Série em seis episódios revela fraude e corrupção na produção de itens agrícolas básicos. Formato previsível, com número limitado de entrevistas, prejudica
Rotten não é uma série sobre chefs da moda, ambientes badalados, ingredientes refinadíssimos. Ufa! Já era tempo. Os seis episódios documentais lançados no começo do ano pela Netflix falam sobre fraudes e corrupção na produção de alimentos básicos. E, como o próprio título indica (Rotten significa podre), muita coisa feia vem à tona.
Da adulteração do mel por empresas chinesas a um esquema de privatização da pesca nos Estados Unidos, a produção reforça a necessidade de uma articulação política forte da sociedade para reverter a apropriação sobre o prato nosso de cada dia.
Os seis episódios funcionam como unidades independentes, ou seja, você pode ver um e deixar outro de lado. Qual interessa mais? Difícil saber. Tudo depende de qual assunto te chama mais atenção. Para mim, os dois primeiros episódios foram eletrizantes e, depois disso, ficou uma impressão de “Tá, beleza, a série perdeu o fôlego”.
Tudo começa com a história dos produtores de abelha dos Estados Unidos, cada vez mais acuados pela dificuldade em manter os apiários, atolados em dívidas devido à concorrência desleal do produto adulterado chinês. Nem toda a estrutura tecnológica disponível tem dado conta de barrar as fraudes. Vale muito a pena ver, até porque, no Brasil, não estamos imunes a esse problema. Fica a lição de desconfiar daquele mel com preço muito baixo e procedência duvidosa.
Em seguida vem um tema à primeira vista tonto: a produção de amendoim. Mas o que se revela é uma interessante apuração sobre a explosão dos casos de alergias no sistema de saúde ao longo das últimas décadas. A missão é entender por que isso vem ocorrendo. O episódio cumpre a missão de nos colocar na pele de famílias com pessoas alérgicas, e o enorme risco a que estão expostas diariamente.
No terceiro capítulo, sobre produção de alho, de novo, sobressaem estratégias agressivas de empresas chinesas, dessa vez irmanadas com corporações dos Estados Unidos para fazer chegar ao mercado da América do Norte um produto com um rastro de trabalho escravo. Um diz-que-me-diz entre dois grupos de produtores pode ter dois efeitos sobre quem assiste: deixá-lo com vontade de ir até o fim para descobrir a verdade, ou cansá-lo com a troca incessante de farpas.
O quarto episódio talvez seja o mais dispensável para quem assistiu ao excelente documentário Carne, osso (2011), de Carlos Juliano Barros e Caio Cavechini. A produção brasileira revela com muito maior riqueza de detalhes as péssimas condições laborais do setor de frigoríficos, da criação dos animais ao abate e ao corte. Tanto assim que Barros é uma das fontes para Rotten.
Isso expõe algumas das limitações da produção da Netflix. O formato é previsível: são entrevistas sequenciais de produtores, pesquisadores, especialistas de tudo quanto é jeito. Nesse sentido, assistir aos seis episódios num curto espaço de tempo pode ser cansativo. Algumas das histórias tampouco são novas. Muita coisa saiu de reportagens já publicadas mundo afora. E a qualidade das fontes em nem todos os casos é a melhor possível.
Ainda assim, há entrevistados muito interessantes. E um aspecto positivo da série é dar voz aos agricultores familiares e aos pequenos pescadores. Vale apenas advertir que são os produtores dos Estados Unidos e, nesse ponto, há momentos em que os episódios se confundem com uma defesa de mercado interno, com uma crítica à abertura de fronteiras. Esse aspecto permeia todos os episódios.
O quinto deles, Ordenhando dinheiro, fala sobre as dificuldades dos produtores de leite em meio à redução do consumo e a uma série de políticas públicas equivocadas. E o último, Tchau, bacalhau, narra um mundo bem podre de domínio das águas do mar por algumas poucas pessoas, hábeis em moldar e em se aproveitar de regras que levaram a um empobrecimento geral dos pescadores.
Enfim, Rotten vale a pena. Só não espere pelo melhor documentário do século.