Decisão da diretoria é derrota para o setor privado. Definição do design e dos limites, porém, fica para consulta pública que será aberta esta semana
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) oficializou hoje, 21, posição favorável ao uso de alertas em alimentos ultraprocessados. O relatório lido pelo diretor-presidente, Jarbas Barbosa, sugere a adoção de advertências para o excesso de açúcar, sal e gorduras saturadas.
O fechamento da análise de impacto regulatório é importante para fazer desaparecer uma série de incertezas. Até então não se sabia por qual tipo de sistema a Anvisa se inclinaria. Entre as iniciativas que vêm sendo testadas mundo afora com a ideia de ajudar a conter o crescimento dos índices de obesidade, há uma grande variação de formatos e objetivos.
Alguns sistemas traçam uma espécie de resumo do perfil nutricional do produto, atribuindo a ele uma nota. Outros concedem selos positivos para produtos reformulados ou com baixos teores de determinados nutrientes. E o sistema adotado de forma pioneira no Chile em 2016 alerta para excessos, numa tentativa de desencorajar o consumo de alguns produtos. As evidências acumuladas até aqui mostram que é o sistema mais eficiente, algo corroborado pelo relatório da Anvisa.
A decisão anunciada hoje representa uma derrota para a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), que queria a adoção de um semáforo com as cores verde, vermelho e amarelo para os nutrientes críticos. Em vários países, o setor privado tem buscado evitar as advertências.
Agora, porém, tem início uma nova fase de pressões sobre a agência.
Será preciso definir duas questões. Primeiro, o design. O relatório de Barbosa considera que não há evidência científica para fechar posição por um dos modelos de alerta testados no mundo. O sistema chileno vem sendo analisado por Israel, Canadá, Peru e Uruguai, entre outros.
Por aqui, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Universidade Federal do Paraná fizeram uma adaptação do sistema chileno. No lugar de octógonos, sugerem a adoção de triângulos pretos para o excesso de sal, açúcar, gorduras e gorduras saturadas. Além disso, prevê que sejam assinaladas a presença de gorduras trans e de adoçantes. É um modelo defendido pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e por alguns dos maiores especialistas em nutrição do mundo.
Mas a Anvisa prevê uma série de desenhos diferentes a serem levados em conta. E, ao menos até essa etapa, não se posicionou em favor da colocação de alertas para a presença de gorduras trans e de adoçantes.
“Foi positivo no sentido de colocar como opções apenas modelos de advertência. Ainda falta analisar melhor o relatório, quando estiver publicado, para saber quais serão os pontos que a Anvisa colocará em discussão, quais estudos estão considerando”, diz Ana Paula Bortoletto, líder do programa de alimentação saudável do Idec.
Para ela, um ponto de preocupação é não ter previsão sobre a presença de gorduras trans e adoçante. O segundo, em especial, tem sido usado na reformulação de produtos como forma de reduzir a presença de açúcar. “Adoçantes são substâncias que têm um limite máximo de consumo e têm riscos à saúde relacionados”, afirma Ana Paula. Cada vez mais pesquisas têm indicado efeitos negativos dessas substâncias, inclusive para uso por diabéticos.
Um outro passo importante é a definição do perfil de nutrientes, ou seja, os índices utilizados para dizer se um produto deve ou não levar um selo de advertências. A Anvisa pode sugerir a adoção de um modelo próprio, mais rigoroso que o proposto pelas empresas, mas abaixo das expectativas das organizações da sociedade.
A Aliança cobra o uso do perfil de nutrientes da Organização Panamericana de Saúde (Opas), tido pelo setor privado como muito duro. Um estudo feito pelo Idec mostrou que seis em cada dez produtos hoje existentes nos supermercados teriam pelo menos um selo.
A consulta pública terá duas etapas. Primeiro, a Anvisa prevê abrir ainda esta semana uma chamada para receber sugestões em torno do sistema de alertas e do prazo de implementação. A tomada de opiniões ficará aberta por 45 dias.
“Não queremos medidas protelatórias”, disse Barbosa. “Queremos que se tenha um debate em que todos sejam ouvidos. A Anvisa se baseia em técnica, em ciência. As pressões são legítimas. Faz parte do nosso trabalho ouvir diferentes opiniões. A Anvisa é acostumada a lidar com isso.”
Após essa fase será redigida uma minuta com a proposta de resolução a ser aprovada pela diretoria colegiada. E, com isso, será aberta uma nova etapa de escuta às sugestões da sociedade e do setor privado.
Lados opostos
A reunião na Anvisa mais uma vez marcou a oposição entre os representantes do setor privado e os da sociedade civil. A Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reforçaram predileção pelo semáforo e evitaram tecer comentários específicos sobre os alertas.
Do outro lado, organizações sociais e governamentais deixaram claro entender que há evidências científicas em favor dos triângulos de advertência e do perfil de nutrientes da Opas. A coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Michele Lessa, reforçou a posição da estrutura governamental em prol dos alertas.
A Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) e o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) também defenderam que se siga na linha de adotar as advertências.
Igor Rodrigues Britto, advogado e representante do Idec, considera que a decisão da Anvisa reforça a maior eficiência desses sistemas.
Na mesma linha foi Ana Maria Maya, representante da ACT Promoção da Saúde. Ela recordou a crescente associação entre o aumento do consumo de ultraprocessados e a obesidade em toda a América Latina.