Candidatos ao Planalto oferecem aos empresários do setor manutenção de políticas que vêm agravando desigualdades e causando conflitos
Quatro dentre os principais candidatos à Presidência da República buscaram, nesta quarta-feira (29), a bênção dos empresários do agronegócio brasileiro. Em uma sabatina com representantes do setor, Geraldo Alckmin (PSDB), Henrique Meirelles (MDB), Álvaro Dias (Podemos) e Marina Silva (Rede), por ordem de aparição, receberam dez propostas com demandas ligadas à macroeconomia, à logística e à defesa deste modelo de produção rural, presentes no documento “O Futuro é Agro – 2018 a 2030” (com uma versão resumida).
Os presidenciáveis foram quase todos unânimes em acatar as sugestões do setor, no evento que foi realizado em Brasília pela principal entidade do agronegócio, a Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Eles mostraram um discurso alinhado aos interesses da área e reconheceram, sem grandes ressalvas, a sua importância.
Alckmin disse que se trata do “grande polo dinâmico da economia brasileira”. Já Meirelles afirmou: “O agronegócio tem representado o que tem de excelência.” Dias, por sua vez, falou que sua “prioridade é o campo”. E Marina, finalmente, declarou que “é um setor estratégico” para o país.
Pudera, a produção rural corresponde a 23% do Produto Interno Bruto (PIB). Não ouvir o setor pode tornar o ato de governar tão delicado quanto o de pisar em ovos. Os empresários do agronegócio detêm não só poder econômico, como vigorosa influência política, reunindo na Frente Parlamentar da Agropecuária 27 dos 81 senadores e 234 dos 513 deputados federais do atual quadro do Congresso Nacional.
Os representantes da área sabem disso e alertam que ignorar suas demandas pode não ser prudente. “Esta é a casa do produtor rural brasileiro. Todos os candidatos foram convidados. Os que não vieram é porque não quiseram dialogar com o setor agropecuário brasileiro”, declarou o presidente da CNA, João Martins, na abertura do encontro. A referência era às ausências de Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — que, mesmo preso, vem sendo representado pelo vice, Fernando Haddad—, entre os melhores colocados nas últimas pesquisas eleitorais.
Como há décadas, a promessa é de resolver um problema social complexo. O embaixador especial da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, disse que o país precisa aumentar a produção em 41% para que a oferta mundial de alimentos cresça em 20% nos próximos anos. Segundo ele, é de entendimento da ONU que “onde há fome, há guerra”, e, para atenuar conflitos, é necessário garantir a segurança alimentar.
O papel principal do Brasil no tema seria, portanto, quase irrecusável. “O agronegócio brasileiro é uma oferta ao próximo presidente, que é uma oferta para a paz. Nós não estamos pedindo nada. Estamos pedindo que o Brasil seja o campeão mundial da paz”, disse o representante da FAO.
Se na face mais evidente o agronegócio se orgulha de seus números, um olhar mais atento traz à tona evidências que desmontam o consenso fabricado em torno de o setor ser moderno, igualitário e, sobretudo, pacífico. Também hoje, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denunciou o assassinato de dois trabalhadores rurais em Porto Alegre do Norte, no Mato Grosso, o estado que é campeão de produção do agronegócio.
A CPT é uma entidade ligada à Igreja Católica que monitora a violência no campo. De acordo ela, o Brasil quebrou um novo recorde de assassinatos de ativistas no meio rural em 2017. Foram 71 pessoas mortas por decorrência de conflitos agrários — e apenas dois casos, dentre todos estes, foram resolvidos.
Além disso, O Joio e O Trigo já falou anteriormente. Os dados preliminares do último Censo Agropecuário, do IBGE, mostram de forma clara: ao mesmo tempo em que se consolida como modo de produção no campo, o agronegócio concentra terras, aumenta o uso de agrotóxicos e transforma comida em commodity. A soja e o milho e cultivados em grandes propriedades se tornam mercadoria de exportação para virar combustíveis ou ração para rebanhos lá fora.
A maior parte dos alimentos, conforme as informações do Censo, vem da agricultura familiar, de pequenas e médias áreas rurais. Ela produz 70% do feijão, 34% do arroz, 87% da mandioca, 46% do milho, 38% do café e 21% do trigo, bem como 60% do leite e detém 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos.
Os candidatos
Alckmin foi o único presidenciável no encontro que recebeu aplausos enquanto falava. “Onde entra o agronegócio, cresce o emprego. Melhora o IDH da população, diminui o índice de Gini, distribui renda, ajuda a economia”, disse o tucano, antes de receber saudações do público. Ele citou questões de logística e reafirmou o compromisso em manter o seguro de renda dos produtores rurais. Também afirmou querer ampliar a oferta de crédito, retomando propostas que vem apresentando desde o início da campanha.
O peessedebista, porém, dedicou especial atenção à violência no campo. Ou, talvez, em como pretende piorar a situação que a CPT denuncia. O tucano declarou que pretende reeditar uma medida provisória do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que proibia a destinação à reforma agrária de áreas ocupadas por movimentos sociais e tocou no porte de armas em áreas rurais. “Sou totalmente favorável”, afirmou, com a ressalva de que não se trata de substituir o papel do governo em mediar e diminuir conflitos agrários.
Meirelles divergiu de Alckmin. “Acho que violência se enfrenta com inteligência. Nós não vamos voltar atrás. Oferecer armas é uma primeira tentação. Não vamos voltar atrás nas garantias fundamentais do Estado de Direito”, disse. Mas afirmou, na sequência, que “a reforma agrária” é, na verdade, um “enfrentamento à propriedade privada”. Para o emedebista, as sugestões que recebeu da CNA são a continuidade do que já vem fazendo o governo do presidente Michel Temer.
O ex-ministro da Fazenda deu especial atenção ao tema da logística, para distribuição do que é produzido. Declarou que tem como prioridade a modernização e extensão da rodovia Transamazônia, uma importante rota de exportação das commodities produzidas no Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul e em Rondônia. No final, concluiu dizendo que deseja ver o Brasil se tornar “cada vez mais o celeiro do mundo”.
Alvaro Dias, por sua vez, centrou sua apresentação no que chamou de “invasão de propriedades rurais”. Reafirmou uma das propostas previstas no seu plano de governo de fazer reintegração de posse sumária de áreas ocupadas. Disse que pretende reformar os códigos civil e penal, para punir com mais rigor grupos que adentrem em áreas para reivindicar posse.
Ponto divergente dos demais, Marina também fez elogios, mas soube trazer críticas aos empresários do setor. “Os produtores brasileiros estão maduros para fazer a transição de uma agricultura extensiva e de baixa produtividade para uma agropecuária intensiva, competitiva e sustentável do ponto de vista social e ambiental.” A candidata da Rede foi a única entre os quatro convidados a citar os números do último Censo Agropecuário.
A ex-ministra do Meio Ambiente lembrou que quase três milhões de brasileiros que vivem no campo estão em situação pobreza ou extrema pobreza. “Existe grande desigualdade entre os produtores. No caso, o conhecimento que é disponível para muitos ainda não é disponível para todos”, afirmou, reiterando que o campo é onde se perpetuam as principais desigualdades sociais do Brasil.