XXI fazia ideia da aparência que a dentição humana deveria ter? Eu já estava atrasado demais? Será que ela realmente tinha mastigado alguma coisa na vida? Resolvi mostrar ao dentista dela um artigo científico de um professor de Harvard chamado Daniel Lieberman, “Effects of Food Processing on Masticatory Strain and Craniofacial Growth in a Retrognathic Face” [Efeitos do processamento alimentar sobre a tensão masticatória e o crescimento craniofacial em um rosto retrognático], e comprei algumas cenouras para ela comer como lanche.

Há muita ciência que sugere que essa maciez também pode ser um problema quando se trata de ingestão de calorias. No teste de Kevin Hall de comida não processada vs. AUPs, os participantes relataram que os AUPs não tinham um “apelo sensorial” anormalmente alto: as duas dietas eram igualmente deliciosas e saciadoras. No entanto, eles comeram, em média, quinhentas calorias a mais por dia quando tiveram que se alimentar de AUPs.

A principal diferença nos efeitos das duas dietas que Hall obser-vou foi que as pessoas comeram os AUPs muito mais rápido. E, assim como é macia, a maioria dos AUPs é seca, o que significa que é densa-mente calórica. A água dilui tudo, incluindo energia. Carne, fruta e vegetais têm, tipicamente, um índice de água muito alto.

Essa secura é crucial para os AUPs. É uma das principais maneiras de impedir que micróbios se desenvolvam neles, contribuindo para os prazos de validade absurdamente longos que ajudam a tornar os AUPs tão rentáveis. A coisa não se decompõe. Há muitas matérias de jornal sobre pessoas que guardaram hambúrgueres do McDonald’s e eles demoraram anos para apodrecer. O McDonald’s do Canadá quebrou a primeira regra de todos os escândalos quando decidiu contar o lado deles de uma dessas histórias: “A realidade é que os hambúrgueres, batatas fritas e frangos do McDonald’s são como todas as comi-das, e apodrecem, sim, se mantidos em determinadas condições”.

A insistência desesperada de que a comida apodrecerá foi um caso raro de marketing corporativo fazendo meu trabalho por mim. Mas a alegação é correta: a ausência de apodrecimento tem muito mais a ver com a secura dos AUPs do que com o fardo químico de conservantes.

No experimento de Hall, a maciez acrescentada à densidade caló-rica fez com que os participantes consumissem uma média de dezessete calorias por minuto a mais comendo AUPs na comparação com a dieta não processada.7 Esses resultados são condizentes com a pesquisa de Barbara Rolls, que mostrou que a densidade energética da comida tem um papel determinante em moderar a ingestão energética diária (Rolls, 2009; Bell et al., 1998; Rolls, Cunningham & Diktas, 2020, p. 109).

Através de dezenas de experimentos com controle cuidadoso, Rolls e seus colegas demonstraram que alimentos e dietas com maior densidade energética promovem maior ingestão energética e aumento de peso corporal. Esse efeito parece ser independente de palatabilidade ou conteúdo nutricional, e vale para homens e mulheres, pessoas com sobrepeso e pessoas com peso saudável, crianças e adultos, e em curto e longo prazos. É um dos fatos mais solidamente demonstrados sobre nutrição (Bell et al., 1998; Rolls, Cunningham & Diktas, 2020). E, talvez mais importante, não parece importar se a energia da comida vem de gordura ou carboidratos — é a densidade energética o determinante mais importante de ingestão calórica.

Existe também um grande conjunto de pesquisas mostrando que comer mais rápido aumenta o risco de comer mais, ganhar peso e ter doenças metabólicas (Ohkuma et al., 2015). A velocidade com que você come tem relação, em parte, com o que você come: alimentos que levam mais tempo para serem processados na boca fazem você sentir mais saciedade (De Graaf, 2012; Wee et al., 2018; Zhu, Hsu & Hollis, 2013). Mas, em parte, isso também é determinado pela genética. O estudo “Growing Up in Singapore Towards Healthier Outcomes” (gusto) [Crescer em Singapura rumo a resultados mais saudáveis] revelou que as crianças que comiam mais rápido e por mais tempo pos-suíam mais tendência a ter obesidade. Os pesquisadores descreveram isso como um “estilo alimentar obesogênico” (Fogel et al., 2017). Clare Llewellyn, cientista que estuda gêmeos na UCL, mostrou que esse estilo de alimentação é genético e associado a um IMC mais alto (Llewellyn et al., 2008). Os genes para “comer rápido” têm probabilidade de tornar algumas pessoas especialmente vulneráveis à maciez dos AUPs.

Outro estudo comparou voluntários que beberam dois milkshakes de chocolate, um espesso e viscoso, o outro ralo. Ambos os milkshakes eram nutricionalmente idênticos, com as mesmas densidade energética e palatabilidade. Os voluntários podiam consumir o quanto quisessem, e o milk-shake de líquido mais ralo foi associado a uma ingestão total 47% mais alta do que o espesso. No entanto, se os voluntários eram forçados a beber no mesmo ritmo, acabavam ingerindo a mesma quantidade de cada um dos milkshakes no total (De Wijk et al., 2008).

