foto: Mariana Grief/O Joio e O Trigo

Gigante brasileira da soja e algodão, SLC arrenda terras com suspeita de grilagem no Matopiba

, de Santa Filomena, Baixa Grande do Ribeiro e Gilbués (PI)

Título Verde, BlackRock e Vanguard financiam lavouras; segundo a empresa, arrendamento não abrange áreas desmatadas e não contraria sua Política Desmatamento Zero

“Nesta COP, tinha a Blue Zone, a Green Zone e a Agri Zone”, declarou Aurélio Pavinato, CEO da SLC Agrícola, em um espaço do agronegócio durante a primeira semana da COP30, em Belém do Pará. À frente das operações agrícolas de uma das maiores controladoras de terras no Brasil, Pavinato parabenizou o evento: “[a Agri Zone] vai ficar marcada na história da COP, vai colocar o agro brasileiro como sendo um setor importante para a economia brasileira e mundial.”

A 1,2 mil quilômetros dali, nos municípios de Gilbués e Baixa Grande do Ribeiro, no sul do Piauí, a empresa que Pavinato lidera arrendou parte de uma fazenda que invade áreas de territórios tradicionais. A área arrendada ainda apresenta ao menos 2,8 mil hectares desmatados do bioma Cerrado, mesmo após a publicação da Política Desmatamento Zero da empresa, conforme revela esta investigação do Joio em parceria com a Repórter Brasil e o The Bureau of Investigative Journalism.

Indígenas e ribeirinhos-brejeiros, que tiveram parte de seus territórios tomados pela fazenda Cosmos, arrendada pela SLC em agosto de 2024, denunciam a alteração das condições climáticas na região, que impactam diretamente seus modos de vida. 

Segundo moradores dos territórios tradicionais, nos últimos anos há menos chuvas, aumento da temperatura, contaminação das águas por agrotóxicos e a diminuição da vazão do rio Uruçuí-Preto, que corta as comunidades.

 “[O impacto] é dos agrotóxicos, das águas. A água desce rápido fazendo a erosão. Antigamente, quando a gente tinha árvores, a água não descia dessa forma, descia regrada”, lembra Leandro*, morador da comunidade indígena Morro D’Água, do povo Akroá-Gamella, em novembro deste ano.

A fazenda Cosmos, que possui 30 mil hectares de área, pertence a Ricardo Tombini e Eduardo Dall’Magro, que compraram a propriedade da estatal Varig S.A. nos anos 1990.

Em agosto de 2024, a SLC anunciou aos seus investidores o arrendamento de 14,5 mil hectares da área, incorporando a fazenda de Tombini e Dall’Magro a uma propriedade contígua da empresa, chamada fazenda Parnaguá. Assim, a fazenda Cosmos passou a ser chamada pela SLC de fazenda Parnaguá II. 

De acordo com a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, organização sem fins lucrativos que defende o direito à terra e à justiça social e ambiental, famílias se aliaram a grupos capitalizados de outras regiões do país para operacionalizar fraudes cartoriais que fizeram nascer, nas décadas de 1980 e 1990, imensos imóveis rurais nas chapadas e vales do Cerrado piauiense. 

“Nesse processo, foram utilizadas antigas sentenças em ações de inventário para conversão ilegal de posses comunais em propriedade particular, fraudes grosseiras que não raro foram chanceladas pelo poder judiciário ou pelo órgão estadual de terras, sem fundamentação legal”, afirma Maurício Correia, pesquisador e assessor jurídico da organização. 

“A arrecadação de terras públicas feita pelo Estado sem observar a preferência legal de regularização fundiária para quem manteve ocupação anterior e legítima é uma forma de grilagem de terras”, conclui Correia.

Ano a ano, a SLC aumenta o controle de terras no Brasil, com presença expressiva no Matopiba — acrônimo para a região do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia —, considerada a última fronteira agrícola do país. 

Mais da metade das áreas controladas pela SLC estão no Matopiba, onde terras são mais baratas se comparadas às do Sul do país (Fonte: SLC)

A operação de arrendamento da Parnaguá II confirma os planos anunciados pela empresa em 2019 de migrar para o modelo que ficou conhecido no mercado financeiro como asset light: diminuir as áreas próprias e aumentar as arrendadas. Segundo a SLC, 66% das terras brasileiras sob sua gestão já são contratos de arrendamento.

