Foto: Marcelo Lelis/ Ag. Pará

Alimentação na COP30: o que o Brasil vai oferecer ao mundo?

Iniciativa da sociedade civil pede que o governo federal dê preferência a alimentos da agricultura familiar no evento, em uma sinalização de que é urgente trazer os sistemas alimentares para o debate climático

Em 2022, a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP27) acendeu um alerta sobre o atraso em trazer os sistemas alimentares para o centro das discussões climáticas. A causa desta preocupação? O evento recebeu patrocínio da “mãe” das bebidas açucaradas, a Coca-Cola. 

Na época, organizações da sociedade civil repudiaram o aceite do patrocínio pelo governo do Egito, que detinha a presidência do evento. Agora, a apenas um ano da COP30, que ocorrerá em novembro de 2025, em Belém do Pará, um grupo de instituições brasileiras se mobiliza para trazer a pauta alimentar para dentro da conferência. 

A iniciativa “Na mesa da COP30”, idealizada pelo Instituto Regenera, pelo Comida do Amanhã e pela Associação dos Negócios de Sociobioeconomia da Amazônia (Assobio), aponta que a comida servida ao participantes do evento é uma oportunidade para o Brasil propor e assumir compromissos sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) provenientes dos sistemas alimentares. 

“Com o Brasil sendo um dos maiores produtores de alimentos, um país em que as próprias emissões de gases de efeito estufa vêm majoritariamente dos sistemas alimentares e com uma tradição de políticas alimentares enorme, o contorno para pensar na alimentação da COP passa a ser outro”, defende Maurício Alcântara, cofundador e diretor do Instituto Regenera. 

Com a pergunta ‘O que serviremos na mesa da COP 30?’, a iniciativa propõe que os alimentos servidos no evento sejam de origem local e sociobiodiversa, para que os participantes possam experimentar “os sabores de uma floresta em pé, conservada e com seus povos vivendo em harmonia com ela”. Além do reconhecimento da cultura alimentar local, os organizadores defendem que o movimento mostraria aos líderes globais que a produção de alimentos de base agroecológica pode contribuir para a manutenção da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas. 

Tradicionalmente, as Conferências do Clima são divididas nos espaços da blue zone (zona azul), no qual circulam as delegações oficiais dos países, pesquisadores e representantes da sociedade civil credenciados, e a green zone (zona verde), que abriga eventos paralelos e pode ser visitada pelo público em geral. 

A alimentação da blue zone é contratada por meio de editais de responsabilidade da presidência da COP daquele ano. É preciso atender a diversas exigências da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), órgão da ONU responsável pela organização das conferências, como ter opções kosher, halal, veganas e sem glúten ou lactose.

Durante o lançamento da iniciativa “Na mesa da COP30”, em novembro, Gustavo Westmann, chefe da assessoria especial de assuntos internacionais da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que, geralmente, os editais das COPs são disputados por empresas que já costumam organizar o evento e incluem também os contratos de alimentação.

Isso poderia ter sido um entrave para a iniciativa, não fosse uma recomendação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) chegar à Secretaria Extraordinária para a COP30 (Secop) antes da publicação do edital da COP no Brasil, pedindo que seja oferecida “comida de verdade” aos participantes. O texto ressalta que “os olhos do mundo estarão voltados para Belém do Pará”, fazendo deste “um momento fundamental de apresentar a diversidade culinária e o patrimônio cultural alimentar brasileiro, bem como demonstrar a viabilidade da preservação da floresta com dignidade humana e saúde”. 

A Secop informou que a recomendação foi bem recebida e que “o governo federal está empenhado em buscar oferecer uma alimentação saudável na COP30”. Segundo a nota, a proposta, inclusive, vai além das recomendações da UNFCCC. Interlocutores ouvidos pelo Joio afirmam que uma revisão no edital de contratação estaria sendo estudada pelo governo e que a publicação deve sair até o início de dezembro. 

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Viabilidade de uma alimentação local

É verdade que a sociedade civil organizada consegue alavancar avanços, mas há um limite de atuação. A partir de certo ponto, cabe ao Estado dar respostas. No caso de Belém, o Instituto Regenera tem mapeado as redes de produção e distribuição de alimentos agroecológicos desde 2020. Algumas feiras, como a Pará Orgânico, já se organizam na cidade. No entanto, o público que acessa esses espaços ainda é limitado e as redes de supermercados operam à base de legumes, verduras e frutas cultivados bem longe dali.

“Se não fosse a sociedade civil, nem haveria a oferta desses alimentos na cidade, porque o que chega é muito dependente da Ceasa e das redes de supermercados”, destaca Maurício Alcântara. Ele cita uma pesquisa do Instituto Escolhas, que mostrou que 80% dos alimentos comercializados na Ceasa de Belém vêm de outros estados. 

“Você está no bioma mais biodiverso do mundo, tem uma base produtiva enorme próxima, mas a maior parte do que chega na Ceasa vem de outros estados. Isso significa que você não está gerando renda para o produtor local, não está criando condição para que esse produtor esteja incluído no circuito de abastecimento da cidade e ainda tem uma pegada de carbono enorme porque essa comida vem de longe”, explica.