O número de mastigações por item tem um efeito direto em desacelerar e reduzir a ingestão de comida. Mastigar cada bocado pode parecer um bom jeito de reduzir a ingestão calórica, mas, é claro, isso é confundir causa e efeito. Lembre-se de que nosso índice de consumo é determinado pela comida e por nossa genética — não é uma decisão consciente. Qualquer um que já tenha tentado acompanhar o ritmo de alguém que come devagar ou rápido sabe como isso é difícil.

Então, há muitas evidências de que a taxa de consumo de AUPs está relacionada a seus efeitos na saúde, mas o que me preocupa é que algumas pessoas encaram isso como uma oportunidade para criar um tipo diferente de AUP — com texturas que desacelerariam a taxa de consumo. Uma revisão de 2020 analisou os dados de cinco estudos publicados que mediam as taxas de ingestão energética em 327 ali-mentos no Reino Unido, em Singapura, na Suíça e na Holanda (Forde, Mars & Graaf, 2020). Os pesquisadores mostraram que passar de alimentos não processados para comida processada e daí para AUPs aumentava o número de calorias consumidas por minuto de 36 para 54 e para 69. Os pesquisadores concluíram:

O processo industrial de alimentos fornece uma oportunidade importante de aplicar mudanças maciças nas formas e texturas encontradas no ambiente alimentar e, em conjunto com a reformulação para reduzir a densidade energética, pode ser usado para produzir melhorias generalizadas nas taxas de ingestão energética, na palatabilidade e nas densidades nutricionais nas ofertas de alimentos […]. O desafio futuro para os processadores de alimentos é desenvolver produtos que sustentem o apelo ao consumo com satisfação ideal por quilocaloria consumida, ao mesmo tempo que reduzam seu potencial de promover o consumo excessivo de energia.

Não gostei disso. Parecia meio errado. Depois de estabelecer as mui-tas maneiras pelas quais as tecnologias de processamento de alimentos tornam a comida mais densamente energética e mais rápida de comer, e tendo estabelecido que esses dois aspectos de qualquer ali-mento parecem centrais para impulsionar a obesidade, em vez de pro-por uma mudança rumo a alimentos integrais, a proposta é processar mais. Esse “hiperprocessamento” parece uma solução improvável para os problemas do ultraprocessamento.

E é estranho sugerir que isso é um “desafio futuro”, quando a indústria alimentícia já sabe a respeito dos dados que vinculam velocidade de ingestão a um maior consumo de calorias desde estudos conduzi-dos na década de 1990 (Bell et al., 1998).

Também fiquei preocupado com o fato de que, embora o artigo afirmasse muito claramente que não havia “nenhum conflito de interesses”, um dos autores, Ciarán Forde, integrava o conselho de assessoramento científico do Kerry Group PLC (um fabricante multibilionário de AUPs), e outro, Kees de Graaf, estava no conselho da Sensus (uma empresa que produz os ingredientes alimentares inulina e oligofrutose), e de que todos os três autores tenham recebido reembolso por falar em encontros patrocinados por empresas que fabricam alimentos e produtos nutricionais. Ser assessor científico de uma empresa de AUPs e escrever sobre processamento de alimentos constitui um conflito de interesses (a não ser que alguém faça parte daquele grupo de assessoramento de graça).

Em um artigo do ano seguinte em que Ciarán Forde também constava como autor, há uma afirmação que diz que “os autores declaram não haver conflitos de interesses”, mas, à época, ele não só era do conselho de assessoria da Kerry como (de acordo com o mesmo artigo!) fazia parte de um consórcio acadêmico que recebeu financiamento para pesquisa da Abbott Nutrition, da Nestec (uma subsidiária da Nestlé) e da Danone.

Mas, em especial, parece-me improvável que tornar os AUPs mais difíceis de comer vá funcionar. Os fabricantes de cigarro tentaram muito ao longo dos anos processar seus cigarros para torná-los menos perigosos. Acrescentaram pequenos orifícios de ventilação, de modo que os fumantes ingerissem menos fumaça, mas os fumantes simplesmente tragaram com mais intensidade. Consumimos produtos aditivos pelo efeito sensorial e sabemos que aumentar a velocidade da liberação de qualquer droga no corpo é um aspecto crucial para tornar uma substância viciante (Gearhardt & Schulte, 2021). Se você interferisse na taxa de consumo, minha aposta é que você perde-ria um pouco desse efeito e que o produto não venderia tão bem. Os AUPs não são macios por acaso, mas porque é assim que vendem em maior quantidade.

Como veremos, classificar os AUPs não vai ser trivial por causa da oposição por parte da indústria alimentícia. Mas as classificações que alertam sobre maciez e densidade energética seriam muito bem embasadas.


Editora Elefante
432 páginas
Tradução: Érika Nogueira Vieira
Prefácio: Carlos Monteiro
Apresentação: Paula Johns
Apoio: ACT Promoção da Saúde

Chris van Tulleken é infectologista no Hospital de Doenças Tropicais em Londres. Formou-se em Oxford e tem doutorado em virologia molecular pela University College London, onde é professor associado. Sua pesquisa se concentra em como as corporações afetam a saúde humana, sobretudo no contexto da nutrição infantil; ele também trabalha com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Um dos principais apresentadores da BBC para crianças e adultos, seu trabalho venceu dois prêmios da Academia Britânica de Cinema e Televisão (Bafta). Mora em Londres com a esposa e as filhas. No X e no Instagram: @DoctorChrisvt.

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