A Política Desmatamento Zero da SLC, anunciada antes do arrendamento, afirma que a empresa não adquire ou arrenda áreas onde tenha havido conversão da vegetação nativa para áreas de atividades agrícolas, por ela ou por terceiros, mesmo que o desmatamento seja legal.

Segundo nota da SLC, as áreas arrendadas na fazenda Parnaguá II “estão fora da área de desmatamento citada pela reportagem”. Isto é, segundo a SLC, a porção de terra arrendada fica dentro da fazenda, mas as porções utilizadas para cultivo não são as mesmas que as áreas desmatadas ou sobrepostas às comunidades tradicionais.

O documento também declara que, na avaliação de arrendamento de terras feita previamente pela empresa, ela “considera a possibilidade de sobreposição com territórios de grupos tradicionais e, caso identificada, a empresa não dá continuidade à negociação”. 

A empresa não considerou, portanto, o passivo socioambiental do arrendador ou da área completa da fazenda onde atua.

A produtora de commodities ainda informa que se mantém transparente com seus acionistas, mas não indicou documento que tenha informado investidores sobre os vários problemas socioambientais da fazenda que abriga as áreas arrendadas para produção de soja e, futuramente, de algodão. A reportagem tampouco encontrou estas informações em seus relatórios públicos.

Os recursos para viabilizar as operações agrícolas da SLC vêm de diversas fontes. As duas maiores gestoras de ativos do mundo, as norte-americanas BlackRock e Vanguard, estão entre as investidoras da exportadora de commodities

No Brasil, um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) Verde, distribuído pelo banco de investimento Bradesco aos seus clientes, também captou R$ 480 milhões para a SLC investir em lavouras em várias fazendas, entre elas a Parnaguá. A empresa não respondeu a reportagem se o crédito recebido para aplicação na Parnaguá também se estendeu para a Parnaguá II, onde estão os problemas socioambientais.

Um rio no meio do conflito

Desde a chegada de projetos agrícolas na região, o Rio Uruçuí-Preto e seus tributários já não são mais os mesmos. 

Os cursos d’água que irrigam as comunidades Morro D’Água, do povo indígena Akroá-Gamella, e a comunidade tradicional ribeirinha-brejeira Melancias, estão contaminados por agrotóxicos, a erosão aumentou e as águas rarearam. 

“Nós tivemos chuva normal até os anos 1980. Nos anos 1990, começou a mudar o sistema, e daí pra cá, nós nunca mais tivemos os nossos seis meses de chuva. O calor aumentou uns 2,5 graus, a umidade do ar foi embora, acabou”, relata Carlos*, morador da comunidade Melancias. 

Desde 1985, década em que se intensificaram os conflitos fundiários no território, a cobertura vegetal dos municípios de Baixa Grande do Ribeiro e Gilbués — onde estão as comunidades — diminuiu 36%. Segundo dados do MapBiomas, a formação savânica, própria do Cerrado, caiu de pouco mais de 1 bilhão de hectares para 660 milhões de hectares no período.

“É um desastre, a nascente do Uruçuí-Preto já secou, talvez deva ter 50% da vazão de água dele, se tiver. Nosso rio era riquíssimo em peixe, hoje não tem mais nada. Isso é agrotóxico, os animais tão acabando tudo, várias espécies de animais em extinção”, completa Carlos.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), as comunidades “ocupam centenariamente” terras devolutas estaduais, que são terras não destinadas pelo estado. Seus modos de vida sofrem ameaças constantes de empresas que se instalam na região e impulsionam a conversão de áreas de vegetação natural em agricultáveis.

No total, a fazenda Parnaguá II ocupa 3,6 mil hectares de áreas das comunidades tradicionais. Desses, 2,8 mil hectares se sobrepõem à área da Melancias, onde moradores relatam haver, além da contaminação por substâncias químicas, perdas de roças pelo assoreamento do rio. Moradores também têm medo de terem que deixar a terra onde seus pais, avós e bisavós viveram.

“Tem um estudo antropológico, feito em 2018, e nele consta mais de 150 anos de existência [da comunidade]. A gente gostaria que eles respeitassem essa história, preservando a natureza e sem perseguir ninguém”, diz Carlos*, que se preocupa com a presença da empresa SLC na fazenda vizinha.

Em 2014 — portanto, antes do arrendamento feito pela SLC —, a comunidade entrou com uma ação na Justiça contra Ricardo Tombini e Eduardo Dall’Magro, os proprietários da área. O processo tentava impedir a invasão da fazenda Parnaguá II sobre o território. Na área, os brejeiros plantavam suas roças de milho e mandioca.  