A mesma pesquisa revelou que a agricultura urbana e periurbana de Belém tem a capacidade de alimentar até 1,7 milhão de pessoas por ano com legumes e verduras, além de suprir o consumo de açaí de 950 mil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), a população estimada de Belém em 2024 é de quase 1,4 milhão de habitantes. 

Considerando que o público esperado para a COP30 é de cerca de 50 mil pessoas, a pesquisa é um indicativo de que os participantes, além de toda a população da cidade, poderiam ser alimentados com vegetais da agricultura familiar e de base agroecológica por um ano inteiro. Vale lembrar que o evento dura menos de duas semanas.

“A estratégia é trazer esses alimentos para a COP para ficar mais fácil de escutar quem é que produziu esses alimentos, quem trabalha no beneficiamento e todo mundo que está nessa cadeia, como solução climática”, afirma Fabrício Muriana, cofundador do Instituto Regenera.

Pablo Neri, integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará, diz não ter dúvidas de que há capacidade produtiva para a agricultura familiar e camponesa fornecer alimentos para o evento. Ele destaca que já existe uma relação com o abastecimento da cidade em espaços simbólicos, como o Mercado Ver-O-Peso, um dos maiores mercados a céu aberto do mundo, e que recebe insumos da pesca camponesa e dos produtores da floresta, de comunidades agrícolas e extrativistas.

“É evidente que são necessárias políticas públicas para que essa produção possa chegar na cidade e estar disponível. Precisamos de investimentos urgentes no transporte da produção, na inspeção, certificação e agroindustrialização. Esses investimentos multiplicariam a presença de comida de verdade na COP e na vida dos paraenses”, ressalta.

O movimento está engajado na articulação da Cúpula dos Povos rumo à COP30, evento paralelo à programação oficial e organizado por grupos da sociedade civil em prol da justiça climática. A Cúpula já reúne centenas de entidades ligadas à agenda socioambiental em preparação para as demandas que querem levar ao evento. Além disso, também haveria a negociação do “PAA COP30” com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para que o governo compre produtos da agricultura camponesa tanto para as atividades oficiais na blue zone, como para a área da green zone.

Iniciativa propõe que os alimentos servidos na COP30 sejam de origem local. Foto: IDEFLOR-Bio

O que fica de legado para o Brasil?

Nas Conferências do Clima, os debates costumam orbitar em torno das emissões de gases de efeito estufa. A postura do Brasil segue a linha de indicar a queima de combustíveis fósseis para matriz energética como a vilã no quesito GEE, mas dois terços das emissões brasileiras são provenientes dos sistemas alimentares. Portanto, ser o país pioneiro em trazer alimentos sociobiodiversos para dentro da COP pode abrir novas portas para o Brasil nas discussões globais.

“Isso pode virar uma ferramenta diplomática. A gente sabe qual é a posição do Brasil nas negociações, mas podemos fazer a sinalização de um caminho que é muito importante não só para o debate climático, mas também em termos de legado para a própria cidade de Belém, criando um precedente para que os alimentos locais continuem chegando”, avalia Maurício Alcântara. 

Segundo Francine Xavier, diretora do Instituto do Amanhã, o país tem a oportunidade de instigar um novo modelo de alimentação para as COPs. “Não tem momento melhor para colocar essa discussão na mesa. Não estamos falando de um evento qualquer, é um evento sobre clima. Em um país em que mais de dois terços das emissões vêm dos sistemas alimentares e que já tem um arcabouço de políticas públicas, como o Guia Alimentar, a cesta básica, o PAA e o Pnae, é uma excelente oportunidade de colocar isso em prática e de mostrar para o mundo”, afirma.

Além de apresentar às delegações oficiais outros modos de vida e de cultivo, que mantêm a floresta de pé, virar a chave de alimentação na COP em Belém pode destravar o apoio técnico e o acesso a mercados para produção local. O Instituto Regenera está mapeando quais são as cooperativas que já possuem estrutura e regularização, em termos fiscais e sanitários, para fornecer alimentos para a COP. De outro lado, aquelas que têm potencial de abastecimento a médio e longo prazo, para que as ações não caiam no esquecimento após o evento.

Uma das cooperativas que participa da iniciativa “Na mesa da COP30” é a Rede Bragantina de Economia Solidária, que reúne trabalhadores rurais do nordeste do Pará. A expectativa é de que a Conferência do Clima dê o pontapé em ações concretas para superar os gargalos que a agricultura familiar e as comunidades tradicionais enfrentam, como territórios demarcados e protegidos e uma política de bioeconomia inclusiva.

Para o diretor do Regenera, não há tempo a perder procurando a “bala de prata” para resolver o impacto dos sistemas alimentares no clima. “Vamos olhar para as populações tradicionais, os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, que têm tecnologias de preservação da floresta há milênios e estão, efetivamente, produzindo esses serviços ambientais. A melhor comida que a gente pode oferecer em uma COP e que pode abastecer uma cidade está conectada à forma como a comida sempre foi produzida”, finaliza.

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