O Instituto da Regularização Fundiária e do Patrimônio Imobiliário do Estado do Piauí (Interpi) também reivindica na Justiça a devolução de 2,8 mil hectares da fazenda arrendada pela SLC que, segundo o Interpi, pertencem ao Estado e estão sobrepostos à comunidade Melancias. 

A fazenda Parnaguá II também se sobrepõe à comunidade indígena Morro d’Água, em 845 hectares. Em um relatório de agosto deste ano, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) constatou que o agronegócio operado em fazendas na região cometem “crimes ambientais” que impactam tanto as comunidades indígenas quanto a Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual Nascentes do Uruçuí-Preto.

A promotora de Justiça e coordenadora do Grupo Especial de Regularização Fundiária e de Combate à Grilagem (GERCOG) no Piauí, Juliana Martins Carneiro Nolêto, acompanha a situação no local. “Hoje, nós estamos enfrentando o que se chama de grilagem moderna. Eles [grileiros] chegam, se autodeclaram detentores do direito daquela terra preenchendo um cadastro ambiental rural [CAR], o que dá uma aparência de legalidade à propriedade”, afirma Nolêto, em entrevista ao Joio

A ocupação dos 3,6 mil hectares sobre as comunidades tradicionais é identificada pela área da fazenda Paranaguá II, autodeclarada por seus proprietários no CAR.

“Com isso, se sentem autorizados a invadir a comunidade, usando de ameaças, expulsando famílias, contaminando rios e colheitas”, comenta Nolêto, sobre o modus operandi de fazendeiros na região sul do Piauí.

Tentamos contato com Tombini e Dall’Magro por meio do advogado que os representa nos processos judiciais. Em resposta, Tombini falou com a reportagem por telefone e explicou que a cerca da fazenda está no mesmo lugar desde que a comprou, em 1995. Ele negou ocupar áreas de terras tradicionais. Ao contrário, afirmou que a comunidade Melancias é que vem “invadindo as áreas de reserva anualmente”, mas não apresentou evidências de tal afirmação. 

Sobre o reconhecimento oficial das áreas como tradicionais, a Funai informou que “reconhece as situações de violência, degradação ambiental e contaminação de águas por agrotóxicos que têm acometido o povo Akroá-Gamella ao longo dos anos e informa que vem trabalhando na reivindicação fundiária deste povo”. A área dos Akroá-Gamella ainda está em fase de estudos de identificação e delimitação, sem data prevista para a conclusão do procedimento demarcatório.

Já o Interpi, responsável pela titulação de territórios tradicionais no estado, informou que possui atualmente 107 processos de regularização fundiária de territórios de povos e comunidades tradicionais em andamento, cada qual seguindo o seu rito administrativo, mas não forneceu informações específicas sobre o território Melancias, questionado pela reportagem.

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SLC fecha contrato em fazenda com desmatamento recente

Em 2021, a SLC Agrícola prometeu não converter áreas de vegetação nativa após  agosto daquele ano, em áreas próprias ou arrendadas, mesmo que o desmatamento seja legal.

No entanto, a área arrendada pela empresa de Ricardo Tombini na fazenda Parnaguá II foi alvo de um desmatamento autorizado pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (Semarh-PI) a partir de agosto de 2024, cuja licença teve vigência de um ano.

Neste período, o dono da propriedade suprimiu 91% do total da área de vegetação do limite máximo permitido na licença ambiental, o que corresponde a 5,6 mil hectares, segundo dados do MapBiomas. 

Uma análise adicional da Aid Environment, organização sem fins lucrativos dedicada à pesquisa, estratégia e implementação da sustentabilidade, apontou que o desmatamento ocorreu em 2,7 mil hectares após agosto de 2024. A SLC arrendou parte da propriedade exatamente neste mês. 

Do total da área de desmatamento, 325 hectares de vegetação nativa foram derrubados dentro da área de reserva legal da propriedade.

Fora da fazenda Parnaguá II, Ricardo Tombini teve outra propriedade sua  embargada  pelo Ibama em 2022, em Abreulândia, Tocantins, também no Matopiba, por desmatamento ilegal novamente sobre área de reserva legal. A multa de R$ 65 mil foi convertida em R$ 26 mil e condicionada à prestação de serviços de recuperação ambiental.

Segundo a nota da SLC, “a companhia não opera em áreas abertas após agosto de 2021”. Porém, os dados geoespaciais enviados pela empresa à reportagem apontam que ela arrendou uma área no núcleo central da fazenda, quando os desmatamentos ocorreram nas extremidades da propriedade.

A reportagem perguntou à SLC se ela informou seus investidores sobre ter arrendado terras de um proprietário com histórico de desmatamento, se este contrato não fere sua Política Desmatamento Zero e, ainda, se a empresa considera continuar mantendo a relação contratual com Ricardo Tombini. A empresa respondeu que “a preservação de vegetação nativa, inclusive Reserva Legal, é responsabilidade legal do proprietário do imóvel”.

A Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Piauí (Semarh-PI), que autorizou o desmatamento na área, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Cargill, Bunge, Nike e Adidas

A comercialização de soja e algodão das fazendas Parnaguá I e II para o mercado agroexportador tem fácil trânsito.

A produção na região é vendida para traders — grandes empresas que compram e vendem grãos e fibras — ali perto. 

A Bunge tem silos de armazenamento de commodities a menos de um quilômetro da fazenda Parnaguá I, em Santa Filomena-PI. Segundo documento financeiro de 2024, a multinacional holandesa foi responsável por 10% da compra de grãos da SLC (foto: Mariana Greif/O Joio e O Trigo)

Em 2024, a Cargill foi a principal cliente da SLC, tendo comprado 36% da sua produção. A infraestrutura de armazenagem e escoamento da trader norte-americana está a 230 quilômetros, em Balsas, no Maranhão. 

O algodão é o ouro da SLC. Em 2024, a fibra vegetal, que tem o caroço e a pluma comercializadas para outros países, ultrapassou a produção de soja da companhia e responde por mais 56% de sua receita líquida. 

Algodão da SLC que chega às gigantes esportivas Nike e Adidas é embarcado nos portos de Santos-SP e Itapoá-SC (fonte: Datamar e Reprodução/SLC, Adidas, Nike)

Também faz parte dos planos da empresa incluir o algodão nas próximas safras no anexo arrendado da fazenda Parnaguá. 

A SLC exportou algodão em seu estado bruto, ou seja, antes de limpo, para indústrias têxteis na Índia, Indonésia, China e Vietnam em 2025. Estas empresas fornecem algodão para fábricas de tênis, meias e outros artigos esportivos de marcas conhecidas globalmente, como Adidas e Nike.

A Adidas respondeu que, após o contato da reportagem, abordou seu principal fornecedor de algodão para investigar a situação. Já a Nike declarou que está comprometida com práticas éticas de abastecimento, mas não mencionou medidas ou fez comentários sobre o caso da SLC no Piauí.

No meio da cadeia de fornecimento, a Bunge informou que “não adquire soja de áreas desmatadas ilegalmente e mantém um controle rigoroso sobre os critérios socioambientais em suas operações”, mas não fez comentários sobre a fazenda da SLC mencionada no pedido de posicionamento.

A Cargill, por sua vez, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

O título verde da SLC

Quando a conferência do clima em Belém terminar, faltarão poucos dias para o vencimento de um CRA Verde da SLC Agrícola. 

Em 11 de dezembro de 2025, a empresa terá pago a última parcela com juros aos investidores pelo crédito de R$ 480 milhões.

Às vésperas do Natal de 2020, o Bradesco BBI ofereceu o título de dívida aos seus clientes, com apoio de dois outros grandes bancos. No encerramento da oferta, 2 mil pessoas físicas e dez empresas se comprometeram a comprar o CRA para financiar lavouras da SLC em várias fazendas, entre elas a Parnaguá. Pela operação financeira, o Bradesco recebeu ao menos R$ 185 mil.

À época, o título já havia sido anunciado como “verde”, espécie de carimbo que deveria assegurar aos investidores que a destinação do dinheiro ocorreria seguindo toda a legislação socioambiental vigente, além de atender aos indicadores ESG (social, ambiental e de governança) dos “Projetos Verdes Elegíveis” do título.

Esses projetos verdes se referem às atividades de produção agrícola que, segundo a empresa, utilizam estratégias de agricultura digital, de baixo carbono e de recuperação do solo, com “contribuições climáticas associadas”.

O CRA devido pela SLC tem como lastro uma Cédula de Produto Rural Financeira (CPR-F) da empresa, emitida para bancar o cultivo de algodão herbáceo em propriedades sob controle da SLC em estados do Matopiba (Maranhão, Bahia e Piauí), além de Goiás e Mato Grosso. 

O lastro indica o ativo real por trás da operação que, neste caso, são lavouras de algodão. No vencimento da operação financeira, os credores terão recebido os valores totais, ao invés de parte da produção, o que é uma condição da CPR-F.

O título de dívida da SLC deixa claro que a empresa pode usar os recursos em propriedades próprias ou arrendadas de terceiros. A fazenda Parnaguá teve as safras financiadas pelo CRA desde 2020. Anexada a esta propriedade, a fazenda Parnaguá II ainda não teve, segundo a empresa, plantio de algodão. A SLC arrendou esta área no último ano de operação do CRA Verde da empresa.

Considerando que a fazenda Parnaguá II foi anexada à Parnaguá, e que esta propriedade recebeu recursos da operação financeira, o Joio perguntou à SLC se a Parnaguá II também teve atividades de qualquer natureza financiadas com estes valores. A empresa apenas respondeu que aplicou os recursos em 14 fazendas, não especificando quais.

Plataforma de Transparência de Títulos Verdes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) expõe CRA da SLC Agrícola; título financia a produção agrícola em área de conflitos fundiários no Cerrado piauiense (Fonte: Reprodução/BID)

O BID informou ao Joio que a Plataforma de Transparência de Títulos Verdes é um banco aberto e voluntário, que os dados são fornecidos pelos emissores dos títulos e que o banco não assume a autenticidade deles.

Tomar crédito de títulos de dívida é um negócio interessante para a SLC. A empresa já paga taxas médias anuais de juros em CRAs próximas às praticadas em linhas subsidiadas de crédito rural, cujos contratos são mais burocráticos.

O rótulo verde do título de dívida condiciona que a SLC produza um relatório anual confirmando o desempenho verde no uso dos recursos. Uma empresa independente também deve emitir um parecer um ano após a emissão do título para verificar se as diretrizes para títulos verdes estão sendo seguidas. 

Em 2020, o parecer de segunda opinião informou que “a empresa está ciente de que os recursos adquiridos da emissão deste CRA não devem ser destinados a áreas eventualmente irregulares”.

O Joio entrou em contato com o Bradesco BBI, principal distribuidor do título no mercado de capitais, mas o banco não respondeu aos nossos contatos.

Injeção de dinheiro internacional

A SLC Agrícola continua sob a gestão da família fundadora Logemann, que ainda têm a maior fatia da empresa, mas conta com recursos financeiros pesados do exterior.

Tendo aberto capital na bolsa em 2007, o portfólio de investidores alcançou as maiores gestoras de ativos do mundo.

A BlackRock, que domina 13,4 trilhões de dólares — R$ 71,8 trilhões — em ativos no mundo, constava, até 2015, como um acionista relevante nos documentos públicos da SLC. 

Naquela época, 5,5% da empresa brasileira pertencia à Blackrock, gestora de ativos que injeta dinheiro em várias empresas danosas ao meio ambiente no Brasil. Em 2023, a gestora ainda compareceu à assembleia de acionistas da SLC, o que indica que pode ter perdido posição acionária, mas mantém os investimentos.

Outra gigante investidora é a Vanguard, além de uma série de outros acionistas espalhados pelo mundo. 

Questionadas pela reportagem sobre seus investimentos na SLC, a BlackRock informou que “as participações em nome de clientes representam menos de 1% da SLC Agrícola e são detidas exclusivamente por meio de fundos de índice”, e que estas posições são definidas por agências como a S&P e MSCI, e não por decisão direta da BlackRock.

Já a Vanguard respondeu que não vai se manifestar sobre o caso.

Em maio de 2025, a SLC pagou R$ 241 milhões em dividendos para quem detinha suas ações, valor que representa a metade do seu lucro líquido.

Coordenador do grupo Finanças e Investimentos Sustentáveis (gFIS) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luan Santos avalia que empresas que apresentem problemas socioambientais podem perder valor de mercado.

“Os problemas ambientais vão se materializar em risco de crédito, de financiamento, legal e reputacional, de imagem”, afirma Santos. “Um problema de greenwashing que gere um risco reputacional se reflete no mercado de renda variável na perda do valor da ação, que fica mais barata. Então quando você for vender aquela ação, deixa de ganhar o spread, que é a diferença entre o valor pago [pela ação] e o valor que ela está hoje.”

*A reportagem mudou o nome dos entrevistados para preservar a sua identidade.

** A organização Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e o Coletivo de Povos e Comunidades Tradicionais colaboraram com a produção da reportagem.

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